22.7.02

Publiquei este texto no SpamZine há algumas semanas. Já é hora de ele vir para o Cadafalso ;-)

A estante do tio Zé

Minha avó paterna morava no velho casarão da família, na rua Florianópolis, em Jacarepaguá. Hoje ele não existe mais. Mas nos anos 60 era um paraíso envelhecido repleto de mangueiras, tamarineiras e outras árvores frutíferas. Eu curtia a quietude e o cheiro de passado do lugar, e era gostoso brincar em seu enorme quintal. Mas meus primos eram muito mais velhos que eu, e logo se cansavam de minhas brincadeiras bobas. Acabava passando boa parte do tempo sozinho. Não demorou muito, desisti do quintal e me rendi às tintas e lápis de cor do tio Zé, o único artista da família -- era (ainda é) pintor. Ficava horas desenhando em sua escrivaninha, em seu quarto. Foi no mesmo cômodo que me lembro de ter sido enfeitiçado para sempre pelos livros. Na estante do tio Zé, havia coleções sobre o século XX, a Segunda Guerra e muitos volumes sobre os gênios da pintura. Foram alguns dos primeiros livros que folheei, fascinado. Descobri ali alguns dos personagens célebres da história do Brasil, os afundamentos trágicos de navios como o Titanic e o Bismarck, e o traço hipnótico de van Gogh. Tempos depois, minha madrinha me presentearia com uma coleção completa de Monteiro Lobato e eu nunca mais largaria os livros. Mas aquela estante foi a primeira, e a primeira, vocês sabem... não dá para esquecer.
Muito provavelmente, o tio Zé não sabe, mas tenho certeza de que seus livros e seu exemplo de humanista me tornaram o jornalista e blogwriter que sou hoje. Só posso agradecer (e muito) por ter escapado de uma vida convencional. Valeu, tio! Um brinde aos livros, que são os verdadeiros jardins cujos caminhos se bifurcam (licença, Borges) para todo o sempre.

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