28.12.01

Bom, amigos, agora só vou blogar no ano que vem. Andei meio down nos últimos dias, tanto que Wal (minha cara metade, mãe de minhas filhotas Jessica e Rebeca) estranhou... Sorry, mas é a angústia eterna dos que escrevem e escarafuncham a própria alma. Durante muito tempo fiquei sem escrever e achei que poderia driblá-la, mas ela sempre volta. Ainda mais este ano, em que as Musas vieram a mim na forma de alguém muito especial e acabei fazendo um retorno inesperado à poesia...
Mas hoje estou melhor (até porque arranquei um punhado de poemas do peito esta madrugada), vou me acabar na night e quero deixar uns versos mais alegres para fechar o ano. Ele é inspirado na viagem que fiz de navio no começo do mês, sem dúvida uma das experiências mais marcantes de minha vida. Feliz 2002 para todos!!!

Sete dias no mar

Sete dias no mar
E meus axônios se pintam de azul
para as festas de Dioniso e Afrodite;
feéricos rituais
se sucedem todas as noites
num balouçante altar
forrado de púrpura.

Atiro-me, sôfrego,
aos mistérios do prazer
e neles encontro estranha redenção.
Estará o Eterno na vastidão das ondas
Ou em algum ponto dos conveses
de seu templo flutuante?

Sim, porque de repente percebo
-- naqueles momentos mais extravagantes --
Que Ele desceu das alturas
E está em algum ponto
bailando conosco,
às gargalhadas,
às quatro da manhã.
Para M., com toda a minha adoração

Na outra noite eu te fiz chorar, sem querer,
e, pior, não foi por amor,
mas porque tinhas a mesma e terrível sensação que eu tivera um dia
a de que a juventude fora apedrejada para fora de seu parlatório.

Perdão, amiga,
por te conduzir a tal masmorra.
Acendi depois um cigarro e menti galantemente:
afirmei que já superara tal crise
e que também a banirias com um gesto impetuoso, como é de teu feitio.

Mas, cá no porão de meu ventrículo, eu bem sei
que minha vitória foi apenas uma arte de prestidigitação.
Pois mede-o em fahrenheit, celsius ou kelvin,
e verás que a cada ano diminui meu amor pelo amar.

27.12.01



Finalmente descobri o que é estar só
Quando olhei em seus olhos e reconheci a Mentira
Usurpadora de córneas antes tão amadas.
Nenhuma prisão
Me deixaria mais sufocado e claustrofóbico
Do que aquele olhar.
Oh, deus, por que usamos palavras para mentir
Se o corpo mente antes por nós?

* * * * *

Trigais

Escuridão.
As teclas me levam à escuridão profunda,
Ao caos ardentemente desejado,
Ao sótão.
Desperto de um sono sem sonhos,
Um sono de olhos acordados e inertes,
E confronto de novo o nada.
Para que tentar? para que morrer de angústia
Se nem mesmo a chave possuo mais
Se nem mesmo o destino prega mais peças em nós
Se nem mesmo seus cabelos sussurram mais como sussurravam
Doces, dourados, qual campos de trigo, em meus ouvidos?
Onde está meu desejo, meus arrogantes trovões, meus dedos ágeis?
Em lugar nenhum; eis que se cumpriu a profecia.
Restou, enfim, o escuro, amado, não mais temido,
Caverna silenciosa, gostosa, lar dos nossos duendes coloridos,
Pelo bem do Outro esquecidos.

20.12.01

Quem me conhece sabe que, embora eu acredite que há algo Eterno no éter (senão, não escreveria versos), preferiria cear com Zeus, Hera, Hermes, Afrodite & cia no Olimpo a contemplar a barriga de Papai Noel (já me basto como gordinho ;-)). Mas nada tenho contra o Natal, nem Jesus, que no fundo era um libertário. Natal é melhor que Ano Novo; é uma festa de aniversário, mesmo com a data errada. Já a passagem do ano me deprime, marca apenas o inexorável martelar do Tempo e faz-me pensar no que ainda não fiz na vida. Sou um inconformista por natureza, afinal.
Mas, de um modo ou de outro, o melhor é mesmo festejar. O aniversário do Homem, porque Ele merece; e o Ano Novo, para a gente esquecer o tempo e as besteiras que fez no ano que finda ;-))). Assim, desejo boas festas para todos os queridos amigos e leitores deste blog. E deixo-lhes mais um poema.

Castelos de areia

Você bem o sabe, doce neblina
Cerração de lágrimas tortuosas subindo

Meu ser afogou-se
E roubaram-me um naco de coração
Traí-me e desci por corredeiras brilhantes
Até sumir no cosmo.
Não, não vislumbro futuros
Nem desejo me redescobrir
Busco mundos sem planos
Sem planos de busca.

Jogaste fora teus mapas?
Então iremos juntos
Juntos criadores do nada
Nossas únicas
E inverossímeis datas para guardar
Serão aquelas em que os universos construídos
Nada mais serão
Que castelos de areia.

Minha amiga Rosane Serro, afiada coleguinha da seara dos bits e bytes, revela sua veia de poeta em seu intrigante blog.
É dela esta pequena pérola, de que gostei muito...

Semeadura

Gerencio um mundo de metáforas
Que, sempre me ensinaram, não existe.
Arquivo seqüelas de segundos,
rego pés de juras como se fossem brotar um dia.

Você vem, explode a estufa.
Vejo milhares de nós por toda parte.
(Rosane Serro)


19.12.01

Publiquei este post sobre o Sabato em meu blog de prosa, em http://amachado.blogspot.com. Lá também há crônicas recentes que escrevi, e estou começando a postar meu romance "Somente os amantes" (por enquanto, saiu somente o prólogo, mas em breve virá o primeiro capítulo).
Ontem realizei um sonho antigo: cumprimentei pessoalmente o grande escritor argentino Ernesto Sabato. Ele esteve no Rio para duas conferências na Universidade Cândido Mendes. A segunda, a que assisti, foi "Confissões de um escritor", e, segundo o professor Cândido Mendes, que apresentou e comentou a conferência, será publicada por aqui com certeza. Sabato está velhinho, com 90 anos, e pode ter sido uma das últimas oportunidades para ver o autor de clássicos como "O Túnel" e "Sobre Heróis e Tumbas". Fiquei comovido com sua fidelidade a seus ideais, ele que largou a Física para se dedicar à Literatura e sustenta que a razão não serve para orientar nossas vidas, não consegue conter coisas como a solidão, o absurdo, o amor e a morte. Sabato contou que largou a ciência ao descobrir que o mundo não está lá fora, mas dentro de nós; comentou que as idéias jamais existem em estado puro, como querem os filósofos e os cientificistas, mas estão sempre mescladas a alguma emoção; e sustentou que a educação não deve formar meros profissionais, mas homens, na mais ampla tradição do humanismo. Neste começo lamentável de milênio, foi um bálsamo ouvir as palavras, ainda que baixas e expressas com dificuldade, de um grande defensor da poesia e da esperança em meio ao caos. Foi com grande orgulho que subi ao palco e pedi que ele autografasse meu exemplar de "Antes do fim", seu recente livro de memórias. E não me cansei de olhar o autógrafo à noite e hoje de manhã. Larguei a biografia da Mary Stuart que estava lendo e mergulhei nas memórias de Sabato. Que homenagem maior poderia prestar-lhe?
Ao entregar-lhe o livro, disse-llhe apenas: "Para André". E ele respondeu, sorrindo: "Só isso? Não quer que escreva mais nada?" Eu respondi que não. Sabato olhou o livro, elogiou a beleza da edição brasileira e escreveu "Para André, com meu afeto, E. Sabato". Então eu apertei longamente sua mão (como suspeitava, ele tem um aperto de mão firme, que transpira confiança, como o do Verissimo) e declarei: "Foi uma grande honra estar aqui e poder conhecer o senhor. Obrigado". Não consegui falar mais nada. Mas Sabato apertou-me a mão mais fortemente e murmurou "muchas gracias". Depois, saí. Já ganhara meu presente de Natal. Para mim, foi como se cumprimentasse Wilde ou Nietzsche. Sabato é um dos Imortais de verdade, e estará sempre em meu coração. Sua Alejandra Olmos, de "Sobre Heróis e Tumbas", é a personagem feminina que mais amo em toda a literatura. Não tem para ninguém, nem Julieta, nem Madame Bovary. Ave, Sabato!

17.12.01

A doce Valeska tomou um poema deste vosso escriba como inspiração e fez uma adaptação dele, mesclada com suas próprias idéias, para o espanhol. Vejam o resultado:

El Miedo, por André Machado, mezclado
a mi sentimiento, en español.


Sé que soy novia del miedo
Y que me ha tomado de repente
en una noche temblorosa;
Al mismo tiempo que lo rechazo,
lo deseo, como un brazo protector
contra las incertidumbres del mundo;
Y él, entonces, intenta asegurarme
de que nada mejor que el alivio...
de despirme de la indecisión
romper las sábanas de la cama de la consciencia
y con ellas hacer una cuerda que va
directamente al corazón.
El me llama... me invita...
Dice conocer el camino, que no está libre del dolor,
Pero mejor el dolor que los cristales de nieve,
Mejor el dolor que la muerte del alma en vida,
Mejor el dolor que la belleza del sueño en un
Suave susurro...
De los demonios diciendo lo que habría sido
Si al fin, no dejas todo en el olvido.

Aí, dear, valeu mesmo!

Galera, confesso que cansei desses comments que vão e vêm. Agora, vou linkar meu e-mail ao fim de cada post, vai ser mais fácil.
Eis mais alguns poemas para compensar a falta de atualização do "Comentários" nestes últimos dias....

Onde está você?

Rodelas de fumaça envolvem meu quarto
E pergunto às paredes onde está você.
O poema vacila, tonto e cabisbaixo
Onde está você?

Se o vento que penetra meus olhos
Ao menos trouxesse as notas da melodia perdida,
A voz retornaria às minas
E o passado iria fundir-se com o futuro
Nas pupilas de nossas línguas escaldantes.

A entrega selvagem do vento ao fogo, ah!
Chagas de prazer no ventre congesto!
Onde está você?
Onde está você que transformou o universo numa alcatéia de becos sem saída?
Eu não conheço o antídoto!
Não, não me atrevo a desafiar o cálice inesgotável
Da planície estrelada.
Desejo, sim, construir o labirinto da demência
Tecer a teia da Sabedoria e da Loucura
E nela aprisionar para a eternidade
O amor perdido em nossas bocas secas e silentes.


Poema que parou aí

Desci ao âmago
O que nos aconteceu?

Poema que foi mais além

Descemos ao âmago
Quem sabe dessa vez acertei na mosca?
Logrei olhá-la tão fundo
Que esqueci a cor dos meus olhos.
Ah! Mas eu já disse que não quero cores primárias
Quero hibridações
Salivas soda cáustica
Aaaaah!
Quero que sua língua explore tudo
Amo essa boca que me percorre
No beijo e no discurso
Adoro a pergunta que me embebe
Venero a resposta que não sei dar
...Deixe que eles desafinem.

Hoje eu sei tudo sobre as estrelas da madrugada
Recito seu horóscopo de cor
Amanhã será névoa...
...Amanhã será névoa
Então darei corda no meu relógio embolorado
Colocarei você na gaveta
E reintegrarei o suicídio coletivo
Terei eu ido longe demais?

12.12.01

Amor dopado

Febre vai, febre vem
O maior castigo é a solidão
Se esse maldito vulcão de lábios grossos
Pudesse revelar seus segredos
Com uma só cusparada...
Mas ele se extingue aqui
Entre quatro paredes
Em papel garranchado.

Quando você me descobrir
Não lhe falarei de amar.
O amor complicou-se, tomou narcóticos,
E o que existe em mim é simples
Inconfundível feito flor

Eu sinto flor por você (muito forte)
E flor tem todas as vantagens do amor
Mais o fato de ser só flor.

11.12.01

Boa tarde. Um sobre o medo:

Medo e derivados

Sei que és noiva do medo
e que ele te tomou de repente
numa noite brumosa;
sei que ao mesmo tempo o repeles
e o desejas como uma manta protetora
contra os desígnios do mundo;
às vezes nosso maior medo
é largar de vez todos os seus derivados
que se acumulam conforme os anos
entre um e outro neurônio.
Mas, eu te asseguro,
nada há como o alívio
de despir-se da indecisão
rasgar os lençóis da cama da consciência
e com eles fazer uma corda perimetral
direto para o coração.
Vem, eu sei o caminho -- não desprovido de dor --
mas antes a dor que os cristais de neve
antes a dor que a delícia do sono sussurrado
pelos demônios do que teria sido possível
que no fim nos embalam no limbo.

10.12.01

Alô, galera, estou de volta. Espero que esteja tudo bem com vocês. Venho de sete dias no mar, uma viagem feérica que deve render novos poemas em breve. Enquanto eles não vêm, aí está mais um do arquivo...

Degelo

Que venha o verão
Injetar nas veias a mescalina do insaciável
Transmutar-se em brilhos de olhos de sede voraz
Que venha você
Destrancar meu coração mofado e caquético
Limpar seu sótão e instalar-se com regalias
Até o fim da temporada de caça.