16.7.09

Placa exibida por sem-teto nas ruas próximas à Union Square, em San Francisco, na semana passada: "Funds needed for alcohol research". ("Solicitados fundos para pesquisa com álcool").

5.7.09

Eu tenho diploma de jornalista, estudei com orgulho na Escola de Comunicação da UFRJ, e este foi um período definidor para minha vida. Jamais vou esquecer aqueles anos, que foram de aprendizado em todos os sentidos. Mas, por outro lado, reconheço que a voragem da internet e das novas mídias está mexendo demais com a nossa profissão e, talvez, outros diplomas e outras formações sejam bem-vindos. Trabalhei (e trabalho) com muita gente boa que não tem formação de jornalista, e no entanto serve de inspiração a muitos colegas.

Sobre a defesa do diploma jornalístico, uma boa leitura é este texto que Jotabê Medeiros postou em seu blog:

Eu não seria jornalista se não tivesse feito o curso de jornalismo.
Digo isso por vários motivos: eu era famélico, vinha da periferia, não tinha pistolão, e o curso ajudou a definir minha vocação. E só consegui aquele emprego de jornalista porque havia uma vaga para “jornalista formado ou no último ano da faculdade de jornalismo”. Passei nos testes, passando a perna em alguns concorrentes.

Concorrência, entenderam? Expressão-chave da livre iniciativa.

Provavelmente, a empresa que me contratou precisava cumprir aquela cota para não ter encheção de saco do sindicato. “Pega um desses coitados aí das faculdades de jornalismo, paga o piso e tá limpo”. Tenho a impressão que esse mecanismo, apesar de rústico, garantiu durante alguns anos alguma diversidade na composição social, política e humana das redações.

Vocês hão de concordar comigo: é dureza redação na qual todo mundo pensa com a cabeça do dono – ou redação na qual todos os textos parecem escritos por uma única pessoa. E na qual todos parecem vir da mesma região da cidade, e frequentam os mesmos restaurantes, e que acham que o duty free shop do aeroporto é a mais cintilante fronteira.

Se quisessem alguém sem o curso de jornalismo, não havia, como nunca houve, impedimento. Bastava procurar entre os profissionais indicados pelo staff da casa – sobrinhos, filhos, cunhados, concubinas – ou então filhos de juízes, ex-ministros amigos, empreiteiros ou anunciantes de peso. Esse tipo de mimo intramuros sempre foi largamente praticado na imprensa menos profissional, mas a porta de entrada para as redações era minimamente aberta também para o lúmpen proletariado. Temo que isso tenha acabado.

Alguns bons amigos consideravam a obrigatoriedade uma besteira. Até comemoraram o final dela. São três amigos, nenhum deles fez jornalismo. São ótimos jornalistas, nasceram para o negócio. Mas conheço também péssimos jornalistas que fizeram Ciências Sociais ou Direito. Pimenta Neves era bacharel em Direito desde 1973. Os partidários do "com diploma" e do "sem diploma" vão acrescentar exemplos de ambos os lados ad nauseum, mas não é esse o ponto. A questão aqui não é de como abastecer o mercado, é mais ampla.

Dizem que não sai jornalista pronto da faculdade de jornalismo. Nunca ouvi falar que o lendário dr. Zerbini saiu médico pronto e notável da faculdade de medicina. O enfrentamento diário com os temas e as dificuldades da profissão é que é fundamental para fazer o profissional. Além de estratégias de aperfeiçoamento contínuo, de cursos, palestras, simpósios e cursos de além graduação.

Considero que há diversas questões atravessadas na discussão sobre a obrigatoriedade do diploma de jornalista para exercer a profissão. Boa parte dos colegas prefere o clichê: os cursos são ruins, não garantem qualidade, os garotos que saem de lá “não sabem escrever”. Para que melhorar seu nível, se podemos simplesmente extinguir sua “origem”, a obrigatoriedade? Curioso como profissionais de Direito, especialmente aqueles que fizeram o curso na mesma cátedra dos donos de jornal, facilmente acham emprego nas redações, apesar de as faculdades de direito terem um índice de reprovação próximo de 90% no exame da Ordem dos Advogados.

Como o Jânio de Freitas, eu considero uma aberração que tenham levado o tema, de dimensão social, para os domínios do Supremo Tribunal Federal. Nunca foi questão para arbítrio de seis ou sete iluminados da Suprema Corte, mas para a casa da representação popular, o Congresso. Por um motivo simples: o jornalismo tem impacto sobre a vida cotidiana de toda a sociedade, portanto deve ser objeto de atenção do legislativo.

O jornalismo que vem sendo praticado desde a instituição da exigência do diploma foi daninho para a democracia? Não creio. Foi a exigência de diploma que calcificou de alguma forma o jornalismo atual? Não creio.

Não estou aqui defendendo o meu peixe, porque nem tenho peixe. Nem sou sindicalizado, tenho certa alergia aos ritos dos movimentos sociais (aos ritos, não aos movimentos). Tampouco estou me jactando que tenha me tornado um profissional indispensável, um prodígio do jornalismo. Longe disso. Mas, se aprendi a fazer a coisa com cuidado, critério, e sempre muito entusiasmo, devo muito ao curso de jornalismo.

O que aprendi lá? Bom, o curso de jornalismo me empurrou para a discussão das circunstâncias do jornalismo – como ele nasce, como ele resiste, como ele morre às vezes. O curso – e o debate livre dentro dele – me mostrou que o jornalismo pode encobrir interesses diversos, e é importante desbaratá-los (e jamais se confundir com esses interesses).

O curso desafiava a gente a buscar a liberdade, o novo, a experimentar, a forçar os cadeados das regras. Claro, um estudante de Letras também pode ser desafiado da mesma forma, mas com qual objetivo?

A questão central do jornalismo, para mim, é a independência. A escolha central que o ofício de jornalista coloca para o profissional é a seguinte: você está com os poderosos ou com os oprimidos? E, já que o poder é migratório, se movimenta e assume diversas formas, é preciso astúcia mínima: com quem está o poder agora?

Como vêem, não é só uma questão de escrever bem ou ter estilo.