Últimos instantes de uma folha
Eu sou aquela folha dourada e crocante
que planou até seus cabelos
na tarde silenciosa do parque.
Eu sou o último suspiro de vida daquela folha;
alegre, rodopiante, irresponsável,
já tendo acenado para minhas irmãs,
corri pelo calçamento rachado
confraternizei com os insetos
e preparei-me para a transformação final.
Então o sol me fez uma última carícia
e você me viu
e me tomou em seus braços.
Você pode até pensar que me cheirou
mas fui eu que senti, pela primeira vez,
o perfume da Carne humana de perto
-- forte, avassalador, invencível, improvável --
e me apaixonei.
Ainda mais depois que a lágrima escorreu
por meu pecíolo
e me dei conta: você era prisioneira
dos caprichos daquele pulsar impiedoso que existe
em todos os animais...
Ah! mesmo presa a minha mãe por décadas e décadas
eu descobri em seu colo como fora livre, livre,
e ignorante da violência do Desejo.
Pura ironia --
eu, uma simples folha enrugada,
peguei, de algum modo, a doença dos humanos
e morri de uma ansiedade alienígena
estrebuchando sobre suas pernas
antes de descer ao chão
e tornar-me parte do processo.
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