19.10.02

Estamos no século 21 e veja o que a doce Mary Fabriani escreveu, revoltada, no seu Montanha Russa:

"Tudo por um poema

Uma das coisas mais legais de se viver num país como a Suécia não é apenas conhecer características e maluquices do povo sueco. É muitíssimo interessante também entrar em contato com gente dos países mais variados, como Bósnia, Irã, Vietnã, Turquia, Rússia e até Iraque. A convivência, claro, não é lá muito fácil. Afinal, somos todos muito diferentes. Mas, mesmo não sendo refugiada de guerra eu ainda sou imigrante e algumas pessoas têm histórias que merecem mais atencão.

Uma dessas pessoas é o meu amigo Farshid, que é iraniano. Esquecam todos os esteriótipos de árabe machista (até porque os iranianos não são árabes, mas persas): o Farshid é um amor de criatura, muitíssimo inteligente e engracado. Ele veio pra Suécia há quase quatro anos atrás, fugindo de uma milícia que rondava a universidade onde ele estudava em Teerã. O que ele fez? Escreveu um poema no qual criticava o governo dos Aiatolás. Claro que não assinou o poema, que foi colocado num quadro de avisos da universidade. Alguém descobriu quem o tinha escrito e ele teve de fugir no meio da noite.

Pois bem, o negócio é que o governo da Suécia acabou de negar o visto de permanência do Farshid e ele terá de deixar o país dentro em breve e voltar para o Irã. Me encontrei com ele no colégio na semana passada e ele estava desconsolado. Eu sinceramente não entendo. O governo sueco precisa de gente para trabalhar exatamente no servico feito pelo Farshid, que é enfermeiro. Fala-se inclusive em importar mão-de-obra para certas áreas nas quais há falta aguda de profissionais e a profissão de enfermeiro é uma delas.

Para se defender durante o julgamento do seu caso, Farshid e seu advogado sueco conseguiram um fax enviado por seus amigos iranianos confirmando que a cacada realemente aconteceu e que Farshid não pode voltar para Teerã sem arriscar anos e mais anos na cadeia ou então morte imediata. Estilo Salman Rushdie. Uma das pessoas que estavam julgando o pedido de asilo político argumentou que o fax "não tinha sequer um envelope". "Mas como é que eles querem que meus amigos enviem uma carta pra mim se absolutamente tudo no Irã é censurado?", pergunta Farshid.

Acho fantástica essa abertura do governo sueco no sentido de abrigar dezenas de milhares de refugiados de guerra - gente nem sempre qualificada que se não fosse por países com uma política de paz exemplar como a Suécia morreria antes mesmo de tentar se salvar. O que eu critico é que esse abrigo seja tão parcial. O Farshid sabe muito bem sueco, se comunica e trabalha todos os dias. Ele não vive do dinheiro do social, muitíssimo pelo contrário. Além do mais, desde que chegou aqui já fez vários cursos para poder falar sueco e para poder trabalhar como enfermeiro. Por que jogar tudo isso fora?"


Este blog se solidariza incondicionalmente com o amigo de Mary, Farshid, e torce fervorosamente para que ele possa viver uma vida livre e escrever poemas livres em algum país com o mínimo de bom-senso sobre esta Terra maltratada. Este Guardião ora para que um dia Oriente e Ocidente se vejam livres de regimes parciais, tirânicos, fanáticos ou simplesmente estúpidos.

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