30.5.03

A história da inclusão dos chimpanzés na categoria "Homo" reacendeu o velho debate sobre a suposta superioridade da raça humana, que seria o objetivo final da evolução para alguns. Sinceramente, é um bocado de pretensão ver nesse esboço que é o ser humano algo superior aos animais capazes de se adaptar à vida na Terra sem precisar destruir tudo à sua volta. Se, como argumentam os cientistas, nós não nascemos "pré-programados", ao contrário de nossos companheiros do reino animal, pelo menos é preciso reconhecer que o "software" que vamos desenvolvendo ao longo dos anos ainda é rudimentar, chegado a vários "paus" e de código-fonte fechado e misterioso.

28.5.03

Desejas ser mais doce e frear a paixão; mas pode o açúcar abrandar as labaredas? Especialmente as tuas? Sê fiel a ti mesma, autêntica como sempre foste. Pois tens o brilho dos que crêem, e a honra de teus antepassados nos campos brumosos da eterna batalha. Eu, o escrevinhador cético, vejo em ti minha salvação, pois, se não creio no que crês, ao menos acredito em ti.

27.5.03

Andam gozando o vice Zé Alencar por esculhambar a política econômica do Lula. Mas, cá entre nós, ele é praticamente a única voz no Executivo que está sendo coerente com as propostas pelas quais foi eleito. Se esse governo, em algum momento, não der uma guinada, nem fizer algo diferente do príncipe da sociologia FHC, só nos restará votar em nanicos como PSTU e PCO ou anular o voto. Lulinha globalizado ninguém merece.

Pelo jeito, o Capitão Rodrigo estava certo quando dizia "hay gobierno, soy contra".

26.5.03

Atenção: este post é só para quem já viu "Matrix Reloaded".

Aqui, uma tradução do diálogo entre Neo e o Arquiteto da Matrix no filme, que vale a pena revisitar:

Neo - Quem é você?

Arquiteto - Sou o Arquiteto. Criei a Matrix. Esperava por você. Você tem muitas perguntas, e, embora o processo tenha alterado sua consciência, você permanece irrevogavelmente humano. Logo, algumas de minhas respostas você entenderá, e outras não. De fato, conquanto sua primeira pergunta seja pertinente, você pode não perceber que também é irrelevante.

Neo - Por que estou aqui?

Arquiteto - Sua vida é o resumo do que resta de uma equação desequilibrada, inerente à programação da Matrix. Você é a eventualidade de uma anomalia que, a despeito de meus esforços mais sinceros, não consegui eliminar do que, de outro modo, seria uma harmonia de precisão matemática. Por um lado, continua a ser um fardo evitar tal anomalia, ela não é inesperada, e portanto não está além de medidas de controle. O que levou você, inexoravelmente, a chegar até aqui.

Neo - Você não respondeu à minha pergunta.

Arquiteto - Absolutamente certo. Interessante. Foi mais rápido que os outros. A Matrix é mais velha do que você pensa. Prefiro contar desde o surgimento de uma anomalia integral até o surgimento da próxima. Esta é a sexta versão.

Neo - Há duas explicações possíveis: ou ninguém me contou, ou ninguém sabe.

Arquiteto - Precisamente. Como você já deve estar percebendo, a anomalia é sistêmica, criando flutuações mesmo nas equações mais simplistas.

Neo - Escolha. O problema é a escolha.

Arquiteto - A primeira Matrix que desenhei era, naturalmente, perfeita, era uma obra de arte, sem falhas, sublime. Um triunfo apenas igualado a seu fracasso monumental. A inevitabilidade de seu destino é patente para mim agora como uma conseqüência da imperfeição inerente a cada ser humano; por isso eu redesenhei a Matrix baseando-me na sua história para refletir mais acuradamente a diversidade grotesca de sua natureza. Entretanto, o fracasso me frustrou de novo. Desde então, passei a entender que a resposta me fugia porque exigia uma mente menor, ou talvez uma menos tomada pelos parâmetros da perfeição. Assim, a resposta foi encontrada por outro, um programa intuitivo inicialmente criado para investigar certos aspectos da psique humana. Se eu sou o pai da Matrix, ela seria indubitavelmente sua mãe.

Neo - The Oracle.

Arquiteto - Por favor... Como eu dizia, ela deu com uma solução pela qual 99.9% de todas as cobaias aceitavam o programa desde que lhes fosse dada uma escolha, mesmo que soubessem da escolha quase em nível inconsciente. Se por um lado tal resposta funcionou, por outro era fundamentalmente falha, criando assim a anomalia sistêmica (que de outro modo seria contraditória), que se não fosse vigiada poderia ameaçar o próprio sistema. Logo, aqueles que recusavam o programa, mesmo sendo minoria, se fossem deixados livres, constituiriam uma probabilidade crescente de desastre.

Neo - Isso diz respeito a Zion.

Arquiteto - Você está aqui porque Zion está prestes a ser destruída. Cada habitante morto, toda sua existência erradicada.

Neo - Conversa fiada.

Arquiteto - A negação é a mais previsível das reações humanas. Mas fique tranqüilo, esta será a sexta vez que eu a terei destruído, e já somos muito eficientes nisso. A função do Predestinado é retornar à Fonte, permitindo a disseminação temporária do código que você carrega, reinserindo o programa primal. Depois disso, você deverá selecionar da Matrix 23 indivíduos, 16 fêmeas e 7 machos, para reconstruir Zion. Se não cumprir o processo, isso resultará num crash cataclísmico do sistema, matando todo mundo conectado à Matrix, o que, junto com a exterminação de Zion, redundará na extinção da raça humana.

Neo - Você não vai deixar isso acontecer. Você precisa de seres humanos para sobreviver.

Arquiteto - Há níveis de sobrevivência que estamos preparados para aceitar. Mas a questão importante aqui é se você está ou não pronto para aceitar a responsabilidade pela morte de cada ser humano neste mundo. É interessante ler suas reações... Seus cinco antecessores eram, por design, baseados numa característica semelhante, uma afirmação que visava a criar uma ligação profunda com o resto de sua espécie. Mas, enquanto os outros experimentavam isso de um modo geral, sua experiência é bem mais específica. Vis-à-vis, o amor.

Neo - Trinity.

Arquiteto - A propósito, ela entrou na Matrix para salvar sua vida ao custo da dela.

Neo - Não!

Arquiteto - O que nos traz ao momento da verdade, onde a falha fundamental é expressa de modo definitivo, e a anomalia revelada como princípio e fim. Há duas portas. Aquela à sua direita leva à Fonte e à salvação de Zion. Aquela à sua esquerda leva de volta à Matrix, a ela, e ao fim de sua espécie. Como você disse, muito apropriadamente, o problema é a escolha. Mas já sabemos o que você vai fazer, não é? Eu já posso ver a reação em cadeia, os precursores químicos que sinalizam a chegada da emoção, desenhada especificamente para oprimir a lógica e a razão. Uma emoção que já o cega para a verdade simples e óbvia: ela vai morrer e não há nada que você possa fazer para impedir.

(Neo caminha para a porta à sua esquerda)

Arquiteto - Humpf. A esperança é a quintessência da ilusão humana -- simultaneamente fonte de sua maior força e sua maior fraqueza.

Neo (saindo) - Se eu fosse você, esperaria que não nos encontrássemos de novo.

Arquiteto - Não vamos nos encontrar.

23.5.03

"Os eus na rede se liberam de restrições cognitivas; mas esse suposto suplemento da alma não pode tomar o lugar dela, de nossa essência."

"Todo universo, enquanto tal, é uma rede, diz Leibniz. E a entrada na época das redes mudou a problemática da compreensão das identidades."

"O sentido é construído pelos atores para eles mesmos. Há mais individualidade, mais interiorização.".

"Com o apagamento dos lugares do eu e a multiplicação dos não-lugares, dá-se a renovação da tarefa filosófica."

"O apagamento dos lugares pode ser comparado à perda da dimensão do eu, pois ele perde a resistência ao mundo ao se liberar de parte de sua memória."

"O eu na rede está cada vez mais ávido de outros eus."

(Alguns pedaços das considerações de Jérôme Bindé, do departamento de análise da Unesco, no seminário "O eu em rede")

20.5.03

Estou com a cabeça girando. Estou cobrindo uma conferência sobre "o eu no ciberespaço" e mergulhei hoje nas idéias de dois filósofos da atualidade: Jean Baudrillard e Edgar Morin. Depois de refletir sobre o devir da realidade virtual, quase me senti dentro da própria Matrix ;-). Mas fiquei feliz com a conclusão de Morin de que a resistência à pulverização de nossa essência por bits e bytes está nos estados poéticos da alma. Fiquei imaginando que este pequeno Cadafalso aqui pode ser uma síntese maluca das duas coisas ;-)
Tudo me lembrou meus dias mais viajantes da Escola de Comunicação da Ufrj, na Praia Vermelha. Tardes e tardes mergulhado nesses questionamentos selvagens. Bons tempos.
Vi "X-Men 2" e gostei. Está, de fato, à altura do primeiro filme. E minha mutante favorita, a doce Vampira feita por Anna Paquin, está cada vez mais bonita...
Dos filmes inspirados em quadrinhos, sem dúvida é de longe a série mais bem-feita. Normalmente, eu esperaria mais para ver, porque ando sem paciência para ir a cinemas cheios de adolescentes barulhentos, mas não resisti. Além do mais, quando um filme é bom mesmo, ele silencia o cinema. Foi o que aconteceu com este aqui.

16.5.03

Como conto no Cadafalso II, estava em Buenos Aires, por isso a demora a postar aqui. Foi uma viagem muito interessante.
E, ao voltar, eis que o Cadafalso chega aos dez mil visitantes... Uma grata surpresa.
Obrigado de coração a todos os amigos deste blog.


O eclipse.
Ou a Lua num momento de timidez.
Enviado pela querida Crib.

Faz lembrar a letra de "Black Diamond", do Kiss:

Darkness will fall on the city
It seems to follow you too
And though you don't ask for pity
There's nothin' that you can do, no, no...



8.5.03

Últimos instantes de uma folha

Eu sou aquela folha dourada e crocante
que planou até seus cabelos
na tarde silenciosa do parque.

Eu sou o último suspiro de vida daquela folha;
alegre, rodopiante, irresponsável,
já tendo acenado para minhas irmãs,
corri pelo calçamento rachado
confraternizei com os insetos
e preparei-me para a transformação final.

Então o sol me fez uma última carícia
e você me viu
e me tomou em seus braços.
Você pode até pensar que me cheirou
mas fui eu que senti, pela primeira vez,
o perfume da Carne humana de perto
-- forte, avassalador, invencível, improvável --
e me apaixonei.

Ainda mais depois que a lágrima escorreu
por meu pecíolo
e me dei conta: você era prisioneira
dos caprichos daquele pulsar impiedoso que existe
em todos os animais...
Ah! mesmo presa a minha mãe por décadas e décadas
eu descobri em seu colo como fora livre, livre,
e ignorante da violência do Desejo.

Pura ironia --
eu, uma simples folha enrugada,
peguei, de algum modo, a doença dos humanos
e morri de uma ansiedade alienígena
estrebuchando sobre suas pernas
antes de descer ao chão
e tornar-me parte do processo.

2.5.03

Depois do fechamento de hoje do caderninho, vou tomar uma cerveja para relaxar e em seguida tirar alguns dias de folga. Volto, pronto para outra, no dia 8/5.