26.11.09
25.11.09
"Friends, Romans, countrymen, lend me your ears;
I come to bury Caesar, not to praise him.
The evil that men do lives after them;
The good is oft interred with their bones;
So let it be with Caesar. The noble Brutus
Hath told you Caesar was ambitious:
If it were so, it was a grievous fault,
And grievously hath Caesar answer'd it.
Here, under leave of Brutus and the rest--
For Brutus is an honourable man;
So are they all, all honourable men--
Come I to speak in Caesar's funeral.
He was my friend, faithful and just to me:
But Brutus says he was ambitious;
And Brutus is an honourable man.
He hath brought many captives home to Rome
Whose ransoms did the general coffers fill:
Did this in Caesar seem ambitious?
When that the poor have cried, Caesar hath wept:
Ambition should be made of sterner stuff:
Yet Brutus says he was ambitious;
And Brutus is an honourable man.
You all did see that on the Lupercal
I thrice presented him a kingly crown,
Which he did thrice refuse: was this ambition?
Yet Brutus says he was ambitious;
And, sure, he is an honourable man.
I speak not to disprove what Brutus spoke,
But here I am to speak what I do know.
You all did love him once, not without cause:
What cause withholds you then, to mourn for him?
O judgment! thou art fled to brutish beasts,
And men have lost their reason. Bear with me;
My heart is in the coffin there with Caesar,
And I must pause till it come back to me. "
(Início do discurso de Marco Antônio no enterro de César, Julius Caesar, Shakespeare)
I come to bury Caesar, not to praise him.
The evil that men do lives after them;
The good is oft interred with their bones;
So let it be with Caesar. The noble Brutus
Hath told you Caesar was ambitious:
If it were so, it was a grievous fault,
And grievously hath Caesar answer'd it.
Here, under leave of Brutus and the rest--
For Brutus is an honourable man;
So are they all, all honourable men--
Come I to speak in Caesar's funeral.
He was my friend, faithful and just to me:
But Brutus says he was ambitious;
And Brutus is an honourable man.
He hath brought many captives home to Rome
Whose ransoms did the general coffers fill:
Did this in Caesar seem ambitious?
When that the poor have cried, Caesar hath wept:
Ambition should be made of sterner stuff:
Yet Brutus says he was ambitious;
And Brutus is an honourable man.
You all did see that on the Lupercal
I thrice presented him a kingly crown,
Which he did thrice refuse: was this ambition?
Yet Brutus says he was ambitious;
And, sure, he is an honourable man.
I speak not to disprove what Brutus spoke,
But here I am to speak what I do know.
You all did love him once, not without cause:
What cause withholds you then, to mourn for him?
O judgment! thou art fled to brutish beasts,
And men have lost their reason. Bear with me;
My heart is in the coffin there with Caesar,
And I must pause till it come back to me. "
(Início do discurso de Marco Antônio no enterro de César, Julius Caesar, Shakespeare)
20.11.09
Hoje faz exatos 14 anos que meu sogro se foi desta para a melhor. Não viveu muito, apenas 56 anos. É uma figura que faz uma falta tremenda; convivi com ele apenas dez anos, mas sua influência foi marcante em minha vida. Entre outras qualidades, ele tinha a do perpétuo bom humor diante da vida, mesmo nos momentos mais complicados. É algo que eu gostaria de ter -- se pudesse, abandonaria os momentos em que a tristeza ou a raiva toma conta de mim, mas ainda não alcancei esse estágio de espiritualidade. Quem sabe algum dia.
Que esteja descansando em paz e que não precise mais voltar a este vale de lágrimas em que labutamos, é o meu desejo.
Que esteja descansando em paz e que não precise mais voltar a este vale de lágrimas em que labutamos, é o meu desejo.
5.11.09
Ontem o antropólogo Roberto da Matta, com quem tive a honra de pegar algumas caronas para Niterói nos meus tempos de Escola de Comunicação da UFRJ, publicou no Globo um artigo muito interessante sobre a nossa cultura, que não valoriza a solidão -- pelo contrário, a considera uma coisa esquisita -- e com isso pode tornar a vida em casa um tanto sufocante, além de atrapalhar a boa reflexão, necessária ao amadurecimento. Reproduzo-o aqui.
Ficar sozinho no Brasil
Roberto Da Matta
No fundo, no fundo, a declaração-confissão do Lula de que, quando tenta ler alguma coisa, tem azia é chocante e descabida para o Brasil como um país, mas é sincera e perfeitamente compreensível para o Brasil como sociedade. Não fica nada bem que um presidente de uma nação que se deseja moderna continue afirmando a sua aversão pela leitura, que é o centro dos processos educacionais. Mas não é algo do outro mundo que, como uma pessoa criada numa família brasileira, a leitura possa causar mal-estar.
Falamos muito na necessidade de ler e estudar, mas examinamos criticamente as condições sociais mínimas que tais atos requerem. A maioria dos intelectuais brasileiros que conheço teve que lutar para ler um livro dentro de suas casas, independentemente de nível social. É que, se somos controlados pelo Brasil como país, com suas multas e dispositivos legais (que, sabemos bem, operam mais para os de baixo do que para os de cima); somos também vigiados pelas nossas famílias cujo princípio básico é evitar a solidão de seus membros. Qualquer tipo de isolamento ou de individualização, seja porque a pessoa fala pouco ou porque fica dentro do seu quarto (quando o tem), é tomado como sintoma de que algo não está bem.
Criamos nossos rebentos para serem sociáveis e dependentes dos mais velhos e exemplos para os mais novos. Olhamos mais vertical do que horizontalmente. Dessa jaula de carinhos e favores feita por relações perpétuas (pois nem a morte rompe com elas), não há escapatória. Nossas crianças não podem ficar sozinhas. A todo momento um adulto as excita, solicitando um olhar ou sorriso. É enorme a carga social que despejamos uns nos outros. Disso resulta uma aversão à solidão que, no Brasil, é castigo. Na América ensina-se como fazer amigos, no Brasil precisamos do manual de como podemos nos livrar daqueles que, por amor, nos sufocam.
É óbvio que uma pessoa assim socializada tenha dificuldades em ler e estudar, pois essas são atividades — como descobriram os monges e profetas — que demandam um mínimo de isolamento e de autonomia, esses irmãos de um silêncio que é mandamento principal das bibliotecas e de todos os ambientes de leitura. Exceto, é claro, em nossas casas onde todos os que gostam de ler e estudar desenvolvem a incrível técnica de realizar isso conversando com parentes, criados e amigos porque não fica bem um isolamento, que é o primeiro sinal de loucura.
Quando lê, Lula sente azia. No meu caso era pior: eu tinha medo de ficar louco porque ouvi muitas vezes o vaticínio segundo o qual quem lê muito vira biruta porque fica com muita ideia na cabeça! Isolar-se para ler por longas horas era complicado porque lhe batiam na porta; ou a abriam para "ver se estava tudo bem". Quem não levou aquele susto de arrancar o coração quando, na única e legítima solidão de um banheiro, lia encantado algum livro pornográfico, quando uma bateção bíblica na porta o tirou do tal pecado solitário?
Não é interessante e significativo que o nome do sexo consigo próprio, isso que afinal de contas é, quem sabe, a primeira experiência de um aprofundamento consciente de uma subjetividade consigo mesmo, seja chamado de "pecado solitário" entre nós? Quando aprendi o tremendo pecado desta atividade, não concordei com "solitário". Porque eu jamais estava só. Sempre, naquele tipo de solidão, tinha sempre alguém — irresistível e desejável — me acompanhando. Lembro-me de uma vez que lia, trancado debaixo de sete chaves no banheiro lá de casa, o livro "A ceia de Cleópatra", uma descrição, digamos, ultranaturalista de um festim romano, quando bateram na porta. "O que está acontecendo aí dentro? Tá na hora de sair!", disseram com voz firme porque eu havia passado do tempo normal de ficar sozinho no banheiro. Saindo do transe, eu tive que me livrar de uma multidão. Principalmente de um monte de belíssimas patrícias e escravas romanas que me acariciavam e serviam. Solitário uma ova! Eu estava, isso sim, num outro mundo.
Em suma: é mais ou menos proibido ficar sozinho no Brasil. Somos obrigamos a nos ligar uns com os outros todo o tempo, mesmo diante das coerções da vida urbana. A recusa ao relacionar-se ainda é considerada uma anomalia, uma antipatia ou uma anormalidade. Na rua, quem recusa a conversa fiada é o antipático modelar; em casa, é o doente mental em potencial. Estar "cismado", ensimesmado, trancado em si mesmo é sinônimo de raiva ou desequilíbrio emocional. Nos Estados Unidos, dá-se o justo oposto. Falar como um mamangaio (cruzamento de uruguaio, argentino e paraguaio), conversar como um brazuca, é sintoma de ausência daquela concentração que permite os grandes feitos e faz parte da mitologia dos grandes cientistas, profetas e intelectuais. Representa a imagem menos abonadora ou bonita da Carmen Miranda. Pois todos saíram do mundo, aceitaram a solidão, tornaram-se sós por força de um ideal ou crença e, numa outra etapa, retornaram ao mundo social triunfantes, reconhecidos como grandes. Tal como ocorreu com Robson Crusoé ou, melhor ainda, com Edmond Dantés, o Conde de Monte Cristo, o período fora do mundo foi essencial para seu triunfo junto à sociedade. Já, entre nós, o isolamento autoimposto pelas circunstâncias da desonra matrimonial num Maciel transforma-o num Antonio Conselheiro, num "gnóstico bronco", no dizer de Euclides da Cunha.
Moral da história: jamais fique só. Tenha sempre uma turma, uma seita. De preferência seja dela o chefete ou mentor ou presidente. O isolamento é sinal de perturbação. Os laços sociais são prescritivos e inevitáveis. Fora deles, sem grupo ou partido, você não existe e nada pode. Agora, convenhamos que numa sociedade assim constituída ficam complicados a leitura e o estudo. Bem como a velha e gozosa solidão...
Ficar sozinho no Brasil
Roberto Da Matta
No fundo, no fundo, a declaração-confissão do Lula de que, quando tenta ler alguma coisa, tem azia é chocante e descabida para o Brasil como um país, mas é sincera e perfeitamente compreensível para o Brasil como sociedade. Não fica nada bem que um presidente de uma nação que se deseja moderna continue afirmando a sua aversão pela leitura, que é o centro dos processos educacionais. Mas não é algo do outro mundo que, como uma pessoa criada numa família brasileira, a leitura possa causar mal-estar.
Falamos muito na necessidade de ler e estudar, mas examinamos criticamente as condições sociais mínimas que tais atos requerem. A maioria dos intelectuais brasileiros que conheço teve que lutar para ler um livro dentro de suas casas, independentemente de nível social. É que, se somos controlados pelo Brasil como país, com suas multas e dispositivos legais (que, sabemos bem, operam mais para os de baixo do que para os de cima); somos também vigiados pelas nossas famílias cujo princípio básico é evitar a solidão de seus membros. Qualquer tipo de isolamento ou de individualização, seja porque a pessoa fala pouco ou porque fica dentro do seu quarto (quando o tem), é tomado como sintoma de que algo não está bem.
Criamos nossos rebentos para serem sociáveis e dependentes dos mais velhos e exemplos para os mais novos. Olhamos mais vertical do que horizontalmente. Dessa jaula de carinhos e favores feita por relações perpétuas (pois nem a morte rompe com elas), não há escapatória. Nossas crianças não podem ficar sozinhas. A todo momento um adulto as excita, solicitando um olhar ou sorriso. É enorme a carga social que despejamos uns nos outros. Disso resulta uma aversão à solidão que, no Brasil, é castigo. Na América ensina-se como fazer amigos, no Brasil precisamos do manual de como podemos nos livrar daqueles que, por amor, nos sufocam.
É óbvio que uma pessoa assim socializada tenha dificuldades em ler e estudar, pois essas são atividades — como descobriram os monges e profetas — que demandam um mínimo de isolamento e de autonomia, esses irmãos de um silêncio que é mandamento principal das bibliotecas e de todos os ambientes de leitura. Exceto, é claro, em nossas casas onde todos os que gostam de ler e estudar desenvolvem a incrível técnica de realizar isso conversando com parentes, criados e amigos porque não fica bem um isolamento, que é o primeiro sinal de loucura.
Quando lê, Lula sente azia. No meu caso era pior: eu tinha medo de ficar louco porque ouvi muitas vezes o vaticínio segundo o qual quem lê muito vira biruta porque fica com muita ideia na cabeça! Isolar-se para ler por longas horas era complicado porque lhe batiam na porta; ou a abriam para "ver se estava tudo bem". Quem não levou aquele susto de arrancar o coração quando, na única e legítima solidão de um banheiro, lia encantado algum livro pornográfico, quando uma bateção bíblica na porta o tirou do tal pecado solitário?
Não é interessante e significativo que o nome do sexo consigo próprio, isso que afinal de contas é, quem sabe, a primeira experiência de um aprofundamento consciente de uma subjetividade consigo mesmo, seja chamado de "pecado solitário" entre nós? Quando aprendi o tremendo pecado desta atividade, não concordei com "solitário". Porque eu jamais estava só. Sempre, naquele tipo de solidão, tinha sempre alguém — irresistível e desejável — me acompanhando. Lembro-me de uma vez que lia, trancado debaixo de sete chaves no banheiro lá de casa, o livro "A ceia de Cleópatra", uma descrição, digamos, ultranaturalista de um festim romano, quando bateram na porta. "O que está acontecendo aí dentro? Tá na hora de sair!", disseram com voz firme porque eu havia passado do tempo normal de ficar sozinho no banheiro. Saindo do transe, eu tive que me livrar de uma multidão. Principalmente de um monte de belíssimas patrícias e escravas romanas que me acariciavam e serviam. Solitário uma ova! Eu estava, isso sim, num outro mundo.
Em suma: é mais ou menos proibido ficar sozinho no Brasil. Somos obrigamos a nos ligar uns com os outros todo o tempo, mesmo diante das coerções da vida urbana. A recusa ao relacionar-se ainda é considerada uma anomalia, uma antipatia ou uma anormalidade. Na rua, quem recusa a conversa fiada é o antipático modelar; em casa, é o doente mental em potencial. Estar "cismado", ensimesmado, trancado em si mesmo é sinônimo de raiva ou desequilíbrio emocional. Nos Estados Unidos, dá-se o justo oposto. Falar como um mamangaio (cruzamento de uruguaio, argentino e paraguaio), conversar como um brazuca, é sintoma de ausência daquela concentração que permite os grandes feitos e faz parte da mitologia dos grandes cientistas, profetas e intelectuais. Representa a imagem menos abonadora ou bonita da Carmen Miranda. Pois todos saíram do mundo, aceitaram a solidão, tornaram-se sós por força de um ideal ou crença e, numa outra etapa, retornaram ao mundo social triunfantes, reconhecidos como grandes. Tal como ocorreu com Robson Crusoé ou, melhor ainda, com Edmond Dantés, o Conde de Monte Cristo, o período fora do mundo foi essencial para seu triunfo junto à sociedade. Já, entre nós, o isolamento autoimposto pelas circunstâncias da desonra matrimonial num Maciel transforma-o num Antonio Conselheiro, num "gnóstico bronco", no dizer de Euclides da Cunha.
Moral da história: jamais fique só. Tenha sempre uma turma, uma seita. De preferência seja dela o chefete ou mentor ou presidente. O isolamento é sinal de perturbação. Os laços sociais são prescritivos e inevitáveis. Fora deles, sem grupo ou partido, você não existe e nada pode. Agora, convenhamos que numa sociedade assim constituída ficam complicados a leitura e o estudo. Bem como a velha e gozosa solidão...
19.9.09
25.8.09
Fim de mês: totalmente concentrado no trabalho, sem muita inspiração para a música ou a poesia. Ainda assim, pego o violão e toco algumas músicas, fechado no quarto. Saudades do tempo em que tinha uma banda fixa e vivia com a mente povoada de acordes e ideias. Por outro lado, desfiar as músicas sozinho também é bom: sem ninguém para impor limites.
16.7.09
5.7.09
Eu tenho diploma de jornalista, estudei com orgulho na Escola de Comunicação da UFRJ, e este foi um período definidor para minha vida. Jamais vou esquecer aqueles anos, que foram de aprendizado em todos os sentidos. Mas, por outro lado, reconheço que a voragem da internet e das novas mídias está mexendo demais com a nossa profissão e, talvez, outros diplomas e outras formações sejam bem-vindos. Trabalhei (e trabalho) com muita gente boa que não tem formação de jornalista, e no entanto serve de inspiração a muitos colegas.
Sobre a defesa do diploma jornalístico, uma boa leitura é este texto que Jotabê Medeiros postou em seu blog:
Eu não seria jornalista se não tivesse feito o curso de jornalismo.
Digo isso por vários motivos: eu era famélico, vinha da periferia, não tinha pistolão, e o curso ajudou a definir minha vocação. E só consegui aquele emprego de jornalista porque havia uma vaga para “jornalista formado ou no último ano da faculdade de jornalismo”. Passei nos testes, passando a perna em alguns concorrentes.
Concorrência, entenderam? Expressão-chave da livre iniciativa.
Provavelmente, a empresa que me contratou precisava cumprir aquela cota para não ter encheção de saco do sindicato. “Pega um desses coitados aí das faculdades de jornalismo, paga o piso e tá limpo”. Tenho a impressão que esse mecanismo, apesar de rústico, garantiu durante alguns anos alguma diversidade na composição social, política e humana das redações.
Vocês hão de concordar comigo: é dureza redação na qual todo mundo pensa com a cabeça do dono – ou redação na qual todos os textos parecem escritos por uma única pessoa. E na qual todos parecem vir da mesma região da cidade, e frequentam os mesmos restaurantes, e que acham que o duty free shop do aeroporto é a mais cintilante fronteira.
Se quisessem alguém sem o curso de jornalismo, não havia, como nunca houve, impedimento. Bastava procurar entre os profissionais indicados pelo staff da casa – sobrinhos, filhos, cunhados, concubinas – ou então filhos de juízes, ex-ministros amigos, empreiteiros ou anunciantes de peso. Esse tipo de mimo intramuros sempre foi largamente praticado na imprensa menos profissional, mas a porta de entrada para as redações era minimamente aberta também para o lúmpen proletariado. Temo que isso tenha acabado.
Alguns bons amigos consideravam a obrigatoriedade uma besteira. Até comemoraram o final dela. São três amigos, nenhum deles fez jornalismo. São ótimos jornalistas, nasceram para o negócio. Mas conheço também péssimos jornalistas que fizeram Ciências Sociais ou Direito. Pimenta Neves era bacharel em Direito desde 1973. Os partidários do "com diploma" e do "sem diploma" vão acrescentar exemplos de ambos os lados ad nauseum, mas não é esse o ponto. A questão aqui não é de como abastecer o mercado, é mais ampla.
Dizem que não sai jornalista pronto da faculdade de jornalismo. Nunca ouvi falar que o lendário dr. Zerbini saiu médico pronto e notável da faculdade de medicina. O enfrentamento diário com os temas e as dificuldades da profissão é que é fundamental para fazer o profissional. Além de estratégias de aperfeiçoamento contínuo, de cursos, palestras, simpósios e cursos de além graduação.
Considero que há diversas questões atravessadas na discussão sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalista para exercer a profissão. Boa parte dos colegas prefere o clichê: os cursos são ruins, não garantem qualidade, os garotos que saem de lá “não sabem escrever”. Para que melhorar seu nível, se podemos simplesmente extinguir sua “origem”, a obrigatoriedade? Curioso como profissionais de Direito, especialmente aqueles que fizeram o curso na mesma cátedra dos donos de jornal, facilmente acham emprego nas redações, apesar de as faculdades de direito terem um índice de reprovação próximo de 90% no exame da Ordem dos Advogados.
Como o Jânio de Freitas, eu considero uma aberração que tenham levado o tema, de dimensão social, para os domínios do Supremo Tribunal Federal. Nunca foi questão para arbítrio de seis ou sete iluminados da Suprema Corte, mas para a casa da representação popular, o Congresso. Por um motivo simples: o jornalismo tem impacto sobre a vida cotidiana de toda a sociedade, portanto deve ser objeto de atenção do legislativo.
O jornalismo que vem sendo praticado desde a instituição da exigência do diploma foi daninho para a democracia? Não creio. Foi a exigência de diploma que calcificou de alguma forma o jornalismo atual? Não creio.
Não estou aqui defendendo o meu peixe, porque nem tenho peixe. Nem sou sindicalizado, tenho certa alergia aos ritos dos movimentos sociais (aos ritos, não aos movimentos). Tampouco estou me jactando que tenha me tornado um profissional indispensável, um prodígio do jornalismo. Longe disso. Mas, se aprendi a fazer a coisa com cuidado, critério, e sempre muito entusiasmo, devo muito ao curso de jornalismo.
O que aprendi lá? Bom, o curso de jornalismo me empurrou para a discussão das circunstâncias do jornalismo – como ele nasce, como ele resiste, como ele morre às vezes. O curso – e o debate livre dentro dele – me mostrou que o jornalismo pode encobrir interesses diversos, e é importante desbaratá-los (e jamais se confundir com esses interesses).
O curso desafiava a gente a buscar a liberdade, o novo, a experimentar, a forçar os cadeados das regras. Claro, um estudante de Letras também pode ser desafiado da mesma forma, mas com qual objetivo?
A questão central do jornalismo, para mim, é a independência. A escolha central que o ofício de jornalista coloca para o profissional é a seguinte: você está com os poderosos ou com os oprimidos? E, já que o poder é migratório, se movimenta e assume diversas formas, é preciso astúcia mínima: com quem está o poder agora?
Como vêem, não é só uma questão de escrever bem ou ter estilo.
Sobre a defesa do diploma jornalístico, uma boa leitura é este texto que Jotabê Medeiros postou em seu blog:
Eu não seria jornalista se não tivesse feito o curso de jornalismo.
Digo isso por vários motivos: eu era famélico, vinha da periferia, não tinha pistolão, e o curso ajudou a definir minha vocação. E só consegui aquele emprego de jornalista porque havia uma vaga para “jornalista formado ou no último ano da faculdade de jornalismo”. Passei nos testes, passando a perna em alguns concorrentes.
Concorrência, entenderam? Expressão-chave da livre iniciativa.
Provavelmente, a empresa que me contratou precisava cumprir aquela cota para não ter encheção de saco do sindicato. “Pega um desses coitados aí das faculdades de jornalismo, paga o piso e tá limpo”. Tenho a impressão que esse mecanismo, apesar de rústico, garantiu durante alguns anos alguma diversidade na composição social, política e humana das redações.
Vocês hão de concordar comigo: é dureza redação na qual todo mundo pensa com a cabeça do dono – ou redação na qual todos os textos parecem escritos por uma única pessoa. E na qual todos parecem vir da mesma região da cidade, e frequentam os mesmos restaurantes, e que acham que o duty free shop do aeroporto é a mais cintilante fronteira.
Se quisessem alguém sem o curso de jornalismo, não havia, como nunca houve, impedimento. Bastava procurar entre os profissionais indicados pelo staff da casa – sobrinhos, filhos, cunhados, concubinas – ou então filhos de juízes, ex-ministros amigos, empreiteiros ou anunciantes de peso. Esse tipo de mimo intramuros sempre foi largamente praticado na imprensa menos profissional, mas a porta de entrada para as redações era minimamente aberta também para o lúmpen proletariado. Temo que isso tenha acabado.
Alguns bons amigos consideravam a obrigatoriedade uma besteira. Até comemoraram o final dela. São três amigos, nenhum deles fez jornalismo. São ótimos jornalistas, nasceram para o negócio. Mas conheço também péssimos jornalistas que fizeram Ciências Sociais ou Direito. Pimenta Neves era bacharel em Direito desde 1973. Os partidários do "com diploma" e do "sem diploma" vão acrescentar exemplos de ambos os lados ad nauseum, mas não é esse o ponto. A questão aqui não é de como abastecer o mercado, é mais ampla.
Dizem que não sai jornalista pronto da faculdade de jornalismo. Nunca ouvi falar que o lendário dr. Zerbini saiu médico pronto e notável da faculdade de medicina. O enfrentamento diário com os temas e as dificuldades da profissão é que é fundamental para fazer o profissional. Além de estratégias de aperfeiçoamento contínuo, de cursos, palestras, simpósios e cursos de além graduação.
Considero que há diversas questões atravessadas na discussão sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalista para exercer a profissão. Boa parte dos colegas prefere o clichê: os cursos são ruins, não garantem qualidade, os garotos que saem de lá “não sabem escrever”. Para que melhorar seu nível, se podemos simplesmente extinguir sua “origem”, a obrigatoriedade? Curioso como profissionais de Direito, especialmente aqueles que fizeram o curso na mesma cátedra dos donos de jornal, facilmente acham emprego nas redações, apesar de as faculdades de direito terem um índice de reprovação próximo de 90% no exame da Ordem dos Advogados.
Como o Jânio de Freitas, eu considero uma aberração que tenham levado o tema, de dimensão social, para os domínios do Supremo Tribunal Federal. Nunca foi questão para arbítrio de seis ou sete iluminados da Suprema Corte, mas para a casa da representação popular, o Congresso. Por um motivo simples: o jornalismo tem impacto sobre a vida cotidiana de toda a sociedade, portanto deve ser objeto de atenção do legislativo.
O jornalismo que vem sendo praticado desde a instituição da exigência do diploma foi daninho para a democracia? Não creio. Foi a exigência de diploma que calcificou de alguma forma o jornalismo atual? Não creio.
Não estou aqui defendendo o meu peixe, porque nem tenho peixe. Nem sou sindicalizado, tenho certa alergia aos ritos dos movimentos sociais (aos ritos, não aos movimentos). Tampouco estou me jactando que tenha me tornado um profissional indispensável, um prodígio do jornalismo. Longe disso. Mas, se aprendi a fazer a coisa com cuidado, critério, e sempre muito entusiasmo, devo muito ao curso de jornalismo.
O que aprendi lá? Bom, o curso de jornalismo me empurrou para a discussão das circunstâncias do jornalismo – como ele nasce, como ele resiste, como ele morre às vezes. O curso – e o debate livre dentro dele – me mostrou que o jornalismo pode encobrir interesses diversos, e é importante desbaratá-los (e jamais se confundir com esses interesses).
O curso desafiava a gente a buscar a liberdade, o novo, a experimentar, a forçar os cadeados das regras. Claro, um estudante de Letras também pode ser desafiado da mesma forma, mas com qual objetivo?
A questão central do jornalismo, para mim, é a independência. A escolha central que o ofício de jornalista coloca para o profissional é a seguinte: você está com os poderosos ou com os oprimidos? E, já que o poder é migratório, se movimenta e assume diversas formas, é preciso astúcia mínima: com quem está o poder agora?
Como vêem, não é só uma questão de escrever bem ou ter estilo.
15.6.09
7.6.09
você quase não sabia quem era
e repetia que nada tinha a ver com isso
não lembrou o nome de sua porquinha-da-índia
e desfiou o pranto do não-quero-ir
minha alma estava no chão contigo
e meus braços mal se moviam, como os seus
o passo lento era o descompasso na minha aorta
e as paredes brancas geladas, a apoteose da razão puta.
a fragilidade enlouquece.
falta açúcar
falta açúcar
falta açúcar
falta açúcar
falta preparo para as Fronteiras.
e repetia que nada tinha a ver com isso
não lembrou o nome de sua porquinha-da-índia
e desfiou o pranto do não-quero-ir
minha alma estava no chão contigo
e meus braços mal se moviam, como os seus
o passo lento era o descompasso na minha aorta
e as paredes brancas geladas, a apoteose da razão puta.
a fragilidade enlouquece.
falta açúcar
falta açúcar
falta açúcar
falta açúcar
falta preparo para as Fronteiras.
16.5.09
Outro dia reencontrei na internet "A song for you", dos Carpenters, que há muito não ouvia. Tenho voltado a ela, e toda vez sinto arrepios com a voz de Karen. Que tristeza ela ter ido embora aos 32 anos; com toda a certeza o Espírito foi egoísta e quis que sua voz soasse a Seu lado por toda a eternidade.
Aqui embaixo, pelo menos, temos as gravações para lembrar.
Aqui embaixo, pelo menos, temos as gravações para lembrar.
20.4.09
Já viajei muito mundo afora para eventos de tecnologia. Quando sobra algum tempo livre, procuro dar uma olhada na cidade onde estou, aspirar um pouco de sua vida e cultura, sentir que estou inserido no mundo, perceber que existem à nossa volta outros pontos de vista, outras formas de lidar com a existência. Elas podem estar nas pessoas e também nas obras que elas construíram, nos prédios em volta, nas praças, nas ruas, nos meios de transporte... E até no próprio clima, tão diverso e caprichoso em lugares por vezes tão próximos.
Sou do tempo em que o Fernando Sabino tinha uma coluna no GLOBO e, como viajava muito, volta e meia relatava suas peripécias e impressões dos lugares onde se encontrava. As crônicas do escritor mineiro me faziam viajar com ele, assim como qualquer bom livro. E, quando comecei a viajar mais amiúde, mercê de minha profissão, as câmeras fotográficas digitais ainda não estavam difundidas. As pessoas tinham tempo de parar, olhar e refletir sobre o que estavam observando.
Tenho um perfil um pouco diferente de meus colegas que escrevem sobre tecnologia. Alguns deles, quando têm uma folga das entrevistas e sessões comuns em nossa lida cotidiana, aproveitam para sair em direção aos bairros que abrigam lojas de informática, para obter o último modelo deste ou daquele gadget. Já eu prefiro os lugares históricos, gosto de mergulhar na cultura de um país, por mais exíguo que seja o intervalo. Ainda hoje me lembro de minha visita à catedral de Santo Estêvão, em Viena, Áustria, uma das construções em estilo gótico mais importantes da Europa. A igreja é sombria e sua nave é altíssima; tumbas de fundadores de dinastias de imperadores austríacos ladeiam o altar; e há um púlpito maravilhosamente esculpido, com animais como sapos, cobras e outros no corrimão das escadas, representando os maus pensamentos que o padre poderia ter antes de subir e fazer seu sermão. No alto, dois cães evitam que esses maus pensamentos tomem o púlpito, garantindo ao pároco seu devido estado de contemplação espiritual. A igreja começou a ser construída em 1137 e tem uma torre de 136 metros.
Cito tudo isso de memória; não tirei uma fotografia sequer do lugar. E olhem que minha viagem foi em 1995. Por que relembro tudo isso? Porque hoje, se por um lado as pessoas ainda têm tempo de parar e observar as coisas a sua volta, elas preferem desperdiçar esse tempo fotografando freneticamente tudo o que as cerca. A possibilidade de fazer dezenas, quiçá centenas de fotos num curto período -- e fotos de alta qualidade, dado o salto constante nos megapixels das câmeras digitais -- parece ter enlouquecido as pessoas, que andam com uma sanha de registrar lembranças de tudo com suas máquinas de última geração.
Mas será que registram mesmo? As câmeras, com certeza, registram; já os cérebros...bem, tenho minhas dúvidas. Você já conheceu alguém que acaba de ler um livro e, questionado sobre seu enredo, não sabe responder bem como é a história? Pois bem, me parece que a ânsia fotográfica dos viajantes lhes está roubando o prazer de deixar o ambiente adentrar seus pensamentos, de refletir sobre ele, de fazer comparações. (Por exemplo, no caso da catedral vienense, eu fiquei pensando em como o astral era diferente do nosso conhecido barroco brasileiro, tão bem representado em Minas e na Bahia, e no quanto isso tinha a ver com as mentalidades dos países.) É desse impacto estritamente pessoal e intransferível que uma lembrança, uma legítima memória, é feita. Não do clique-clique-clique incessante que enquadra uma realidade passível de ser muito mais ampla. Na verdade, a fotografia cria uma outra realidade no momento em que tocamos o disparador. Não é a mesma coisa estar num lugar e estar numa foto do lugar; são duas situações bem distintas. Além do mais, o enquadramento recorta da imagem ângulos que nossos pensamentos e emoções, se deixados soltos, poderiam examinar melhor.
Walter Benjamin, filósofo alemão que refletiu, nos anos 30, sobre a indústria cultural, dizia que a fotografia jamais teria a aura de uma pintura, que eterniza um único momento e é única, daí a idéia de autenticidade que permeia toda obra de arte. Da mesma forma, a reprodução fotográfica de um momento único numa viagem não é a mesma coisa que este momento único.
Será esta a razão por que nossa memória parece falhar mais hoje em dia do que antigamente? Tanta informação disponível parece livrar-nos da necessidade de guardar ou decorar alguma coisa, ainda que gostemos muito dela. Da mesma forma, tantas imagens parecem livrar-nos da necessidade de experimentar uma recordação genuína, vivenciada diretamente por nossos olhos, por nosso corpo, e não com o visor da câmera como intermediário. Ele jamais pode tomar o lugar de nossas retinas.
Vejam bem, não estou criticando os amantes da fotografia, até porque trabalho com alguns muito dedicados. Mas quem realmente ama a fotografia também ama o real que o cerca -- contempla-o e percebe-o muito bem antes de tentar enquadrá-lo. Não é o caso do viajante incidental, que quer fotografar o máximo e contemplar o mínimo. Acredito que é preciso rever esse tipo de relação dependente da tecnologia -- e talvez isso possa valer para outros exemplos, como o do telefone celular, que, embora necessário, é muito usado em ligações banais e sem qualquer propósito. (Qualquer um que já ouviu um ser mal-educado atendendo um celular no cinema ou no teatro há de concordar comigo.)
A beleza da tecnologia é ser uma extensão de nós, uma senhora ferramenta. Não se pode perder isso de vista. Sem dúvida a vida digital pode ser maravilhosa. Eu posso testemunhar. Tenho amigas que só conheço por e-mail, e trocamos cartas em que muito de nossas vidas é desfiado. Mas sou igualmente sortudo a ponto de ter "puxado" outras para a vida real -- e, embora nos falemos por e-mail também, nada substitui um almoço ao vivo e a possibilidade de tocar suas mãos para expressar a grande alegria de conviver com alguém muito estimado.
(Publicado originalmente no Fórum PCs)
Sou do tempo em que o Fernando Sabino tinha uma coluna no GLOBO e, como viajava muito, volta e meia relatava suas peripécias e impressões dos lugares onde se encontrava. As crônicas do escritor mineiro me faziam viajar com ele, assim como qualquer bom livro. E, quando comecei a viajar mais amiúde, mercê de minha profissão, as câmeras fotográficas digitais ainda não estavam difundidas. As pessoas tinham tempo de parar, olhar e refletir sobre o que estavam observando.
Tenho um perfil um pouco diferente de meus colegas que escrevem sobre tecnologia. Alguns deles, quando têm uma folga das entrevistas e sessões comuns em nossa lida cotidiana, aproveitam para sair em direção aos bairros que abrigam lojas de informática, para obter o último modelo deste ou daquele gadget. Já eu prefiro os lugares históricos, gosto de mergulhar na cultura de um país, por mais exíguo que seja o intervalo. Ainda hoje me lembro de minha visita à catedral de Santo Estêvão, em Viena, Áustria, uma das construções em estilo gótico mais importantes da Europa. A igreja é sombria e sua nave é altíssima; tumbas de fundadores de dinastias de imperadores austríacos ladeiam o altar; e há um púlpito maravilhosamente esculpido, com animais como sapos, cobras e outros no corrimão das escadas, representando os maus pensamentos que o padre poderia ter antes de subir e fazer seu sermão. No alto, dois cães evitam que esses maus pensamentos tomem o púlpito, garantindo ao pároco seu devido estado de contemplação espiritual. A igreja começou a ser construída em 1137 e tem uma torre de 136 metros.
Cito tudo isso de memória; não tirei uma fotografia sequer do lugar. E olhem que minha viagem foi em 1995. Por que relembro tudo isso? Porque hoje, se por um lado as pessoas ainda têm tempo de parar e observar as coisas a sua volta, elas preferem desperdiçar esse tempo fotografando freneticamente tudo o que as cerca. A possibilidade de fazer dezenas, quiçá centenas de fotos num curto período -- e fotos de alta qualidade, dado o salto constante nos megapixels das câmeras digitais -- parece ter enlouquecido as pessoas, que andam com uma sanha de registrar lembranças de tudo com suas máquinas de última geração.
Mas será que registram mesmo? As câmeras, com certeza, registram; já os cérebros...bem, tenho minhas dúvidas. Você já conheceu alguém que acaba de ler um livro e, questionado sobre seu enredo, não sabe responder bem como é a história? Pois bem, me parece que a ânsia fotográfica dos viajantes lhes está roubando o prazer de deixar o ambiente adentrar seus pensamentos, de refletir sobre ele, de fazer comparações. (Por exemplo, no caso da catedral vienense, eu fiquei pensando em como o astral era diferente do nosso conhecido barroco brasileiro, tão bem representado em Minas e na Bahia, e no quanto isso tinha a ver com as mentalidades dos países.) É desse impacto estritamente pessoal e intransferível que uma lembrança, uma legítima memória, é feita. Não do clique-clique-clique incessante que enquadra uma realidade passível de ser muito mais ampla. Na verdade, a fotografia cria uma outra realidade no momento em que tocamos o disparador. Não é a mesma coisa estar num lugar e estar numa foto do lugar; são duas situações bem distintas. Além do mais, o enquadramento recorta da imagem ângulos que nossos pensamentos e emoções, se deixados soltos, poderiam examinar melhor.
Walter Benjamin, filósofo alemão que refletiu, nos anos 30, sobre a indústria cultural, dizia que a fotografia jamais teria a aura de uma pintura, que eterniza um único momento e é única, daí a idéia de autenticidade que permeia toda obra de arte. Da mesma forma, a reprodução fotográfica de um momento único numa viagem não é a mesma coisa que este momento único.
Será esta a razão por que nossa memória parece falhar mais hoje em dia do que antigamente? Tanta informação disponível parece livrar-nos da necessidade de guardar ou decorar alguma coisa, ainda que gostemos muito dela. Da mesma forma, tantas imagens parecem livrar-nos da necessidade de experimentar uma recordação genuína, vivenciada diretamente por nossos olhos, por nosso corpo, e não com o visor da câmera como intermediário. Ele jamais pode tomar o lugar de nossas retinas.
Vejam bem, não estou criticando os amantes da fotografia, até porque trabalho com alguns muito dedicados. Mas quem realmente ama a fotografia também ama o real que o cerca -- contempla-o e percebe-o muito bem antes de tentar enquadrá-lo. Não é o caso do viajante incidental, que quer fotografar o máximo e contemplar o mínimo. Acredito que é preciso rever esse tipo de relação dependente da tecnologia -- e talvez isso possa valer para outros exemplos, como o do telefone celular, que, embora necessário, é muito usado em ligações banais e sem qualquer propósito. (Qualquer um que já ouviu um ser mal-educado atendendo um celular no cinema ou no teatro há de concordar comigo.)
A beleza da tecnologia é ser uma extensão de nós, uma senhora ferramenta. Não se pode perder isso de vista. Sem dúvida a vida digital pode ser maravilhosa. Eu posso testemunhar. Tenho amigas que só conheço por e-mail, e trocamos cartas em que muito de nossas vidas é desfiado. Mas sou igualmente sortudo a ponto de ter "puxado" outras para a vida real -- e, embora nos falemos por e-mail também, nada substitui um almoço ao vivo e a possibilidade de tocar suas mãos para expressar a grande alegria de conviver com alguém muito estimado.
(Publicado originalmente no Fórum PCs)
18.3.09
3.2.09
Casamento não é para amadores. De repente, no meio da madrugada, você pode descobrir o quão miserável tornou a vida de quem acreditava amar. E se senta na cama, murmurando para si mesmo, horrorizado.
* * *
A propósito, o melhor filme sobre a falência de um casamento é "Foi apenas um sonho" ("Revolutionary Road"), com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet. É de sair do cinema completamente arrasado.
Se, em "Beleza americana", o diretor Sam Mendes jogava com o humor em meio à tragédia, neste aqui quase não há espaço para o riso. Tudo é pesado, angustiante, tenso. E o personagem de Michael Shannon, um sujeito com problemas psiquiátricos, é quem descobre e fala a verdade, sempre. Como na frase "Vazio sem esperança. Agora você disse tudo. Muita gente sente o vazio, mas é preciso ter colhões para para ver a falta de esperança."
* * *
O inferno da vida a dois está nos detalhes. Mas o filme mostra como esses detalhes refletem a montanha de frustrações individuais que envenenam um relacionamento. É terrível e, pior, é real.
A questão é, quando você vive só, pode passar sua vida inteira sem perceber toda essa complexidade embutida nos seus mínimos gestos; viver com alguém é dar a cara a tapa, porque essa pessoa (a não ser que seja uma completa egocêntrica) vai desnudar todos os podres de sua alma, sem piedade. Com sorte, a gente se casa com alguém que fala e bota para fora os sapos com alguma regularidade; pode ser salutar. O ruim é se casar com quem fica engolindo sapos por anos e depois regurgita tudo em cima de você. Aí o tombo é sério e paralisante.
* * *
A propósito, o melhor filme sobre a falência de um casamento é "Foi apenas um sonho" ("Revolutionary Road"), com Leonardo DiCaprio e Kate Winslet. É de sair do cinema completamente arrasado.
Se, em "Beleza americana", o diretor Sam Mendes jogava com o humor em meio à tragédia, neste aqui quase não há espaço para o riso. Tudo é pesado, angustiante, tenso. E o personagem de Michael Shannon, um sujeito com problemas psiquiátricos, é quem descobre e fala a verdade, sempre. Como na frase "Vazio sem esperança. Agora você disse tudo. Muita gente sente o vazio, mas é preciso ter colhões para para ver a falta de esperança."
* * *
O inferno da vida a dois está nos detalhes. Mas o filme mostra como esses detalhes refletem a montanha de frustrações individuais que envenenam um relacionamento. É terrível e, pior, é real.
A questão é, quando você vive só, pode passar sua vida inteira sem perceber toda essa complexidade embutida nos seus mínimos gestos; viver com alguém é dar a cara a tapa, porque essa pessoa (a não ser que seja uma completa egocêntrica) vai desnudar todos os podres de sua alma, sem piedade. Com sorte, a gente se casa com alguém que fala e bota para fora os sapos com alguma regularidade; pode ser salutar. O ruim é se casar com quem fica engolindo sapos por anos e depois regurgita tudo em cima de você. Aí o tombo é sério e paralisante.