Vou dar uma descansada nas próximas semanas. Portanto, feliz Natal e excelentes agitos no Ano Novo a todos os amigos deste Cadafalso!!!!
20.12.02
19.12.02
Ontem tive o privilégio de conhecer mais uma habitante do bloguniverse: a Alê, com quem já trocava emails esporádicos há algum tempo. Ela é gente finíssima e, ao sabor de chopes e caipirinhas, falamos de tudo: música, shows, trabalho, textos, e, é claro, internet e blogs, um assunto recorrente entre os iniciados neste vício virtual ;-). Alê já conhece, entre outros blogueiros, minha cara Mary Fabriani, que quero muito encontrar um dia e que já esteve aqui no Rio em setembro, justamente quando eu estava de férias, viajando. Vamos ver se na próxima dá. Ou de repente acabo na Suécia um dia, afinal essas viagens de trabalho levam a gente para onde menos se espera...
Também fiquei sabendo que, da galera do Grown Up Women, com quem ela bloga em conjunto, a maioria não se conhece. Tem gente no Rio, SP e Minas. A web faz dessas maravilhas.
Foi ela que me mandou este complemento sobre o post etílico aí de baixo, do companheiro Baudelaire:
"Devemos andar sempre bêbados. Tudo se resume nisto: é a única solução. Para não sentires o tremendo fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar.
Mas com quê? Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te.
E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se passou, a tudo o que gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunta-lhes que horas são:'São horas de te embriagares!' Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto."
Garçom, mais um!!!!!!!!!!!!!!
Também fiquei sabendo que, da galera do Grown Up Women, com quem ela bloga em conjunto, a maioria não se conhece. Tem gente no Rio, SP e Minas. A web faz dessas maravilhas.
Foi ela que me mandou este complemento sobre o post etílico aí de baixo, do companheiro Baudelaire:
"Devemos andar sempre bêbados. Tudo se resume nisto: é a única solução. Para não sentires o tremendo fardo do Tempo que te despedaça os ombros e te verga para a terra, deves embriagar-te sem cessar.
Mas com quê? Com vinho, com poesia ou com a virtude, a teu gosto. Mas embriaga-te.
E se alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre as verdes ervas duma vala, na solidão morna do teu quarto, tu acordares com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, pergunta ao vento, à onda, à estrela, à ave, ao relógio, a tudo o que se passou, a tudo o que gemeu, a tudo o que gira, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunta-lhes que horas são:'São horas de te embriagares!' Para não seres como os escravos martirizados do Tempo, embriaga-te, embriaga-te sem cessar! Com vinho, com poesia, ou com a virtude, a teu gosto."
Garçom, mais um!!!!!!!!!!!!!!
17.12.02
Como o fim do ano está chegando, e as libações tendem a aumentar, eis algumas observações sobre a bebida. ;-)
"Bebe! Pois não sabes de onde vieste, nem por quê.
Bebe! Pois não sabes por onde te vais, nem para onde."
(Omar Khayyam)
"A embriaguez não cria vícios. Só os põe em evidência."
(Sêneca)
"O uísque é o melhor amigo do homem. O uísque é o cachorro engarrafado."
(atribuída a Vinicius de Moraes)
"Nas vitórias é merecido. Nas derrotas é necessário."
(atribuída a Napoleão, sobre o champanha)
"Bebe! Pois não sabes de onde vieste, nem por quê.
Bebe! Pois não sabes por onde te vais, nem para onde."
(Omar Khayyam)
"A embriaguez não cria vícios. Só os põe em evidência."
(Sêneca)
"O uísque é o melhor amigo do homem. O uísque é o cachorro engarrafado."
(atribuída a Vinicius de Moraes)
"Nas vitórias é merecido. Nas derrotas é necessário."
(atribuída a Napoleão, sobre o champanha)
16.12.02
Um pouco de Keats, o homem cujo nome foi escrito em água:
Nymph of the downward smile and sidelong glance!
In what diviner moments of the day
Art thou most lovely? when gone far astray
Into the labyrinths of sweet utterance?
Or when serenely wandering in a trance
Of sober thought? Or when starting away,
With careless robe to meet the morning ray,
Thou sparest the flowers in thy mazy dance?
Nymph of the downward smile and sidelong glance!
In what diviner moments of the day
Art thou most lovely? when gone far astray
Into the labyrinths of sweet utterance?
Or when serenely wandering in a trance
Of sober thought? Or when starting away,
With careless robe to meet the morning ray,
Thou sparest the flowers in thy mazy dance?
14.12.02
Poema para a Catedral de Santo Estêvão
(Viena, 1995)
Eu que faltei à primeira comunhão,
e preferi um Deus mais companheiro e mal vestido
com quem prosear (quase) todas as noites,
tremi diante do Poder gótico
ao penetrar em ti no século passado.
Longilínea e sombria
Envolveste minhas pupilas
no bolor de oitocentos anos
e pude ouvir o clang-clang
dos cavaleiros se ajoelhando, enlameados,
em preces nalgum gélido alvorecer.
No caminho ascendente para o púlpito,
lagartos, sapos e cães pétreos em ricos símbolos;
nos flancos do altar,
gigantescas tumbas das ambições dos homens;
nos bancos, o povo, apressado, persignando-se
desprezando tal naco de Idade Média
encravado nos dentes do tempo.
Ali, minha espontaneidade e despojamento tremeram
e compreendi que um dia houvera um outro Deus
que punha a humanidade em seu devido lugar.
Ah, e ele ainda preferia se refugiar ali
a vagar pelas horrrendas construções espelhadas do futuro
em que o homem só mira a si mesmo.
(Viena, 1995)
Eu que faltei à primeira comunhão,
e preferi um Deus mais companheiro e mal vestido
com quem prosear (quase) todas as noites,
tremi diante do Poder gótico
ao penetrar em ti no século passado.
Longilínea e sombria
Envolveste minhas pupilas
no bolor de oitocentos anos
e pude ouvir o clang-clang
dos cavaleiros se ajoelhando, enlameados,
em preces nalgum gélido alvorecer.
No caminho ascendente para o púlpito,
lagartos, sapos e cães pétreos em ricos símbolos;
nos flancos do altar,
gigantescas tumbas das ambições dos homens;
nos bancos, o povo, apressado, persignando-se
desprezando tal naco de Idade Média
encravado nos dentes do tempo.
Ali, minha espontaneidade e despojamento tremeram
e compreendi que um dia houvera um outro Deus
que punha a humanidade em seu devido lugar.
Ah, e ele ainda preferia se refugiar ali
a vagar pelas horrrendas construções espelhadas do futuro
em que o homem só mira a si mesmo.
13.12.02
Finalmente comprei e li num átimo "O Álbum de Oscar Wilde", em que seu neto Merlin Holland escreve uma breve biografia do avô que não conheceu e a reúne a uma impressionante coleção de fotos, desenhos e caricaturas da vida do genial escritor irlandês. A maioria eu conhecia de outras biografias que li, mas tem umas que dão vontade de a gente estar lá, ouvindo Wilde narrar ao vivo e a cores suas histórias, algo que ele quase sempre fazia antes de escrevê-las. A arte da conversa é algo raro e quando o lemos ou assistimos a suas peças só podemos lamentar não ser contemorâneos de tal figura.
Há especialmente algumas fotos de uma festa na casa de campo dos Palmer em setembro de 1892 em que se pode vê-lo conversando animadamente, sem posar, como era comum nos retratos da era vitoriana.
Há especialmente algumas fotos de uma festa na casa de campo dos Palmer em setembro de 1892 em que se pode vê-lo conversando animadamente, sem posar, como era comum nos retratos da era vitoriana.
12.12.02
Ando com saudades do Hélcio e da galera da banda, já que estou sem tocar desde o mês passado. Soube que ele está tocando no Lido, em São Francisco, Nikiti City, e pretendo vê-lo amanhã. Também vou descobrir onde tocam Tony Corrêa e a bela Mariana, para dar uma relaxada. Só espero que a chuva que anda caindo estes dias dê uma folguinha ;-)
Por falar nisso, minha guitarra foi roubada. No último show com a banda, saí antes deles no fim da noite e deixei a guitarra no palco, pronta para ser guardada no carro do Hélcio. Acabou que eles a esqueceram lá e ela desapareceu. Vou ter que descolar uma nova. E cadê money?
Por falar nisso, minha guitarra foi roubada. No último show com a banda, saí antes deles no fim da noite e deixei a guitarra no palco, pronta para ser guardada no carro do Hélcio. Acabou que eles a esqueceram lá e ela desapareceu. Vou ter que descolar uma nova. E cadê money?
10.12.02
Vem
Não existe meio beijo,
nem meia atração;
só o que há
são universos indivisíveis
chocando-se nas mesas do bar.
Portanto não podes ter uma parte de mim
-- eu tenho de vir inteiro
e tomar tua respiração de pronto.
A meia labareda que almejas
vem do fundo do vulcão
e é uma com a Terra.
Não podes provar-lhe só um pedacinho.
É hora: vem.
Eu não posso mais esperar.
Tudo! Tudo! Tudo por uma breve comunhão contigo!
Ela bastará para a nau do cosmo passar por nós
e içar-nos a bordo.
Não existe meio beijo,
nem meia atração;
só o que há
são universos indivisíveis
chocando-se nas mesas do bar.
Portanto não podes ter uma parte de mim
-- eu tenho de vir inteiro
e tomar tua respiração de pronto.
A meia labareda que almejas
vem do fundo do vulcão
e é uma com a Terra.
Não podes provar-lhe só um pedacinho.
É hora: vem.
Eu não posso mais esperar.
Tudo! Tudo! Tudo por uma breve comunhão contigo!
Ela bastará para a nau do cosmo passar por nós
e içar-nos a bordo.
9.12.02
Antes de mais nada, gostaria de agradecer a todos os que deixaram aqui e no Cadafalso II mensagens pelo meu aniversário. Muito obrigado mesmo. Estou de volta do delicioso sol de San Diego e me reacostumando a esse calor terrível do Rio. Mas é bom estar aqui e rever os amigos, de quem estava com saudade.
A festa na Spin sob o comando do super Gustones foi uma delícia. Dancei até quase as cinco da manhã, e teve de tudo no som: Led, Elvis, Kiss, AC/DC, Stones, Who, Police, muito soul e guitarras gostosas. Marcos, o batera do Estrada Fróes, esteve na área; também meu velho companheiro de Rock in Rio I e muitos shows nos anos 80 Leonardo Pimentel, emérito escriba; a galera do InfoEtc, muito bem representada por Marcelo Balbio, Luiza, Maggi e Elis; minhas amigas Martha Lavenere, Jaqueline Barbosa Ramos e Daisy Chaves; e minha querida Jaqueline Morim, que me conhece desde os sete anos de idade e atravessou todas as fases de minha vida como um anjo, sempre doce e constante. O animado Maloca também apareceu e tomou todas, como de costume. Feroli, Julinho Castaneda, André Mansur, minha short-story partner Crib Tanaka (que aniversariou dia 30) e o gente-fina Stanley foram outras presenças.
Alessandra Archer estava absolutamente linda e também comemorou seu niver até o fim da noite, dançando e agitando todas, ao lado do namorado Marco e de suas amigas Cristiane e Patrícia, a quem tive a honra de ser apresentado. Enfim, nós nos divertimos às pampas e já estou esquentando as turbinas para o pré-reveillon que o Gustavo está armando na Spin para esta sexta-feira.
A festa na Spin sob o comando do super Gustones foi uma delícia. Dancei até quase as cinco da manhã, e teve de tudo no som: Led, Elvis, Kiss, AC/DC, Stones, Who, Police, muito soul e guitarras gostosas. Marcos, o batera do Estrada Fróes, esteve na área; também meu velho companheiro de Rock in Rio I e muitos shows nos anos 80 Leonardo Pimentel, emérito escriba; a galera do InfoEtc, muito bem representada por Marcelo Balbio, Luiza, Maggi e Elis; minhas amigas Martha Lavenere, Jaqueline Barbosa Ramos e Daisy Chaves; e minha querida Jaqueline Morim, que me conhece desde os sete anos de idade e atravessou todas as fases de minha vida como um anjo, sempre doce e constante. O animado Maloca também apareceu e tomou todas, como de costume. Feroli, Julinho Castaneda, André Mansur, minha short-story partner Crib Tanaka (que aniversariou dia 30) e o gente-fina Stanley foram outras presenças.
Alessandra Archer estava absolutamente linda e também comemorou seu niver até o fim da noite, dançando e agitando todas, ao lado do namorado Marco e de suas amigas Cristiane e Patrícia, a quem tive a honra de ser apresentado. Enfim, nós nos divertimos às pampas e já estou esquentando as turbinas para o pré-reveillon que o Gustavo está armando na Spin para esta sexta-feira.
2.12.02
Este eh um post direto de San Diego, California. Estou a bordo de um notebook Compaq Arnada conectado com a internet sem fio por um card CDMA 2000 1x e aproveito para dar esta blogada basica, sem acento, como diria o Jo Soares ;-)) Tenho ao lado os coleguinhas Jo Elias e Augusto Goes Tirre. Passamos o dia numa serie de apresentacoes sobre a tecnologia CDMA e seus derivados. Amanha mergulharemos no agito do CDMA Americas, para saber as ultimas novidades, que depois contarei a vcs. A costa do Pacifico eh soberba e o sol brilha, mas faz frio e anoitece por volta de cinco e meia da tarde. Nada, entretanto, tira o charme do skyline de San Diego, um dos mais belos que jah vi.
Depois escrevo mais. Ateh.
Depois escrevo mais. Ateh.
28.11.02
Este post vai com antecedência porque estarei viajando a partir de amanhã. Volto semana que vem, a tempo para a festa.
Como já disse aqui, vou comemorar meus 40 anos dançando ao som de muito rock and roll. Também comemorará seu niver minha querida Alessandra Archer. A festa vai ser na semana que vem, sexta-feira, dia 6 de dezembro, na Spin, a partir de cerca de 22h30, onde o DJ será meu chapa Gustavo de Almeida, rocker dos bons. A Spin fica na rua Teixeira de Melo, 21, em Ipanema. É a primeira transversal logo que se chega na praia. O ingresso custa R$ 5, a consumação, R$ 7.
Como já disse aqui, vou comemorar meus 40 anos dançando ao som de muito rock and roll. Também comemorará seu niver minha querida Alessandra Archer. A festa vai ser na semana que vem, sexta-feira, dia 6 de dezembro, na Spin, a partir de cerca de 22h30, onde o DJ será meu chapa Gustavo de Almeida, rocker dos bons. A Spin fica na rua Teixeira de Melo, 21, em Ipanema. É a primeira transversal logo que se chega na praia. O ingresso custa R$ 5, a consumação, R$ 7.
A propósito, eis as músicas nas paradas dos EUA de 4 décadas atrás:
Telstar by Tornadoes
Big Girls Don't Cry by Four Seasons
Peppermint Twist by Joey Dee & the Starliters
Hey! Baby by Bruce Channel
I Can't Stop Loving You by Ray Charles
Duke of Earl by Gene Chandler
Sherry by Four Seasons
Roses Are Red by Bobby Vinton
Soldier Boy by Shirelles
The Twist by Chubby Checker
Telstar by Tornadoes
Big Girls Don't Cry by Four Seasons
Peppermint Twist by Joey Dee & the Starliters
Hey! Baby by Bruce Channel
I Can't Stop Loving You by Ray Charles
Duke of Earl by Gene Chandler
Sherry by Four Seasons
Roses Are Red by Bobby Vinton
Soldier Boy by Shirelles
The Twist by Chubby Checker
25.11.02
Do calor da batalha saltei para os campos elíseos
e lá teus olhos cauterizaram minha alma desorientada;
Pobre de mim, eu que esquecera tua boca ebuliente
e troquei nossa vila, quando morreste, pelas hostes selvagens.
E no anonimato das coortes
minha espada bebeu do sangue de muitos
em terras que depois de nossa passagem
chamaram de devastadas;
tornei-me um soldado obtuso, brutal,
e dentro de mim se esfumaram
as lembranças de teu corpo nu
e de tuas palavras sussurradas
à sombra dos ciprestes.
E só agora, colhido num golpe traiçoeiro,
como que ressuscito para cair em teus braços
e me tornar novamente um homem completo.
22.11.02
O Gustones já pôs no blog dele e eu começo a reforçar aqui. Dia 6 de dezembro, uma sexta-feira, vou comemorar meus 40 aninhos (a data oficial é 4/12) na Spin (R.Teixeira de Melo, 21, Ipanema), com o próprio Gustones como o super-DJ. Também comemorará seu niver junto comigo minha grande amiga Alessandra Archer. Pretendo iniciar meu caminho nos "enta" dançando a noite toda ao som de muito rock and roll. No fim da semana que vem farei um post oficial sobre o agito.
Estava lendo hoje o Dapieve no Globo e no finalzinho ele recomenda a série "As Cruzadas" apresentada pelo ex-Monty Pithon Terry Jones, que o Discovery Channel está reprisando (ela também passou no People+Arts). Realmente, o documentário é sensacional: Jones refaz o trajeto dos cruzados enquanto conta a história com um humor e uma visão ímpares. Há tempos li um calhamaço sobre o tema, que enfoca as primeiras expedições ao Oriente Médio e os anos do reino franco-cristão no Oriente após a queda de Jerusalém (foi um verdadeiro massacre) em 1099.
Aliás, vale refletir hoje sobre a história das cruzadas, porque, não sei se vocês já se deram conta, mas neste começo de século XXI os infiéis agora somos nós, ocidentais, sobre quem paira a cimitarra do Islã. Ai de quem pensava que o fim da Guerra Fria traria suspiros de alívio ao planeta. Que nada -- a tal nova ordem anunciada por Bush pai está redundando nisso. Imagine quando esse congresso américo-republicano tomar posse em Washington.
Aliás, vale refletir hoje sobre a história das cruzadas, porque, não sei se vocês já se deram conta, mas neste começo de século XXI os infiéis agora somos nós, ocidentais, sobre quem paira a cimitarra do Islã. Ai de quem pensava que o fim da Guerra Fria traria suspiros de alívio ao planeta. Que nada -- a tal nova ordem anunciada por Bush pai está redundando nisso. Imagine quando esse congresso américo-republicano tomar posse em Washington.
21.11.02
Ontem eu e Wal levamos Rebeca, nossa filha caçula (sete anos), ao cinema para ver "Pequenos espiões 2". Jessica, a mais velha, estava viajando desde segunda com a turma da escola num hotel-fazenda em SP (o retorno era ontem no fim do dia e o ônibus só chegou a Niterói meia-noite, quando já estávamos arrancando os cabelos de preocupação ;-))). Mas tudo acabou bem).
O filme é uma bobagem só, bem infantil mesmo. Rebeca, é claro, adorou e riu horrores (eu também ri muito, confesso). Quem fez o maior sucesso foi Ralph, a baratinha eletrônica que serve de assistente ao irmão caçula da dupla de pequenos espiões. Ei-la:
A baratinha já virou brinquedo vendido na Amazon e pode ser baixada como virtual pet no site do filme.
O filme é uma bobagem só, bem infantil mesmo. Rebeca, é claro, adorou e riu horrores (eu também ri muito, confesso). Quem fez o maior sucesso foi Ralph, a baratinha eletrônica que serve de assistente ao irmão caçula da dupla de pequenos espiões. Ei-la:
A baratinha já virou brinquedo vendido na Amazon e pode ser baixada como virtual pet no site do filme.
17.11.02
16.11.02
Na baía
Meus pensamentos cortam as águas
junto com a velha embarcação.
O vento leva meus cabelos para trás
exatamente como você fez
no último instante
delicadamente.
Olho as montanhas preguiçosas ao sol
e eis que suas formas surgem beijando o azul;
que doce obsessão.
Oxalá fosse mil e quinhenhtos e pouco;
oxalá visse a baía cristalina e povoada sob as ondas;
assim, em outro tempo,
nada haveria a cicatrizar
e eu seria livre entre os simples.
Mas ainda não descobriram as fímbrias do tempo para puxá-las
e tenho de me conformar
e embalar minha saudade na travessia.
Meus pensamentos cortam as águas
junto com a velha embarcação.
O vento leva meus cabelos para trás
exatamente como você fez
no último instante
delicadamente.
Olho as montanhas preguiçosas ao sol
e eis que suas formas surgem beijando o azul;
que doce obsessão.
Oxalá fosse mil e quinhenhtos e pouco;
oxalá visse a baía cristalina e povoada sob as ondas;
assim, em outro tempo,
nada haveria a cicatrizar
e eu seria livre entre os simples.
Mas ainda não descobriram as fímbrias do tempo para puxá-las
e tenho de me conformar
e embalar minha saudade na travessia.
14.11.02
Um beijo especial do Guardião deste Cadafalso para a Miss Daisy, cujo Turista Acidental fez anos dia 11!
Parabéns e muitas blogadas de vida!
Parabéns e muitas blogadas de vida!
Estou sem tocar desde o final de outubro, aguardando uma chamada do meu parceiro Hélcio, que está trocando seus locais de trabalho. Não vou mentir: faz uma falta danada pegar na guitarra e mandar ver. Ainda mais que os shows com a banda Swing Rio estavam animados, com Marcos na batera, Tony no solo, Juninho no baixo e a Mariana no vocal.
Uma vez que você experimenta a música, o palco, a adrenalina de um show, está fisgado para sempre. Não importa se vai ser físico nuclear ou neurocirurgião depois, as notas ficam dentro da alma até o fim. Eu não ligo para fazer gravações, arranjar detalhes, etc e tal. Gostava de compor (quando ainda tinha inspiração para isso, compus um monte de músicas, praticamente todas as de minha velha banda, o Estrada Fróes. O Hélcio sabe todas de cor até hoje, mas eu já esqueci muita coisa... ) e gosto de tocar ao vivo.
Uma vez que você experimenta a música, o palco, a adrenalina de um show, está fisgado para sempre. Não importa se vai ser físico nuclear ou neurocirurgião depois, as notas ficam dentro da alma até o fim. Eu não ligo para fazer gravações, arranjar detalhes, etc e tal. Gostava de compor (quando ainda tinha inspiração para isso, compus um monte de músicas, praticamente todas as de minha velha banda, o Estrada Fróes. O Hélcio sabe todas de cor até hoje, mas eu já esqueci muita coisa... ) e gosto de tocar ao vivo.
12.11.02
Um grito materialista, mas belo, de Álvares de Azevedo, olhem:
"Calai-vos, malditos! a imortalidade da alma? pobres doidos! e porque a alma é bela, porque não concebeis que esse ideal posse tornar-se em loco e podridão, como as faces belas da virgem morta, não podeis crer que ele morra? Doidos! nunca velada levastes porventura uma noite a cabeceira de um cadáver? E então não duvidastes que ele não era morto, que aquele peito e aquela fronte iam palpitar de novo, aquelas pálpebras iam abrires, que era apenas o ópio do sono que emudecia aquele homem? Imortalidade da alma! e por que também não sonhar a das flores, a das brisas, a dos perfumes? Oh! não mil vezes! a alma não é, como a lua, sempre moça, nua e bela em sua virgindade eterna! a vida não é mais que a reunião ao acaso das moléculas atraídas: o que era um corpo de mulher vai porventura transformar-se num cipreste ou numa nuvem de miasmas; o que era um corpo do verme vai alvejar-se no cálice da flor ou na fronte da criança mais loira e bela. Como Schiller o disse, o átomo da inteligência de Platão foi talvez para o coração de um ser impuro. Por isso eu vo-lo direi: se entendeis a imortalidade pela metempsicose, bem! talvez eu creia um pouco: — pelo Platonismo, não!"
("Noite na taverna")
"Calai-vos, malditos! a imortalidade da alma? pobres doidos! e porque a alma é bela, porque não concebeis que esse ideal posse tornar-se em loco e podridão, como as faces belas da virgem morta, não podeis crer que ele morra? Doidos! nunca velada levastes porventura uma noite a cabeceira de um cadáver? E então não duvidastes que ele não era morto, que aquele peito e aquela fronte iam palpitar de novo, aquelas pálpebras iam abrires, que era apenas o ópio do sono que emudecia aquele homem? Imortalidade da alma! e por que também não sonhar a das flores, a das brisas, a dos perfumes? Oh! não mil vezes! a alma não é, como a lua, sempre moça, nua e bela em sua virgindade eterna! a vida não é mais que a reunião ao acaso das moléculas atraídas: o que era um corpo de mulher vai porventura transformar-se num cipreste ou numa nuvem de miasmas; o que era um corpo do verme vai alvejar-se no cálice da flor ou na fronte da criança mais loira e bela. Como Schiller o disse, o átomo da inteligência de Platão foi talvez para o coração de um ser impuro. Por isso eu vo-lo direi: se entendeis a imortalidade pela metempsicose, bem! talvez eu creia um pouco: — pelo Platonismo, não!"
("Noite na taverna")
8.11.02
7.11.02
O gesto
Dedilhou-a
como quem experimenta o primeiro acorde;
suas mãos tremeram
e houve alguma dor no som abafado do choque de espectros.
Mas a frase seguinte foi mais doce
e ele se viu pensando em cantar
(não fosse ela rir da ousadia)
enquanto a abraçava, comovido.
Pois ela enxergara
a fenda em sua alma
e não tivera medo de se atirar nela.
Como não amá-la até a última reencarnação?
Dedilhou-a
como quem experimenta o primeiro acorde;
suas mãos tremeram
e houve alguma dor no som abafado do choque de espectros.
Mas a frase seguinte foi mais doce
e ele se viu pensando em cantar
(não fosse ela rir da ousadia)
enquanto a abraçava, comovido.
Pois ela enxergara
a fenda em sua alma
e não tivera medo de se atirar nela.
Como não amá-la até a última reencarnação?
5.11.02
Vocês devem estar se perguntando porque a mexida geral, tanto aqui quanto lá no Cadafalso II.
Na verdade, já anunciei o motivo, discretamente, no outro blog. Amanhã, dia 6/11, é o aniversário deste Comentários e Versos do Cadafalso. No fim da tarde deste dia, em 2001, minha amiga Elis me flagrou montando a página e fez uma algazarra na redação, pois vinha me incentivando a cair na blogagem fazia um bom tempo. Deu no que deu. De lá para cá, fiz amigos e amigas e o escrevinhar diário (ou quase) destas linhas me inspirou a criar poemas, minicontos e até uma blognovela. Queria agradecer efusivamente aos que visitam este Guardião e trocam idéias com ele. Um brinde a todos vocês.
Eis aqui o primeiro poema que publiquei em 6 de novembro de 2001, o pontapé inicial de uma jornada que espero, de algum modo, não tenha fim. Porque podemos ser finitos, limitados por este cadafalso terrestre, mas o que toca nossas almas não é.
Bordado
E tudo fica imperceptivelmente quieto
E eu fico só
Bordando uma poesia quieta.
Não percebo quando chegas
Mas sei que não pretendes falar-me
Bem sei que não pretendes falar-me
E assim prossigo no vaivém da agulha.
Então, quando a cera da última vela se derrete,
E, missão cumprida, faço que vou me levantar,
Deténs-me e beijas-me as pálpebras pesadas
E, antes que eu possa retribuir,
Voltas a ser apenas chuva.
O que me resta então
Senão voltar a bordar poesias?
Na verdade, já anunciei o motivo, discretamente, no outro blog. Amanhã, dia 6/11, é o aniversário deste Comentários e Versos do Cadafalso. No fim da tarde deste dia, em 2001, minha amiga Elis me flagrou montando a página e fez uma algazarra na redação, pois vinha me incentivando a cair na blogagem fazia um bom tempo. Deu no que deu. De lá para cá, fiz amigos e amigas e o escrevinhar diário (ou quase) destas linhas me inspirou a criar poemas, minicontos e até uma blognovela. Queria agradecer efusivamente aos que visitam este Guardião e trocam idéias com ele. Um brinde a todos vocês.
Eis aqui o primeiro poema que publiquei em 6 de novembro de 2001, o pontapé inicial de uma jornada que espero, de algum modo, não tenha fim. Porque podemos ser finitos, limitados por este cadafalso terrestre, mas o que toca nossas almas não é.
Bordado
E tudo fica imperceptivelmente quieto
E eu fico só
Bordando uma poesia quieta.
Não percebo quando chegas
Mas sei que não pretendes falar-me
Bem sei que não pretendes falar-me
E assim prossigo no vaivém da agulha.
Então, quando a cera da última vela se derrete,
E, missão cumprida, faço que vou me levantar,
Deténs-me e beijas-me as pálpebras pesadas
E, antes que eu possa retribuir,
Voltas a ser apenas chuva.
O que me resta então
Senão voltar a bordar poesias?
1.11.02
A Vida entrou no restaurante
e deixou a chuva lá fora.
A Beleza ria; o Prazer acendia seu cigarro
enquanto lhe sussurrava uma história.
Só o Tempo olhava de um canto,
batucando ritmadamente na mesa.
Mas ninguém lhe deu atenção.
Então veio a Música
e misturou todos os convivas
ora lânguida
ora rápida e contagiante
ora triste e nostálgica
ora solene.
Vendo o baile, o Tempo decidiu não mais passar
e foi embora dali.
E é por isso que hoje,
quando nos sentamos ao redor de uma mesa
e admiramos nossas amigas
e rimos com todas as bobagens que rodopiam pelo ar
e dançamos
e nos sentimos vivos após uma semana estafante,
agarramos um pedacinho da eternidade.
E nossa alma baila diáfana e vaporosa pelas esferas fora dos relógios.
e deixou a chuva lá fora.
A Beleza ria; o Prazer acendia seu cigarro
enquanto lhe sussurrava uma história.
Só o Tempo olhava de um canto,
batucando ritmadamente na mesa.
Mas ninguém lhe deu atenção.
Então veio a Música
e misturou todos os convivas
ora lânguida
ora rápida e contagiante
ora triste e nostálgica
ora solene.
Vendo o baile, o Tempo decidiu não mais passar
e foi embora dali.
E é por isso que hoje,
quando nos sentamos ao redor de uma mesa
e admiramos nossas amigas
e rimos com todas as bobagens que rodopiam pelo ar
e dançamos
e nos sentimos vivos após uma semana estafante,
agarramos um pedacinho da eternidade.
E nossa alma baila diáfana e vaporosa pelas esferas fora dos relógios.
Minha amiga e short-story partner Crib Tanaka acabou de virar colunista do site Bolsa de Mulher. Ela merece, pois é uma das pessoas mais legais que conheço. Este Guardião lhe deseja muito sucesso, Cribaby.
31.10.02
Bom estar de volta ao Rio. Estive em Florianópolis, cobrindo a Futurecom, baita evento de tecnologia. Estou morto de cansaço e louco para o fim de semana chegar. Trabalhei horrores, mas pelo menos deu para curtir um pouquinho a noite em Floripa, que tem um ritmo meio "baiano" de ser, embora esteja no Sul. Jantei com algumas das coleguinhas mais legais do país, e rimos muito, falamos bobagens... A volta é que foi fogo: Florianópolis-Porto Alegre-Rio. Choveu, os vôos atrasaram, e só consegui pôr a cabeça no travesseiro, em casa, lá pelas duas da madruga. Só vou descansar mesmo no sábado. Mas faz parrrrrrte. ;-))
28.10.02
25.10.02
23.10.02
21.10.02
Lord Alfred Douglas é apontado por muitos estudiosos como o responsável pela ruína de Oscar Wilde. E ao que tudo indica, o jovem nobre que foi objeto da afeição do grande escritor tinha mesmo um temperamento terrível, que se prolongou até sua velhice (ele sobreviveu a Wilde por 45 anos). Mas não se iludam: foi o próprio Wilde que cavou sua derrocada, desafiando a sociedade vitoriana até o fiim, num processo autodestrutivo. A idéia de que Douglas arruinou o escritor foi em parte alimentada pela própria carta que Wilde lhe escreveu da prisão, "De Profundis", e também por amigos do esteta que detestavam Bosie (o apelido de infância de lord Alfred).
No meio desse turbilhão, muitos se esquecem das qualidades de Douglas como poeta, apontado por alguns como melhor, inclusive, que o próprio Wilde nessa área. Realmente, ele escreveu alguns poemas de rara beleza e extremamente musicais. Eis exemplos:
A Summer Storm
Alas! how frail and weak a little boat
I have sailed in. I called it Happiness,
And I had thought there was not storm nor stress
Of wind so masterful but it would float
Blithely in their despite; but lo! one note
Of harsh discord, one word of bitterness,
And a fierce overwhelming wilderness
Of angry waters chokes my gasping throat.
I am near drowned in this unhappy sea,
I will not strive, let me lie still and sink,
I have no joy to live. Oh! unkind love!
Why have you wounded me so bitterly?
That am as easily wounded as a dove
Who has a silver throat and feet of pink.
* * *
Night Coming Into a Garden
Roses red and white,
Every rose is hanging her head,
Silently comes the lady Night,
Only the flowers can hear her tread.
All day long the birds have been calling,
Calling shrill and sweet,
They are still when she comes with her long robe falling,
Falling down to her feet.
The thrush has sung to his mate,
“She is coming! hush! she is coming!”
She is lifting the latch at the gate,
And the bees have ceased from their humming.
I cannot see her face as she passes
Through my garden of white and red;
But I know she is walking where the daisies and grasses
Are curtseying after her tread.
She has passed me by with a rustle and sweep
Of her robe (as she passed I heard it sweeping),
And all my red roses have fallen asleep,
And all my white roses are sleeping.
* * *
The Dead Poet (relembrando Wilde)
I dreamed of him last night, I saw his face
All radiant and unshadowed of distress,
And as of old, in music measureless,
I heard his golden voice and marked him trace
Under the common thing the hidden grace,
And conjure wonder out of emptiness
Till mean things put on beauty like a dress
And all the world was an enchanted place.
And then methought outside a fast locked gate
I mourned the loss of unrecorded words,
Forgotten tales and mysteries half said,
Wonders that might have been articulate,
And voiceless thoughts like murdered singing birds.
And so I woke and knew he was dead.
No meio desse turbilhão, muitos se esquecem das qualidades de Douglas como poeta, apontado por alguns como melhor, inclusive, que o próprio Wilde nessa área. Realmente, ele escreveu alguns poemas de rara beleza e extremamente musicais. Eis exemplos:
A Summer Storm
Alas! how frail and weak a little boat
I have sailed in. I called it Happiness,
And I had thought there was not storm nor stress
Of wind so masterful but it would float
Blithely in their despite; but lo! one note
Of harsh discord, one word of bitterness,
And a fierce overwhelming wilderness
Of angry waters chokes my gasping throat.
I am near drowned in this unhappy sea,
I will not strive, let me lie still and sink,
I have no joy to live. Oh! unkind love!
Why have you wounded me so bitterly?
That am as easily wounded as a dove
Who has a silver throat and feet of pink.
* * *
Night Coming Into a Garden
Roses red and white,
Every rose is hanging her head,
Silently comes the lady Night,
Only the flowers can hear her tread.
All day long the birds have been calling,
Calling shrill and sweet,
They are still when she comes with her long robe falling,
Falling down to her feet.
The thrush has sung to his mate,
“She is coming! hush! she is coming!”
She is lifting the latch at the gate,
And the bees have ceased from their humming.
I cannot see her face as she passes
Through my garden of white and red;
But I know she is walking where the daisies and grasses
Are curtseying after her tread.
She has passed me by with a rustle and sweep
Of her robe (as she passed I heard it sweeping),
And all my red roses have fallen asleep,
And all my white roses are sleeping.
* * *
The Dead Poet (relembrando Wilde)
I dreamed of him last night, I saw his face
All radiant and unshadowed of distress,
And as of old, in music measureless,
I heard his golden voice and marked him trace
Under the common thing the hidden grace,
And conjure wonder out of emptiness
Till mean things put on beauty like a dress
And all the world was an enchanted place.
And then methought outside a fast locked gate
I mourned the loss of unrecorded words,
Forgotten tales and mysteries half said,
Wonders that might have been articulate,
And voiceless thoughts like murdered singing birds.
And so I woke and knew he was dead.
20.10.02
Na próxima quarta-feira acontecerá algo inusitado no ChoppGol de Vila Isabel: vou começar o show sozinho, sem o Hélcio. Ele estará tocando num evento no Riocentro e chegará um pouco mais tarde, de modo que terei de pegar a guitarra e segurar a peteca por uns quarenta minutos. Rapaz, vou dar uma ensaiada na véspera. Tocar junto com uma banda é uma coisa, eu não fico nervoso e sou até bem cara-de-pau no palco. Mas sozinho dá um friozinho na barriga.
Não que não tenha feito isso antes. Já fiz. Mas tem algum tempo. E, se nos tempos do Estrada Fróes, minha velha banda, eu era o cantor principal, além de guitarrista, hoje essa função é do Hélcio (afinal, ele permaneceu na estrada musical todos esses anos).
Mas acho que vai ser divertido. Será, como sempre, a partir das 20h, na rua Felipe Camarão, 8, em frente à Uerj.
Não que não tenha feito isso antes. Já fiz. Mas tem algum tempo. E, se nos tempos do Estrada Fróes, minha velha banda, eu era o cantor principal, além de guitarrista, hoje essa função é do Hélcio (afinal, ele permaneceu na estrada musical todos esses anos).
Mas acho que vai ser divertido. Será, como sempre, a partir das 20h, na rua Felipe Camarão, 8, em frente à Uerj.
19.10.02
Estamos no século 21 e veja o que a doce Mary Fabriani escreveu, revoltada, no seu Montanha Russa:
"Tudo por um poema
Uma das coisas mais legais de se viver num país como a Suécia não é apenas conhecer características e maluquices do povo sueco. É muitíssimo interessante também entrar em contato com gente dos países mais variados, como Bósnia, Irã, Vietnã, Turquia, Rússia e até Iraque. A convivência, claro, não é lá muito fácil. Afinal, somos todos muito diferentes. Mas, mesmo não sendo refugiada de guerra eu ainda sou imigrante e algumas pessoas têm histórias que merecem mais atencão.
Uma dessas pessoas é o meu amigo Farshid, que é iraniano. Esquecam todos os esteriótipos de árabe machista (até porque os iranianos não são árabes, mas persas): o Farshid é um amor de criatura, muitíssimo inteligente e engracado. Ele veio pra Suécia há quase quatro anos atrás, fugindo de uma milícia que rondava a universidade onde ele estudava em Teerã. O que ele fez? Escreveu um poema no qual criticava o governo dos Aiatolás. Claro que não assinou o poema, que foi colocado num quadro de avisos da universidade. Alguém descobriu quem o tinha escrito e ele teve de fugir no meio da noite.
Pois bem, o negócio é que o governo da Suécia acabou de negar o visto de permanência do Farshid e ele terá de deixar o país dentro em breve e voltar para o Irã. Me encontrei com ele no colégio na semana passada e ele estava desconsolado. Eu sinceramente não entendo. O governo sueco precisa de gente para trabalhar exatamente no servico feito pelo Farshid, que é enfermeiro. Fala-se inclusive em importar mão-de-obra para certas áreas nas quais há falta aguda de profissionais e a profissão de enfermeiro é uma delas.
Para se defender durante o julgamento do seu caso, Farshid e seu advogado sueco conseguiram um fax enviado por seus amigos iranianos confirmando que a cacada realemente aconteceu e que Farshid não pode voltar para Teerã sem arriscar anos e mais anos na cadeia ou então morte imediata. Estilo Salman Rushdie. Uma das pessoas que estavam julgando o pedido de asilo político argumentou que o fax "não tinha sequer um envelope". "Mas como é que eles querem que meus amigos enviem uma carta pra mim se absolutamente tudo no Irã é censurado?", pergunta Farshid.
Acho fantástica essa abertura do governo sueco no sentido de abrigar dezenas de milhares de refugiados de guerra - gente nem sempre qualificada que se não fosse por países com uma política de paz exemplar como a Suécia morreria antes mesmo de tentar se salvar. O que eu critico é que esse abrigo seja tão parcial. O Farshid sabe muito bem sueco, se comunica e trabalha todos os dias. Ele não vive do dinheiro do social, muitíssimo pelo contrário. Além do mais, desde que chegou aqui já fez vários cursos para poder falar sueco e para poder trabalhar como enfermeiro. Por que jogar tudo isso fora?"
Este blog se solidariza incondicionalmente com o amigo de Mary, Farshid, e torce fervorosamente para que ele possa viver uma vida livre e escrever poemas livres em algum país com o mínimo de bom-senso sobre esta Terra maltratada. Este Guardião ora para que um dia Oriente e Ocidente se vejam livres de regimes parciais, tirânicos, fanáticos ou simplesmente estúpidos.
"Tudo por um poema
Uma das coisas mais legais de se viver num país como a Suécia não é apenas conhecer características e maluquices do povo sueco. É muitíssimo interessante também entrar em contato com gente dos países mais variados, como Bósnia, Irã, Vietnã, Turquia, Rússia e até Iraque. A convivência, claro, não é lá muito fácil. Afinal, somos todos muito diferentes. Mas, mesmo não sendo refugiada de guerra eu ainda sou imigrante e algumas pessoas têm histórias que merecem mais atencão.
Uma dessas pessoas é o meu amigo Farshid, que é iraniano. Esquecam todos os esteriótipos de árabe machista (até porque os iranianos não são árabes, mas persas): o Farshid é um amor de criatura, muitíssimo inteligente e engracado. Ele veio pra Suécia há quase quatro anos atrás, fugindo de uma milícia que rondava a universidade onde ele estudava em Teerã. O que ele fez? Escreveu um poema no qual criticava o governo dos Aiatolás. Claro que não assinou o poema, que foi colocado num quadro de avisos da universidade. Alguém descobriu quem o tinha escrito e ele teve de fugir no meio da noite.
Pois bem, o negócio é que o governo da Suécia acabou de negar o visto de permanência do Farshid e ele terá de deixar o país dentro em breve e voltar para o Irã. Me encontrei com ele no colégio na semana passada e ele estava desconsolado. Eu sinceramente não entendo. O governo sueco precisa de gente para trabalhar exatamente no servico feito pelo Farshid, que é enfermeiro. Fala-se inclusive em importar mão-de-obra para certas áreas nas quais há falta aguda de profissionais e a profissão de enfermeiro é uma delas.
Para se defender durante o julgamento do seu caso, Farshid e seu advogado sueco conseguiram um fax enviado por seus amigos iranianos confirmando que a cacada realemente aconteceu e que Farshid não pode voltar para Teerã sem arriscar anos e mais anos na cadeia ou então morte imediata. Estilo Salman Rushdie. Uma das pessoas que estavam julgando o pedido de asilo político argumentou que o fax "não tinha sequer um envelope". "Mas como é que eles querem que meus amigos enviem uma carta pra mim se absolutamente tudo no Irã é censurado?", pergunta Farshid.
Acho fantástica essa abertura do governo sueco no sentido de abrigar dezenas de milhares de refugiados de guerra - gente nem sempre qualificada que se não fosse por países com uma política de paz exemplar como a Suécia morreria antes mesmo de tentar se salvar. O que eu critico é que esse abrigo seja tão parcial. O Farshid sabe muito bem sueco, se comunica e trabalha todos os dias. Ele não vive do dinheiro do social, muitíssimo pelo contrário. Além do mais, desde que chegou aqui já fez vários cursos para poder falar sueco e para poder trabalhar como enfermeiro. Por que jogar tudo isso fora?"
Este blog se solidariza incondicionalmente com o amigo de Mary, Farshid, e torce fervorosamente para que ele possa viver uma vida livre e escrever poemas livres em algum país com o mínimo de bom-senso sobre esta Terra maltratada. Este Guardião ora para que um dia Oriente e Ocidente se vejam livres de regimes parciais, tirânicos, fanáticos ou simplesmente estúpidos.
18.10.02
Quarta-feira, após o jogo, o ChoppGol de Vila Isabel teve de cerrar suas portas às pressas por causa das brigas de torcedores após o jogo Vasco e Flamengo. Houve confusão no ponto de ônibus em frente à Uerj e tiros para o alto. Eu e Hélcio ficamos presos no bar por algumas horas. E o show acabou mais cedo.
15.10.02
Estou lendo "Crônicas efêmeras" (Ateliê Editorial), reunião dos artigos escritos por João do Rio na "Revista da Semana" ao longo de todo o ano de 1916. Separei alguns trechos sensacionais para pôr nos blogs. Eis o primeiro deles, de uma crônica em que o célebre blagueur espinafrava o governo Wenceslau Brás a respeito do monte de impostos diferentes cobrados na época (soa familiar?). A certa altura, João do Rio não agüentou e resolveu, cheio de ironia, sugerir mais algumas taxas...
"1o. -- Imposto sobre a tolice parlamentar. Cada deputado que fizesse um discurso asnático, cada deputado que apresentasse um projeto inútil teria imposto.
2o. -- Imposto sobre os cargos ocupados por pessoas não têm competência para os ditos cargos. Como a extravagância do Brasil é nomear errado, creio que esse imposto seria de chofre a causa da remodelação do país. (...) As demissões seriam em massa para não pagar o dito imposto.
3o. -- Imposto sobre a elegância. Taxa sobre os five-o'clocks anunciados pelos jornais. Toda a falsa elegância desapareceria, para não pagar imposto.
4o. -- Imposto sobre os amadores literários. Cada artigo com mais de vinte erros, taxa fortíssima. Seria a ressurreição da literatura, ao cabo de certo tempo.
5o. -- Imposto sobre os cavalheiros que discutem finanças."
Lembre-se, caro leitor: o texto é de 1916, hein?
"1o. -- Imposto sobre a tolice parlamentar. Cada deputado que fizesse um discurso asnático, cada deputado que apresentasse um projeto inútil teria imposto.
2o. -- Imposto sobre os cargos ocupados por pessoas não têm competência para os ditos cargos. Como a extravagância do Brasil é nomear errado, creio que esse imposto seria de chofre a causa da remodelação do país. (...) As demissões seriam em massa para não pagar o dito imposto.
3o. -- Imposto sobre a elegância. Taxa sobre os five-o'clocks anunciados pelos jornais. Toda a falsa elegância desapareceria, para não pagar imposto.
4o. -- Imposto sobre os amadores literários. Cada artigo com mais de vinte erros, taxa fortíssima. Seria a ressurreição da literatura, ao cabo de certo tempo.
5o. -- Imposto sobre os cavalheiros que discutem finanças."
Lembre-se, caro leitor: o texto é de 1916, hein?
11.10.02
Sobressalto
Quando acordei você não estava;
havia apenas o ressonar suave da solidão a meu lado.
A cama ainda exalava seu cheiro
e meu coração batia no compasso
dos galhos trêmulos contra o vidro da janela.
Então choveu em meus olhos -- uma chuva ácida --
e minha boca mal vestida pela barba irrigada tremeu
como o jovem ramo no peitoril.
Recostei-me e cerrei as pálpebras, as mãos resignadas
a acarinhar o lençol.
Foi aí que ouvi sua voz
e seus passos
e o swish-swish da camisola
(tão gostoso quanto o comecinho de um jazz)
e sorri.
Quando acordei você não estava;
havia apenas o ressonar suave da solidão a meu lado.
A cama ainda exalava seu cheiro
e meu coração batia no compasso
dos galhos trêmulos contra o vidro da janela.
Então choveu em meus olhos -- uma chuva ácida --
e minha boca mal vestida pela barba irrigada tremeu
como o jovem ramo no peitoril.
Recostei-me e cerrei as pálpebras, as mãos resignadas
a acarinhar o lençol.
Foi aí que ouvi sua voz
e seus passos
e o swish-swish da camisola
(tão gostoso quanto o comecinho de um jazz)
e sorri.
10.10.02
9.10.02
Não sei se contei isso a vocês. Outro dia estava na rua São José tratando de uns negócios musicais quando ouço uma guitarra ensandecida no meio da praça, ali perto da Rio Branco. Não era CD. Fiquei procurando de onde vinha o som, hipnotizado, até que descobri um sujeito tocando horrores embaixo de um guarda-sol, enquanto dois outros caras vendiam seus CDs, de rock e blues. Só instrumentais, nada de voz. Era o guitarrista Sérgio Bap.
O cara simplesmente faz miséria com as seis cordas. Fiquei ali paralisado uns vinte minutos vendo-o viajar no braço da guitarra. Comprei um CD imediatamente.
Se eu não tivesse um compromisso, acho que tinha ficado ali parado até anoitecer.
Esse é o poder da música.
O cara simplesmente faz miséria com as seis cordas. Fiquei ali paralisado uns vinte minutos vendo-o viajar no braço da guitarra. Comprei um CD imediatamente.
Se eu não tivesse um compromisso, acho que tinha ficado ali parado até anoitecer.
Esse é o poder da música.
7.10.02
A praia
Enquanto afundava nas águas cristalinas
Olhei o anel que me deste, agora estranhamente verde.
Eu que sempre amei o mar
Vou agora dar braçadas pela eternidade.
Egoísta, pensei que poderias estar comigo.
Mas para quê, se tu és a vida em todas as suas nuanças?
Eu sim, eu beijei a morte cedo:
ela me acariciou logo após o tapinha sorridente do obstetra.
E hoje, nesta manhã perfeita
eu encontrei o arrecife perfeito
e dele não me quis desviar.
Então, adeus: não me queira mal
por abandonar a peça no segundo ato.
Enquanto afundava nas águas cristalinas
Olhei o anel que me deste, agora estranhamente verde.
Eu que sempre amei o mar
Vou agora dar braçadas pela eternidade.
Egoísta, pensei que poderias estar comigo.
Mas para quê, se tu és a vida em todas as suas nuanças?
Eu sim, eu beijei a morte cedo:
ela me acariciou logo após o tapinha sorridente do obstetra.
E hoje, nesta manhã perfeita
eu encontrei o arrecife perfeito
e dele não me quis desviar.
Então, adeus: não me queira mal
por abandonar a peça no segundo ato.
Não tem jeito, vamos ter que respirar fundo e decidir a partida no segundo turno para presidente. Fiquei até as duas da madruga de hoje roendo as unhas (não de verdade, mas mentalmente) em frente à TV e, a cada boletim, me irritava mais. ;-) Não importava o número de urnas apuradas, Lula não saía dos 46%, nem Serra dos 23%. Quando chegamos a 84% das urnas apuradas, desisti.
As próximas três semanas vão ser um teste para o coração e os nervos.
E aqui no Rio, para completar, a gente acordou com uma ressaca rosinha...
As próximas três semanas vão ser um teste para o coração e os nervos.
E aqui no Rio, para completar, a gente acordou com uma ressaca rosinha...
4.10.02
Valeu a pena ter descansado na quarta. O show da banda Swing Rio ontem foi uma delícia. Mariana, a vocalista, e eu dançamos quase sem parar, devo ter perdido um quilo no palco ;-) O banner gigante que mandei fazer para a banda também está pronto, devo ir pegá-lo na segunda-feira.
Por outro lado, preciso marcar um som urgente com o Aerosilva. Estou morto de saudade daquele roquenrou visceral-etílico.
Por outro lado, preciso marcar um som urgente com o Aerosilva. Estou morto de saudade daquele roquenrou visceral-etílico.
3.10.02
1.10.02
30.9.02
Pura aflição
Nós estamos agora nos braços de outros
Mas nos pertencemos --
tudo em nossos corpos gritou tal constatação
na última boêmia desvairada.
Ai de mim que sofro só de olhar tua beleza
E por saber que não poderei ser teu um dia.
Seu olhar-lâmina traspassa meu ser com tamanha eficácia
que sei que morrerei de amar ao primeiro beijo em tua boca.
Nós estamos agora nos braços de outros
Mas nos pertencemos --
tudo em nossos corpos gritou tal constatação
na última boêmia desvairada.
Ai de mim que sofro só de olhar tua beleza
E por saber que não poderei ser teu um dia.
Seu olhar-lâmina traspassa meu ser com tamanha eficácia
que sei que morrerei de amar ao primeiro beijo em tua boca.
28.9.02
O testamento do poeta
(encontrado em sua escrivaninha numa tarde outonal, enquanto ele dormia)
"Que depois de minha morte não a deixem só. Que se faça para ela uma festa em sua honra todo dia 2 de janeiro, que foi quando a conheci. Porque ela é a mulher que me faz rir e me faz chorar; ela é a mulher que destrói todas as minhas certezas; que conta histórias de sua alma para me despertar.
Que ela beba e coma só as coisas de que mais goste; que dance com seus melhores amigos, namorados e amantes; enfim, que tenha uma noite impecável. Porque eis nela a essência absoluta do feminino combinada com a franqueza masculina, mistura a que nenhum homem pode ficar indiferente. Os homens podem encontrar muitas mulheres em suas vidas -- com algumas casar e tentar constituir família, com outras simplesmente saciar a sede, com outras ainda refinar o cérebro. Mas só existe uma capaz de corroer nossos alicerces a cada encontro; só uma é capaz de realmente nos levar à loucura com um olhar (e de nos fazer gostar mais dela exatamente por isso).
Que não falte nada a ela; que tentem fazê-la feliz depois de minha partida (embora eu saiba que isso é impossivel, por sua própria natureza). Porque eu a amei mais do que a mim; porque sua alma é linda na sua imperfeição; porque tudo o que ela faz pode ser traduzido em verso.
Ela é tudo que importa."
(encontrado em sua escrivaninha numa tarde outonal, enquanto ele dormia)
"Que depois de minha morte não a deixem só. Que se faça para ela uma festa em sua honra todo dia 2 de janeiro, que foi quando a conheci. Porque ela é a mulher que me faz rir e me faz chorar; ela é a mulher que destrói todas as minhas certezas; que conta histórias de sua alma para me despertar.
Que ela beba e coma só as coisas de que mais goste; que dance com seus melhores amigos, namorados e amantes; enfim, que tenha uma noite impecável. Porque eis nela a essência absoluta do feminino combinada com a franqueza masculina, mistura a que nenhum homem pode ficar indiferente. Os homens podem encontrar muitas mulheres em suas vidas -- com algumas casar e tentar constituir família, com outras simplesmente saciar a sede, com outras ainda refinar o cérebro. Mas só existe uma capaz de corroer nossos alicerces a cada encontro; só uma é capaz de realmente nos levar à loucura com um olhar (e de nos fazer gostar mais dela exatamente por isso).
Que não falte nada a ela; que tentem fazê-la feliz depois de minha partida (embora eu saiba que isso é impossivel, por sua própria natureza). Porque eu a amei mais do que a mim; porque sua alma é linda na sua imperfeição; porque tudo o que ela faz pode ser traduzido em verso.
Ela é tudo que importa."
27.9.02
Insônia
André Machado e Alessandra Archer
Ele teve um sonho com ela. Um sonho perturbador. Estavam os dois numa praia deserta, ao crepúsculo. Ela em seu colo, lânguida; latas de cerveja em volta. Um cigarro pendendo da boca dele. Tocava um blues acústico, vindo do nada (não havia qualquer aparelho visível por perto).
Ela pegou o cigarro da mão dele, deu o trago final e o jogou fora. Depois beijou-o. Nesse exato momento foram atacados por um bando de gaivotas de todas as cores do arco-íris e a cena mudou. Estavam em outra praia, mas era noite e o cheiro de detritos despejados no mar tornava o ar quase irrespirável. A areia parecia um lodo. Ela usava agora um longo vestido diáfano e ele, um smoking amarrotado. Um pier atrás deles levava a um velho hotel, onde se ouviam os acordes de uma orquestra. Ele estava enjoado, sentia vontade de vomitar. Ela parecia secar algumas lágrimas. Seu companheiro tentou balbuciar algumas palavras, mas ela deu dois passos e esbofeteou-o com violência. Então apareceu um terceiro personagem. Um gato preto gigantesco.
Durante um dia inteiro estas visões ocuparam seus pensamentos. Não fora um pesadelo, embora tivesse todos os ingredientes, era apenas um sonho incômodo. Num papel, anotou os detalhes que ia lembrando. Havia uma irritação crescente e indomável por pensar nela, por sentir ainda seu cheiro, por ainda a querer, por ainda senti-la por perto, por ter guardado suas fotos e bilhetinhos, por ainda não ter encontrado outro nome mais belo do que Clara pra pensar. Não encontrava um meio de afastar-se dela. Em cada esquina de sua cidade, uma lembrança.
Intuía uma vontade irrefletida de escapar por alguma escada, por algum vão que houvesse dentro de si mesmo, uma porta dos fundos que o levasse para longe do sentimento que não conseguia aniquilar -- e que era amar uma mulher e sentir saudade. Daí começaram os primeiros flashes de sua insônia, que os sonhos invadiram e que já dura dois anos.
Noites em claro-clara.
André Machado e Alessandra Archer
Ele teve um sonho com ela. Um sonho perturbador. Estavam os dois numa praia deserta, ao crepúsculo. Ela em seu colo, lânguida; latas de cerveja em volta. Um cigarro pendendo da boca dele. Tocava um blues acústico, vindo do nada (não havia qualquer aparelho visível por perto).
Ela pegou o cigarro da mão dele, deu o trago final e o jogou fora. Depois beijou-o. Nesse exato momento foram atacados por um bando de gaivotas de todas as cores do arco-íris e a cena mudou. Estavam em outra praia, mas era noite e o cheiro de detritos despejados no mar tornava o ar quase irrespirável. A areia parecia um lodo. Ela usava agora um longo vestido diáfano e ele, um smoking amarrotado. Um pier atrás deles levava a um velho hotel, onde se ouviam os acordes de uma orquestra. Ele estava enjoado, sentia vontade de vomitar. Ela parecia secar algumas lágrimas. Seu companheiro tentou balbuciar algumas palavras, mas ela deu dois passos e esbofeteou-o com violência. Então apareceu um terceiro personagem. Um gato preto gigantesco.
Durante um dia inteiro estas visões ocuparam seus pensamentos. Não fora um pesadelo, embora tivesse todos os ingredientes, era apenas um sonho incômodo. Num papel, anotou os detalhes que ia lembrando. Havia uma irritação crescente e indomável por pensar nela, por sentir ainda seu cheiro, por ainda a querer, por ainda senti-la por perto, por ter guardado suas fotos e bilhetinhos, por ainda não ter encontrado outro nome mais belo do que Clara pra pensar. Não encontrava um meio de afastar-se dela. Em cada esquina de sua cidade, uma lembrança.
Intuía uma vontade irrefletida de escapar por alguma escada, por algum vão que houvesse dentro de si mesmo, uma porta dos fundos que o levasse para longe do sentimento que não conseguia aniquilar -- e que era amar uma mulher e sentir saudade. Daí começaram os primeiros flashes de sua insônia, que os sonhos invadiram e que já dura dois anos.
Noites em claro-clara.
Ontem, no ChoppGol de Nikiti, encontrei umas figuras que não via há milênios. Minha velha amiga Denise com seu marido, Ita, e até o irmão de um ex-namorado de minha irmã, em cuja casa passei um reveillon hilário há mais de dez anos . O show com a banda, recém-batizada de Swing Rio, foi animado, embora eu estivesse meio cansado (a primeira semana de volta das férias é sempre assim, né?). Espero estar com a pilha toda na próxima semana.
25.9.02
"It is thy mouth that I desire, Iokanaan. Thy mouth is like a band of scarlet on a tower of ivory. It is like a pomegranate cut in twain with a knife of ivory. The pomegranate flowers that blossom in the gardens of Tyre, and are redder than roses, are not so red. The red blasts of trumpets that herald the approach of kings, and make afraid the enemy, are not so red. Thy mouth is redder than the feet of those who tread the wine in the wine-press. It is redder than the feet of the doves who inhabit the temples and are fed by the priests. It is redder than the feet of him who cometh from a forest where he hath slain a lion, and seen gilded tigers. Thy mouth is like a branch of coral that fishers have found in the twilight of the sea, the coral that they keep for the kings!…It is like the vermilion that the Moabites find in the mines of Moab,° the vermilion that the kings take from them. It is like the bow of the King of the Persians, that is painted with vermilion, and is tipped with coral. There is nothing in the world so red as thy mouth.… Suffer me to kiss thy mouth."
(Salomé, Oscar Wilde, 1891)
(Salomé, Oscar Wilde, 1891)
24.9.02
Santana e a mágica
A guitarra de Santana soou,
machucando meu coração
e despertando minhas mãos e pés.
Num átimo, levantei-me:
"Vem!"
E tu vieste, e dançamos,
E ninguém mais importava.
Discretamente, ali, eu te amei
Quatro minutos de paixão irresponsável
ao som de seis cordas, criadoras implacáveis de vida
E as constelações sumiram, e o universo nos invejou.
Foi uma doce mágica no interstício do tempo.
A guitarra de Santana soou,
machucando meu coração
e despertando minhas mãos e pés.
Num átimo, levantei-me:
"Vem!"
E tu vieste, e dançamos,
E ninguém mais importava.
Discretamente, ali, eu te amei
Quatro minutos de paixão irresponsável
ao som de seis cordas, criadoras implacáveis de vida
E as constelações sumiram, e o universo nos invejou.
Foi uma doce mágica no interstício do tempo.
23.9.02
Uaaaah ;-)))
Estou de volta, moçada, depois de três semanas de preguiça absoluta. Passei uma semana em Teresópolis e outras duas em casa. Em nennhum dos dois lugares fiz algo mais do que me tornar parte da paisagem e sonhar muito, dormindo ou acordado. O friozinho do fim de semana tornou ainda mais difícil sair da cama hoje. Mas já estou pronto para outra, com o gás todo.
No campo musical, porém, não fiquei parado. Continuo tocando com o Hélcio (agora em duo) no ChoppGol de Vila Isabel às quartas, no de Charitas (Nikiti) com a banda toda (que foi batizada de Swing Rio) às quintas, e esta sexta o trio vai estrear no restaurante HumGrau, na praia de Charitas.
Logo haverá novos poemas por aqui.
Estou de volta, moçada, depois de três semanas de preguiça absoluta. Passei uma semana em Teresópolis e outras duas em casa. Em nennhum dos dois lugares fiz algo mais do que me tornar parte da paisagem e sonhar muito, dormindo ou acordado. O friozinho do fim de semana tornou ainda mais difícil sair da cama hoje. Mas já estou pronto para outra, com o gás todo.
No campo musical, porém, não fiquei parado. Continuo tocando com o Hélcio (agora em duo) no ChoppGol de Vila Isabel às quartas, no de Charitas (Nikiti) com a banda toda (que foi batizada de Swing Rio) às quintas, e esta sexta o trio vai estrear no restaurante HumGrau, na praia de Charitas.
Logo haverá novos poemas por aqui.
30.8.02
Estou saindo de férias hoje, por isso este blog talvez fique um pouco paradinho nas próximas semanas. Volto dia 23 de setembro (mas se der blogo nos intervalos). Deixo este poema para vocês.
Nascimento
Para descansar, o Eterno escolheu
construir sua alma aos bocadinhos
no oitavo dia.
Ele acendeu um charuto
Preparou um licor
E começou a bordar você,
enquanto cantarolava para o Universo.
Quando ficou pronta,
Era tão perfeita
Que Ele ficou com pena
de mandá-la para cá.
"Mas como lembrar o Homem
de que é possível atingir algo superior
se não houver exemplos assim na Terra"?,
perguntou-Se.
Então decidiu inventar um ser
que para sempre oscilasse entre os dois mundos
que fosse doce, harmônico, delicado
-- mas que também pudesse causar dor,
de modo a mostrar a cota de sacrifício
necessária para chegar à verdadeira Beleza.
"Pronto!", exclamou o Espírito,
e com um gesto enviou-a ao Jardim
onde, na manhã seguinte,
Adão viu você pela primeira vez e chorou.
Nasceu assim a primeira rosa.
Nascimento
Para descansar, o Eterno escolheu
construir sua alma aos bocadinhos
no oitavo dia.
Ele acendeu um charuto
Preparou um licor
E começou a bordar você,
enquanto cantarolava para o Universo.
Quando ficou pronta,
Era tão perfeita
Que Ele ficou com pena
de mandá-la para cá.
"Mas como lembrar o Homem
de que é possível atingir algo superior
se não houver exemplos assim na Terra"?,
perguntou-Se.
Então decidiu inventar um ser
que para sempre oscilasse entre os dois mundos
que fosse doce, harmônico, delicado
-- mas que também pudesse causar dor,
de modo a mostrar a cota de sacrifício
necessária para chegar à verdadeira Beleza.
"Pronto!", exclamou o Espírito,
e com um gesto enviou-a ao Jardim
onde, na manhã seguinte,
Adão viu você pela primeira vez e chorou.
Nasceu assim a primeira rosa.
28.8.02
27.8.02
25.8.02
Poema para A Blogueira dos Enta (ou: Quatro Tercetos Bem Simples sobre a Inexorabilidade do Tempo)
(com um beijo para a Su)
Em alguns meses chego aos enta
Aquela fase em que a gente tenta
Esquecer que aprendeu a fazer conta.
Mas enfrentarei o chamamento
Dos centuriões do Tempo
Dizendo a mim: é de pouca monta.
Bem no finzinho dos trinta e nove
só quero ainda estar "in love"
e não me esquecer da paixão.
Mas disto não existe perigo,
pois, vocês sabem, não consigo
Deixar sossegado o coração.
(com um beijo para a Su)
Em alguns meses chego aos enta
Aquela fase em que a gente tenta
Esquecer que aprendeu a fazer conta.
Mas enfrentarei o chamamento
Dos centuriões do Tempo
Dizendo a mim: é de pouca monta.
Bem no finzinho dos trinta e nove
só quero ainda estar "in love"
e não me esquecer da paixão.
Mas disto não existe perigo,
pois, vocês sabem, não consigo
Deixar sossegado o coração.
Na última quinta, batendo um papo no fim de noite com o baixista Juninho, gente fina, descobri que o homem já tocou com o Hermeto Pascoal. Isso é que é responsa. Ele também toca numa banda só de disco.
Aliás, na mesma noite o Hélcio tirou uma música do sarcófago: "Feelings", do Morris Albert. Caramba. Ao ouvi-lo cantar os primeiros versos, pensei: "Será que me lembro da segunda voz?". Lembrei. Mariana nos ouviu, entrou na terceira voz e o coro ficou uma coisa incrível. Eu nem podia acreditar no que ouvia ;-)))
Aliás, na mesma noite o Hélcio tirou uma música do sarcófago: "Feelings", do Morris Albert. Caramba. Ao ouvi-lo cantar os primeiros versos, pensei: "Será que me lembro da segunda voz?". Lembrei. Mariana nos ouviu, entrou na terceira voz e o coro ficou uma coisa incrível. Eu nem podia acreditar no que ouvia ;-)))
24.8.02
Fiz uma boa maluquice: aproveitando a ótima idéia do Blogger.com.br de trabalhar também como servidor de fotos, criei o "Imagens do Cadafalso", para postar as que me derem na telha. Já botei algumas velhas da banda lá, bem como de alguns grupos que curto. Depois virão outras, ao sabor da vida.
O endereço é www.andremachado.tk.
O endereço é www.andremachado.tk.
Fragmentos de um original roído pelas traças -- II
OTÁVIO
Meu caro, no fundo todos fingem.
HENRIQUE
Eu não finjo.
OTÁVIO
Não minta para você mesmo. Se você, realmente, não encarasse a farsa da sociedade, seria um jovem misantropo carrancudo, e eu considero isto um desperdício. Mas não o é, e no fundo você sabe, tão bem quanto eu, que as únicas relações possíveis e reais dentro da sociedade são de dois tipos: as comerciais e as sexuais. Nada mais verdadeiro que uma prostituta.
HENRIQUE
(Olha para o outro, pensativo) Alguém como você é capaz de amar?
OTÁVIO
Sim, se estiver procurando a pessoa certa e jamais a encontrando.
HENRIQUE
Não entendi.
OTÁVIO
Eu explico. A inquietação é a palavra chave de todo ser humano, e não só de "alguém como eu", como você diz. Ou seja, se estamos inquietos, isto implica movimento. Você conhece aquela velha história de coração batendo à toda, suor frio nas mãos, tonturas, enjôos, e coisa e tal, não? Então! Meu amigo, isso é simplesmente impossível de se manter se você decide se unir a alguém, seja sob que pretexto for: amizade, namoro, casamento... Portanto, o amor deveria ser idealmente construído de primeiros momentos eternos. E é por isso que não se deve encontrar a pessoa certa -- embora a procura do amor deva ser tão ávida e voraz como se se procurasse a própria imortalidade. Mas todo e qualquer romance deve acabar antes do primeiro telefonema.
OTÁVIO
Meu caro, no fundo todos fingem.
HENRIQUE
Eu não finjo.
OTÁVIO
Não minta para você mesmo. Se você, realmente, não encarasse a farsa da sociedade, seria um jovem misantropo carrancudo, e eu considero isto um desperdício. Mas não o é, e no fundo você sabe, tão bem quanto eu, que as únicas relações possíveis e reais dentro da sociedade são de dois tipos: as comerciais e as sexuais. Nada mais verdadeiro que uma prostituta.
HENRIQUE
(Olha para o outro, pensativo) Alguém como você é capaz de amar?
OTÁVIO
Sim, se estiver procurando a pessoa certa e jamais a encontrando.
HENRIQUE
Não entendi.
OTÁVIO
Eu explico. A inquietação é a palavra chave de todo ser humano, e não só de "alguém como eu", como você diz. Ou seja, se estamos inquietos, isto implica movimento. Você conhece aquela velha história de coração batendo à toda, suor frio nas mãos, tonturas, enjôos, e coisa e tal, não? Então! Meu amigo, isso é simplesmente impossível de se manter se você decide se unir a alguém, seja sob que pretexto for: amizade, namoro, casamento... Portanto, o amor deveria ser idealmente construído de primeiros momentos eternos. E é por isso que não se deve encontrar a pessoa certa -- embora a procura do amor deva ser tão ávida e voraz como se se procurasse a própria imortalidade. Mas todo e qualquer romance deve acabar antes do primeiro telefonema.
23.8.02
"Você não precisa deixar seu quarto. Permaneça sentado a sua escrivaninha e escute. Não precisa nem escutar, simplesmente espere, apenas aprenda a ficar quieto, e imóvel, e solitário.O mundo se oferecerá livremente a você para ser desmascarado. Ele não tem escolha; ele rolará em êxtase a seus pés."
(Franz Kafka)
(Franz Kafka)
22.8.02
16.8.02
Manuscrito encontrado num guardanapo extraviado sobre a areia suja da madrugada
"Felicidade, 16 de agosto de 2002
Querida Mariana,
Pensei não ser possível viajar no tempo, mas dez minutos a seu lado tiraram alguns séculos de minha alma. Livre deles, dancei a seu lado a noite inteira e, miraculosamente, um pouco de minha quase-meia-idade contagiou sua juventude resplandecente. Você riu e eu ri com você; cantou e eu cantei junto; ensaiou passos e lá estávamos nós, amigos da vida inteira sobre um palco qualquer, numa cidade qualquer, tocando qualquer nota e nos divertindo. Erga seu copo, brinde aqui: eu saúdo a alegria, a extroversão, a delícia improvisada, as noites de Dioniso para contrabalançar a seriedade incontornável do cotidiano!
No próximo dia de Júpiter, gritarei: "Evoé! Baby, apanhe o pandeiro e siga a guitarra! Está na hora da vida!"
Mas por hoje basta. Durma bem e leve um beijo meu.
Do vosso,
André"
"Felicidade, 16 de agosto de 2002
Querida Mariana,
Pensei não ser possível viajar no tempo, mas dez minutos a seu lado tiraram alguns séculos de minha alma. Livre deles, dancei a seu lado a noite inteira e, miraculosamente, um pouco de minha quase-meia-idade contagiou sua juventude resplandecente. Você riu e eu ri com você; cantou e eu cantei junto; ensaiou passos e lá estávamos nós, amigos da vida inteira sobre um palco qualquer, numa cidade qualquer, tocando qualquer nota e nos divertindo. Erga seu copo, brinde aqui: eu saúdo a alegria, a extroversão, a delícia improvisada, as noites de Dioniso para contrabalançar a seriedade incontornável do cotidiano!
No próximo dia de Júpiter, gritarei: "Evoé! Baby, apanhe o pandeiro e siga a guitarra! Está na hora da vida!"
Mas por hoje basta. Durma bem e leve um beijo meu.
Do vosso,
André"
14.8.02
12.8.02
Começou ontem no Multishow o mês Elvis Presley, em que todos os domingos será exibido um show do Rei. Ontem foi o do Comeback Special, um show de 1968 para a TV com altos e baixos. As partes coreografadas são ruins, e vê-se que o homem está desconfortável no formato. Mas o pequeno "semi-acústico" que ele faz no meio da apresentação, acompanhado dos veteranos de seus primeiros discos Scotty Moore (guitarra) e D. J. Fontanta (batera, percussão), é puro blues, do fundo do coração e das tripas. Ali, descontraído, o Rei sacaneia a letra de "Love me Tender" ("with you my life is a wreck, no, complete"), o que arranca risos da platéia, e improvisa versos de "One night with you" suplicando por uma alça para poder ficar em pé com a guitarra.
Semana que vem será exibido na íntegra o Aloha from Hawaii, de 1973. Tenho o disco em casa. É um showzão, embora com excesso de metais e arranjos em alguns momentos. Aí já rolava a a fase mais "Vegas" do homem.
Semana que vem será exibido na íntegra o Aloha from Hawaii, de 1973. Tenho o disco em casa. É um showzão, embora com excesso de metais e arranjos em alguns momentos. Aí já rolava a a fase mais "Vegas" do homem.
9.8.02
Você, ainda
Que saudade de olhar para você no parque
E afagar seus cabelos louros
e desfiar minha vida lentamente
como penélope desfazendo sua teia no umbral.
Que saudade de ouvir sua voz
(tornando cristalino o ar impregnado
do odor de jamelões moribundos)
e de abraçar sua alma.
É uma infelicidade
não poder fazer com o tempo
o que fazemos com os discos
-- ouvi-lo de trás para a frente.
Talvez então eu não fosse indeciso
e me surpreendesse a sussurrar "eu te amo"
no meio das folhas rodopiantes.
Que saudade de olhar para você no parque
E afagar seus cabelos louros
e desfiar minha vida lentamente
como penélope desfazendo sua teia no umbral.
Que saudade de ouvir sua voz
(tornando cristalino o ar impregnado
do odor de jamelões moribundos)
e de abraçar sua alma.
É uma infelicidade
não poder fazer com o tempo
o que fazemos com os discos
-- ouvi-lo de trás para a frente.
Talvez então eu não fosse indeciso
e me surpreendesse a sussurrar "eu te amo"
no meio das folhas rodopiantes.
O show de quarta-feira no ChoppGol em Vila Isabel foi elétrico. Além das MPBs e baladas, estreei alguns efeitos na guitarra e fechei o set tocando e cantando a boa e velha "Johnny B. Goode", de Chuck Berry. Que delícia. Como escrevi a uma amiga, me senti vinte anos mais novo. Estiveram lá a Elisinha, a Tina, mestre Aroaldo Veneu, Fernandinha, Ariadne e Luiza. A night to remember ;-)))
Na quinta-feira que vem, o The Helcius Trio vai estrear no segundo andar do ChoppGol em Niterói (Charitas), com direito a palco, luzes e um espaço legal para quem quiser dançar. Estou realmente animado!
Na quinta-feira que vem, o The Helcius Trio vai estrear no segundo andar do ChoppGol em Niterói (Charitas), com direito a palco, luzes e um espaço legal para quem quiser dançar. Estou realmente animado!
6.8.02
Dois trechos extraídos do Márcio Moreira Alves, semana passada:
I
"(...) Em dezembro de 1998, publiquei uma coluna comparando a equipe econômica de Fernando Henrique com a dos últimos anos de Porfírio Diaz no México, de 1883 a 1910. Chefiada por José Yves Limantour, seus membros eram chamados de los científicos. T.R. Fehrenbach, autor da clássica história do México, "A ferro e fogo", analisa essa equipe econômica. Escreve:
"Os homens que cercavam Limantour eram finamente educados, razoavelmente cultos, capazes e patrióticos. Não eram vendidos e nem todos eram cínicos. Representavam a continuidade da tradição do mundo hispânico: homens que procuravam manter a estabilidade enquanto refaziam um mundo intolerável. Pensavam que refaziam esse mundo racionalmente. Acreditavam que aplicavam ao México os princípios então dominantes nas ciências sociais. Buscavam construir uma nação ocidental moderna através do capitalismo e no início o capital só poderia ser estrangeiro. Os científicos eram, de certa forma, verdadeiros cientistas, porque ignoravam o fator humano. Não viam um perigo real nas paixões e frustrações da gente comum. Como elite, rejeitavam a idéia de que mudanças podem vir de baixo. Os científicos podiam ser patriotas, mas eram, sobretudo, pessoas sem raízes. A sua cultura e os seus ideais vinham do exterior, para onde mandavam seus filhos para serem educados".
No fim do período, os estrangeiros controlavam 80% da economia mexicana e milhões de índios haviam sido expulsos de suas terras. O resultado foi a Revolução Mexicana.
Se alguém conhecer comparação mais exata, estou aberto a sugestões." (2/8/2002)
II
"(...) Muitas vezes tenho repetido a lição evangélica de que é pelos frutos que se conhecem as árvores. É pelos frutos de sua ação que asseguro ser esta equipe econômica a mais incompetente que o Brasil já teve nos 113 anos de história republicana. O presidente Fernando Henrique, de quem teremos saudades por vários outros aspectos de seu governo, perdeu o seu lugar entre os bons presidentes do Brasil ao avalizar as políticas de seus economistas. E deixará uma herança terrível." (1/8/2002)
I
"(...) Em dezembro de 1998, publiquei uma coluna comparando a equipe econômica de Fernando Henrique com a dos últimos anos de Porfírio Diaz no México, de 1883 a 1910. Chefiada por José Yves Limantour, seus membros eram chamados de los científicos. T.R. Fehrenbach, autor da clássica história do México, "A ferro e fogo", analisa essa equipe econômica. Escreve:
"Os homens que cercavam Limantour eram finamente educados, razoavelmente cultos, capazes e patrióticos. Não eram vendidos e nem todos eram cínicos. Representavam a continuidade da tradição do mundo hispânico: homens que procuravam manter a estabilidade enquanto refaziam um mundo intolerável. Pensavam que refaziam esse mundo racionalmente. Acreditavam que aplicavam ao México os princípios então dominantes nas ciências sociais. Buscavam construir uma nação ocidental moderna através do capitalismo e no início o capital só poderia ser estrangeiro. Os científicos eram, de certa forma, verdadeiros cientistas, porque ignoravam o fator humano. Não viam um perigo real nas paixões e frustrações da gente comum. Como elite, rejeitavam a idéia de que mudanças podem vir de baixo. Os científicos podiam ser patriotas, mas eram, sobretudo, pessoas sem raízes. A sua cultura e os seus ideais vinham do exterior, para onde mandavam seus filhos para serem educados".
No fim do período, os estrangeiros controlavam 80% da economia mexicana e milhões de índios haviam sido expulsos de suas terras. O resultado foi a Revolução Mexicana.
Se alguém conhecer comparação mais exata, estou aberto a sugestões." (2/8/2002)
II
"(...) Muitas vezes tenho repetido a lição evangélica de que é pelos frutos que se conhecem as árvores. É pelos frutos de sua ação que asseguro ser esta equipe econômica a mais incompetente que o Brasil já teve nos 113 anos de história republicana. O presidente Fernando Henrique, de quem teremos saudades por vários outros aspectos de seu governo, perdeu o seu lugar entre os bons presidentes do Brasil ao avalizar as políticas de seus economistas. E deixará uma herança terrível." (1/8/2002)
5.8.02
Desculpem o silêncio dos últimos dias. Quem Quem leu o caderninho de hoje sabe que eu estive bem ocupado ;-)) Mas esta semana vou blogar com mais calma, pois em princípio minha agenda está ordenada.
Então, para começarmos, aí vai um novo poema, saído agorinha mesmo do forno:
O bufão
Quando estás feliz me esqueces
e te aqueces com o sol generoso e sedutor;
quando estás amando, sou apenas aquele urso cheio de bolor
Que as meninas largam solitário na cabeceira ao sair correndo,
com as amigas,
em direção ao gramado recém-libertado da neve.
Eu sou teu homem das nuvens ameaçadoras
O pára-raios ao alcance do celular
os pneus antinevascas que calças nas rodas de teu pensamento
para frear as lágrimas traiçoeiras.
Nesses momentos me pergunto:
quando foi que minha paixão passou a ser apenas
a água tépida da banheira,
em que mergulhas mas sempre abandonas no fim?
Antes podia enxergar as labaredas que me consumiam
refletidas em tuas órbitas
antes podia cheirar a combinação de nossas essências
mesmo que nossos corpos jamais se tocassem.
Agora eis-me bibelô dos teus humores
com o qual brincas sem lançar um olhar.
Virei um bufão da espera; mas um bufão que ama, ainda assim
-- embora meu amor esteja, hoje, doente de ironia.
Então, para começarmos, aí vai um novo poema, saído agorinha mesmo do forno:
O bufão
Quando estás feliz me esqueces
e te aqueces com o sol generoso e sedutor;
quando estás amando, sou apenas aquele urso cheio de bolor
Que as meninas largam solitário na cabeceira ao sair correndo,
com as amigas,
em direção ao gramado recém-libertado da neve.
Eu sou teu homem das nuvens ameaçadoras
O pára-raios ao alcance do celular
os pneus antinevascas que calças nas rodas de teu pensamento
para frear as lágrimas traiçoeiras.
Nesses momentos me pergunto:
quando foi que minha paixão passou a ser apenas
a água tépida da banheira,
em que mergulhas mas sempre abandonas no fim?
Antes podia enxergar as labaredas que me consumiam
refletidas em tuas órbitas
antes podia cheirar a combinação de nossas essências
mesmo que nossos corpos jamais se tocassem.
Agora eis-me bibelô dos teus humores
com o qual brincas sem lançar um olhar.
Virei um bufão da espera; mas um bufão que ama, ainda assim
-- embora meu amor esteja, hoje, doente de ironia.
31.7.02
Voltei. Ufa! Quarenta e oito horas de telecom depois, uma pausa para blogar ;-).
Lembro que hoje é quarta e estarei guitarreando com a galera do Estrada Fróes (Marcos na batera e Hélcio nos vocais e teclados) lá no ChoppGol (rua Felipe Camarão, 8, Vila Isabel, perto do Planeta Chop) das oito à meia-noite. Som na caixa!
Agora, outra pausa para um comentário do cadafalso: não é que ganhei uma amiga imortal? A Elis agora é acadêmica de Bom Jesus do Itabapoana, sua terra natal, e de Campos. É!!! Te cuida, Paulo Coelho... ;-)))
Ah, hoje é niver da querida tia Cora. Então, este poema vai para ela, com um beijo e desejos de muitas felicidades!!
Ode ao gato
(Pablo Neruda)
Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça vôo.
O gato,
só o gato apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.
Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa
só como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite .
Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gato, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos do seu gato.
Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos têm números de ouro.
("Navegaciones y Regresos", 1959)
Lembro que hoje é quarta e estarei guitarreando com a galera do Estrada Fróes (Marcos na batera e Hélcio nos vocais e teclados) lá no ChoppGol (rua Felipe Camarão, 8, Vila Isabel, perto do Planeta Chop) das oito à meia-noite. Som na caixa!
Agora, outra pausa para um comentário do cadafalso: não é que ganhei uma amiga imortal? A Elis agora é acadêmica de Bom Jesus do Itabapoana, sua terra natal, e de Campos. É!!! Te cuida, Paulo Coelho... ;-)))
Ah, hoje é niver da querida tia Cora. Então, este poema vai para ela, com um beijo e desejos de muitas felicidades!!
Ode ao gato
(Pablo Neruda)
Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça vôo.
O gato,
só o gato apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro,
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.
Não há unidade
como ele,
não tem
a lua nem a flor
tal contextura:
é uma coisa
só como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno
firme e sutil é como
a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogar as moedas da noite .
Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem pátria,
mínimo tigre de salão, nupcial
sultão do céu
das telhas eróticas,
o vento do amor
na intempérie
reclamas
quando passas
e pousas
quatro pés delicados
no solo,
cheirando,
desconfiando
de todo o terrestre,
porque tudo
é imundo
para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente
da casa, arrogante
vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico
e alheio,
profundíssimo gato,
polícia secreta
dos quartos,
insígnia
de um
desaparecido veludo,
certamente não há
enigma na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti e pertences
ao habitante menos misterioso
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios
de gato, companheiros,
colegas,
discípulos ou amigos do seu gato.
Eu não.
Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,
o mar e a cidade incalculável,
a botânica
o gineceu com os seus extravios,
o pôr e o menos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro,
o atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos têm números de ouro.
("Navegaciones y Regresos", 1959)
30.7.02
26.7.02
"É triste a minha Musa, como é triste
O sincero verter d'amargo pranto
D'órfã singela;
E triste como o som que a brisa espalha,
Que cicia nas folhas do arvoredo
Por noite bela.
É triste como o som que o sino ao longe
Vai perder na extensão d'ameno prado
Da tarde no cair,
Quando nasce o silêncio involto em trevas,
Quando os astros derramam sobre a terra
Merencório luzir.
Ela então, sem destino, erra por vales,
Erra por altos montes, onde a enxada
Fundo e fundo cavou;
E pára; perto, jovial pastora
Cantando passa - e ela cisma ainda
Depois que esta passou."
(Gonçalves Dias, "Primeiros Cantos", 1846)
O sincero verter d'amargo pranto
D'órfã singela;
E triste como o som que a brisa espalha,
Que cicia nas folhas do arvoredo
Por noite bela.
É triste como o som que o sino ao longe
Vai perder na extensão d'ameno prado
Da tarde no cair,
Quando nasce o silêncio involto em trevas,
Quando os astros derramam sobre a terra
Merencório luzir.
Ela então, sem destino, erra por vales,
Erra por altos montes, onde a enxada
Fundo e fundo cavou;
E pára; perto, jovial pastora
Cantando passa - e ela cisma ainda
Depois que esta passou."
(Gonçalves Dias, "Primeiros Cantos", 1846)
25.7.02
O show de ontem no ChoppGol deu certo e estarei lá todas as quartas (veja mais no Cadafalso II).
Hoje, alguns trechos do ótimo artigo "Desafios do Jornalismo", do professor Carlos Alberto Di Franco, publicado no Globo:
"As virtudes e as fraquezas dos jornais não são recatadas. Registram-nas fielmente os delicados radares da opinião pública. Precisamos, por isso, derrubar inúmeros mitos que conspiram contra a credibilidade da imprensa.
Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma da objetividade absoluta. Inscrito em inúmeros códigos empoeirados, é de um vazio surpreendente. Transmite, num pomposo tom de verdade, a falsa certeza da neutralidade jornalística. Só que essa separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe.
Jornalistas não são autômatos. Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornalística. Não se pode ouvir um corrupto com a mesma fleuma com que um inglês toma o chá das 5. A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. A neutralidade é uma mentira, mas a imparcialidade é uma meta que deve ser perseguida. Todos os dias.
A busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Não sabe, como sublinha o jornalista Carl Bernstein, que "o importante é saber escutar". Esquece, ofuscado pela auto-suficiência, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas. A grande surpresa no jornalismo de qualidade é descobrir que "quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos", sublinha Bernstein.(...)"
Hoje, alguns trechos do ótimo artigo "Desafios do Jornalismo", do professor Carlos Alberto Di Franco, publicado no Globo:
"As virtudes e as fraquezas dos jornais não são recatadas. Registram-nas fielmente os delicados radares da opinião pública. Precisamos, por isso, derrubar inúmeros mitos que conspiram contra a credibilidade da imprensa.
Um deles, talvez o mais resistente, é o dogma da objetividade absoluta. Inscrito em inúmeros códigos empoeirados, é de um vazio surpreendente. Transmite, num pomposo tom de verdade, a falsa certeza da neutralidade jornalística. Só que essa separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe.
Jornalistas não são autômatos. Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornalística. Não se pode ouvir um corrupto com a mesma fleuma com que um inglês toma o chá das 5. A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. A neutralidade é uma mentira, mas a imparcialidade é uma meta que deve ser perseguida. Todos os dias.
A busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, da preguiça profissional e da incompetência arrogante. O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Não sabe, como sublinha o jornalista Carl Bernstein, que "o importante é saber escutar". Esquece, ofuscado pela auto-suficiência, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas. A grande surpresa no jornalismo de qualidade é descobrir que "quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos", sublinha Bernstein.(...)"
24.7.02
De volta ao som
Aí, galera: vou sacudir o pó da guitarra hoje para reestrear acompanhando o Hélcio, velho parceiro, cantor e tecladista, no ChoppGol, na r. Felipe Camarão, em Vila Isabel (perto do Planeta Chopp), a partir das oito da noite. Aos que conhecem minhas tendências roqueiras, aviso logo: o trabalho nada tem a ver com elas. É todo calcado em cima de MPB e bem leve, no esquema da noite mesmo. Hélcio toca de tudo, de baladas a sambas, e eu o sigo na guitarra (canto algumas músicas eventualmente e faço uns backing vocals em outras). Se tudo der certo, passarei a acompanhá-lo todas as quartas-feiras.
Aí, galera: vou sacudir o pó da guitarra hoje para reestrear acompanhando o Hélcio, velho parceiro, cantor e tecladista, no ChoppGol, na r. Felipe Camarão, em Vila Isabel (perto do Planeta Chopp), a partir das oito da noite. Aos que conhecem minhas tendências roqueiras, aviso logo: o trabalho nada tem a ver com elas. É todo calcado em cima de MPB e bem leve, no esquema da noite mesmo. Hélcio toca de tudo, de baladas a sambas, e eu o sigo na guitarra (canto algumas músicas eventualmente e faço uns backing vocals em outras). Se tudo der certo, passarei a acompanhá-lo todas as quartas-feiras.
23.7.02
Este vosso escriba foi ontem dar uma palestra interna aqui no jornal sobre blogs. Foi uma apresentação informal, tentei ser o mais claro possível. Embora em público eu prefira tocar guitarra (até porque falo muito rápido e isso às vezes pode atrapalhar), acho que consegui passar a idéia. Foi divertido, embora eu percebesse que minhas mãos tremiam de vez em quando ;-))
22.7.02
Publiquei este texto no SpamZine há algumas semanas. Já é hora de ele vir para o Cadafalso ;-)
A estante do tio Zé
Minha avó paterna morava no velho casarão da família, na rua Florianópolis, em Jacarepaguá. Hoje ele não existe mais. Mas nos anos 60 era um paraíso envelhecido repleto de mangueiras, tamarineiras e outras árvores frutíferas. Eu curtia a quietude e o cheiro de passado do lugar, e era gostoso brincar em seu enorme quintal. Mas meus primos eram muito mais velhos que eu, e logo se cansavam de minhas brincadeiras bobas. Acabava passando boa parte do tempo sozinho. Não demorou muito, desisti do quintal e me rendi às tintas e lápis de cor do tio Zé, o único artista da família -- era (ainda é) pintor. Ficava horas desenhando em sua escrivaninha, em seu quarto. Foi no mesmo cômodo que me lembro de ter sido enfeitiçado para sempre pelos livros. Na estante do tio Zé, havia coleções sobre o século XX, a Segunda Guerra e muitos volumes sobre os gênios da pintura. Foram alguns dos primeiros livros que folheei, fascinado. Descobri ali alguns dos personagens célebres da história do Brasil, os afundamentos trágicos de navios como o Titanic e o Bismarck, e o traço hipnótico de van Gogh. Tempos depois, minha madrinha me presentearia com uma coleção completa de Monteiro Lobato e eu nunca mais largaria os livros. Mas aquela estante foi a primeira, e a primeira, vocês sabem... não dá para esquecer.
Muito provavelmente, o tio Zé não sabe, mas tenho certeza de que seus livros e seu exemplo de humanista me tornaram o jornalista e blogwriter que sou hoje. Só posso agradecer (e muito) por ter escapado de uma vida convencional. Valeu, tio! Um brinde aos livros, que são os verdadeiros jardins cujos caminhos se bifurcam (licença, Borges) para todo o sempre.
A estante do tio Zé
Minha avó paterna morava no velho casarão da família, na rua Florianópolis, em Jacarepaguá. Hoje ele não existe mais. Mas nos anos 60 era um paraíso envelhecido repleto de mangueiras, tamarineiras e outras árvores frutíferas. Eu curtia a quietude e o cheiro de passado do lugar, e era gostoso brincar em seu enorme quintal. Mas meus primos eram muito mais velhos que eu, e logo se cansavam de minhas brincadeiras bobas. Acabava passando boa parte do tempo sozinho. Não demorou muito, desisti do quintal e me rendi às tintas e lápis de cor do tio Zé, o único artista da família -- era (ainda é) pintor. Ficava horas desenhando em sua escrivaninha, em seu quarto. Foi no mesmo cômodo que me lembro de ter sido enfeitiçado para sempre pelos livros. Na estante do tio Zé, havia coleções sobre o século XX, a Segunda Guerra e muitos volumes sobre os gênios da pintura. Foram alguns dos primeiros livros que folheei, fascinado. Descobri ali alguns dos personagens célebres da história do Brasil, os afundamentos trágicos de navios como o Titanic e o Bismarck, e o traço hipnótico de van Gogh. Tempos depois, minha madrinha me presentearia com uma coleção completa de Monteiro Lobato e eu nunca mais largaria os livros. Mas aquela estante foi a primeira, e a primeira, vocês sabem... não dá para esquecer.
Muito provavelmente, o tio Zé não sabe, mas tenho certeza de que seus livros e seu exemplo de humanista me tornaram o jornalista e blogwriter que sou hoje. Só posso agradecer (e muito) por ter escapado de uma vida convencional. Valeu, tio! Um brinde aos livros, que são os verdadeiros jardins cujos caminhos se bifurcam (licença, Borges) para todo o sempre.
19.7.02
18.7.02
É chegada a hora
Ah, como desejo beijar tua boca no escuro
e grudar-me nela como gruda na pele do leão
o sangue de velhos combates cicatrizados;
e ali sentir o frescor de tua essência arfante
como a brisa tênue na tarde da savana.
Tua boca há de ser um dia meu consolo
e sutura para uma face varrida pelos desígnios dos deuses;
deixar-te-ei as marcas de um homem devastado
mas também a chave para o cofre maltratado da paixão.
Beijarei-a como Salomé beijou a boca de Iokanaan,
no afã de ouvir seu último suspiro;
serei misericordioso, porém, e viverás para contar
que um dia um poeta te beijou no escuro, e tua vida mudou
e o ar se coloriu de âmbar
e da banheira se espargiu absinto
e o dia espreguiçou-se e permitiu à lua nova reinar mais tempo.
Ah, como desejo beijar tua boca no escuro
e grudar-me nela como gruda na pele do leão
o sangue de velhos combates cicatrizados;
e ali sentir o frescor de tua essência arfante
como a brisa tênue na tarde da savana.
Tua boca há de ser um dia meu consolo
e sutura para uma face varrida pelos desígnios dos deuses;
deixar-te-ei as marcas de um homem devastado
mas também a chave para o cofre maltratado da paixão.
Beijarei-a como Salomé beijou a boca de Iokanaan,
no afã de ouvir seu último suspiro;
serei misericordioso, porém, e viverás para contar
que um dia um poeta te beijou no escuro, e tua vida mudou
e o ar se coloriu de âmbar
e da banheira se espargiu absinto
e o dia espreguiçou-se e permitiu à lua nova reinar mais tempo.
17.7.02
Excelente o Márcio Moreira Alves, hoje no Globo:
""Quando a casa do vizinho está ardendo, ninguém pede que ele pague a mangueira do bombeiro antes de começar a combater o fogo”, disse Franklin Roosevelt no discurso de abril de 1941 no qual anunciou o programa “Lend and Lease”, que abria à Inglaterra, cercada pelos submarinos nazistas, crédito ilimitado para comprar nos Estados Unidos os materiais de guerra de que precisava.
Churchill, na sua primeira viagem aos Estados Unidos, havia pedido a medida, dizendo: “Não precisamos dos galantes exércitos que se formam nos Estados Unidos. Dêem-nos as ferramentas e nós terminaremos a tarefa”. Era mais do que uma bravata. As reservas inglesas já estavam totalmente esgotadas. O historiador Waren F. Kimball, que escreveu um livro sobre o programa, estendido à União Soviética em 1942, chamou-o de “The most unsordid act”, a mais generosa das leis.
A América Latina está precisando que os Estados Unidos aprovem leis tão generosas como a “Lend and Lease”. O mundo precisaria também de um estadista com a visão abrangente de Franklin Roosevelt. Em vez disso, temos um Congresso mesquinho, que coloca tantas exigências discriminatórias no fast track, autorização para o presidente concluir negociações bilaterais que a torna impraticável, e um presidente perigosamente medíocre e desinformado, que se recusa a autorizar seu Departamento do Tesouro e o FMI a salvar do caos os vizinhos do Sul. É verdade que o FMI e os bancos multilaterais talvez não tenham recursos suficientes para cumprir o papel salvador que deles se espera. É o que diz, em recente artigo, o economista francês Pierre Salema. Mas só se saberá se tentarem cumpri-lo." (...)
""Quando a casa do vizinho está ardendo, ninguém pede que ele pague a mangueira do bombeiro antes de começar a combater o fogo”, disse Franklin Roosevelt no discurso de abril de 1941 no qual anunciou o programa “Lend and Lease”, que abria à Inglaterra, cercada pelos submarinos nazistas, crédito ilimitado para comprar nos Estados Unidos os materiais de guerra de que precisava.
Churchill, na sua primeira viagem aos Estados Unidos, havia pedido a medida, dizendo: “Não precisamos dos galantes exércitos que se formam nos Estados Unidos. Dêem-nos as ferramentas e nós terminaremos a tarefa”. Era mais do que uma bravata. As reservas inglesas já estavam totalmente esgotadas. O historiador Waren F. Kimball, que escreveu um livro sobre o programa, estendido à União Soviética em 1942, chamou-o de “The most unsordid act”, a mais generosa das leis.
A América Latina está precisando que os Estados Unidos aprovem leis tão generosas como a “Lend and Lease”. O mundo precisaria também de um estadista com a visão abrangente de Franklin Roosevelt. Em vez disso, temos um Congresso mesquinho, que coloca tantas exigências discriminatórias no fast track, autorização para o presidente concluir negociações bilaterais que a torna impraticável, e um presidente perigosamente medíocre e desinformado, que se recusa a autorizar seu Departamento do Tesouro e o FMI a salvar do caos os vizinhos do Sul. É verdade que o FMI e os bancos multilaterais talvez não tenham recursos suficientes para cumprir o papel salvador que deles se espera. É o que diz, em recente artigo, o economista francês Pierre Salema. Mas só se saberá se tentarem cumpri-lo." (...)
16.7.02
Sem alma
Não posso sustentar o teu olhar sôfrego
porque hoje acordei sem alma.
Hoje sou apenas corpo e apetites
e nada sei do que te afliges.
Não posso responder ao que perguntas
porque estou despido de sentido.
Sou apenas um corpo celeste que obedece
e prossegue em sua trajetória irretocável
pelo silencioso Abismo.
Dirás, "mas estás triste!"
E nem mesmo poderei retrucar que não estou.
A melancolia não existe no Vácuo
Nem a alegria etílica das happy hours na adorável Lapa.
Só o que existe é ser, sem se saber, sem se perceber,
e voar nos seios frios (frios?) da eternidade.
Não posso sustentar o teu olhar sôfrego
porque hoje acordei sem alma.
Hoje sou apenas corpo e apetites
e nada sei do que te afliges.
Não posso responder ao que perguntas
porque estou despido de sentido.
Sou apenas um corpo celeste que obedece
e prossegue em sua trajetória irretocável
pelo silencioso Abismo.
Dirás, "mas estás triste!"
E nem mesmo poderei retrucar que não estou.
A melancolia não existe no Vácuo
Nem a alegria etílica das happy hours na adorável Lapa.
Só o que existe é ser, sem se saber, sem se perceber,
e voar nos seios frios (frios?) da eternidade.
15.7.02
12.7.02
11.7.02
Trechos de duas cartas das profundezas do Hades
I -- Um discípulo de Fausto conversa com sua alma corrompida
"Às vezes, seu velho ego
Volta para me assombrar
Diz coisas horríveis, me beija com lábios frios
Me embriaga de ódio, de tédio,
E depois volta para a sepultura de carne que habita.
Você é apenas um fantasma do que foi, ó minha alma
E eu a amo assim, apática, entrevada, morta em vida
Como a moldei, embevecido, com a matéria da minha vontade.
Mas seu velho ego é teimoso, volta sempre...
A noite parece estimulá-lo, como as marés,
E então sou eu que me escondo, viro tatu-bola,
Até a alvorada, que seduzi em segredo há tempos, voltar."
II -- De: Edgar Allan Poe. Para: Ligéia. Cc: Berenice
"Negra é a tinta com que me exponho
Negra é tua alma desalinhada
E tuas lágrimas que bruxuleiam
Pelas fissuras do horror em tua boca podre.
Treva! É em teu âmago
Que te toco, enojado
E deliciado
Como num século de sol morno
Como num dia de nuvens-magma
Como antes de olhar no espelho de Narciso.
Teus dentes
São como presas de vermes gigantes
Numa intempérie no deserto
Prontos para cravar-se em meus dendritos
Toda vez que tu sorris.
Esposa querida, prima desejada
Lapido meus textos
E assim te corto as palavras
Mato-te de êxtase metálico
Para que eu possa morrer aos poucos."
I -- Um discípulo de Fausto conversa com sua alma corrompida
"Às vezes, seu velho ego
Volta para me assombrar
Diz coisas horríveis, me beija com lábios frios
Me embriaga de ódio, de tédio,
E depois volta para a sepultura de carne que habita.
Você é apenas um fantasma do que foi, ó minha alma
E eu a amo assim, apática, entrevada, morta em vida
Como a moldei, embevecido, com a matéria da minha vontade.
Mas seu velho ego é teimoso, volta sempre...
A noite parece estimulá-lo, como as marés,
E então sou eu que me escondo, viro tatu-bola,
Até a alvorada, que seduzi em segredo há tempos, voltar."
II -- De: Edgar Allan Poe. Para: Ligéia. Cc: Berenice
"Negra é a tinta com que me exponho
Negra é tua alma desalinhada
E tuas lágrimas que bruxuleiam
Pelas fissuras do horror em tua boca podre.
Treva! É em teu âmago
Que te toco, enojado
E deliciado
Como num século de sol morno
Como num dia de nuvens-magma
Como antes de olhar no espelho de Narciso.
Teus dentes
São como presas de vermes gigantes
Numa intempérie no deserto
Prontos para cravar-se em meus dendritos
Toda vez que tu sorris.
Esposa querida, prima desejada
Lapido meus textos
E assim te corto as palavras
Mato-te de êxtase metálico
Para que eu possa morrer aos poucos."
9.7.02
Luís Fernando Veríssimo magistral, na veia, na mosca, hoje no Globo:
"Se entendi bem a lógica do momento, a situação do país é tão grave que seria temerário entregá-lo a qualquer outra facção que não a responsável pela situação ter ficado tão grave. Algo na linha do imperativo doméstico que a gente ouvia da mãe: quem sujou que limpe. Mas como os que sujaram não reconhecem que sujaram — pelo contrário, identificam-se como guardiões de uma normalidade ameaçada pela vitória da oposição — a analogia não vale.
Qual é exatamente o “caos” que viria com a eleição do Lula? Crise financeira, estagnação econômica, desemprego, um clima social explosivo? Isso tudo já tem. Essa é a normalidade ameaçada. Até o pior efeito previsto de uma mudança de modelo, a fuga do capital especulativo, já começou, e o que o espantou não foi a cara feia do Lula, mas o reconhecimento de que esse modelo não se sustenta. O pânico com a possibilidade de um calote não vem do medo da “esquerda”, que no poder não seria nem burra nem suicida, mas do tamanho da dívida, e o que tornou a dívida terrível foi a política de dependência total adotada pelo atual governo . Muito mais assustador — a longo prazo, até para os especuladores — do que a perspectiva de uma mudança deveria ser a perspectiva da continuação deste caminho sem alternativa para o desastre.
Mas tal é o domínio do pensamento econômico hegemônico sobre a nossa mente colonizada, que ele consegue até definir conceitos que a realidade em volta desmente, como os de “normalidade” e “caos”. Essa guerra civil permanente no meio da qual a gente vive não é o caos. Ou é um caos perfeitamente normal. A seriedade e a sensatez que uma aventura esquerdista supostamente destruiria são representadas pelos índices de desenvolvimento social que elas alcançaram.
Escolha qualquer um: saneamento básico, habitação, energia... Depois de oito anos de dependência total, ficamos dependentes até do vocabulário e dos valores do capital financeiro, como caddies miseráveis que adotam os hábitos dos ricos para os quais carregam o saco de golfe. A conveniência do mercado especulativo se tornou o nosso parâmetro de normalidade, e qualquer alternativa ao seu domínio, o nosso parâmetro de terror."
"Se entendi bem a lógica do momento, a situação do país é tão grave que seria temerário entregá-lo a qualquer outra facção que não a responsável pela situação ter ficado tão grave. Algo na linha do imperativo doméstico que a gente ouvia da mãe: quem sujou que limpe. Mas como os que sujaram não reconhecem que sujaram — pelo contrário, identificam-se como guardiões de uma normalidade ameaçada pela vitória da oposição — a analogia não vale.
Qual é exatamente o “caos” que viria com a eleição do Lula? Crise financeira, estagnação econômica, desemprego, um clima social explosivo? Isso tudo já tem. Essa é a normalidade ameaçada. Até o pior efeito previsto de uma mudança de modelo, a fuga do capital especulativo, já começou, e o que o espantou não foi a cara feia do Lula, mas o reconhecimento de que esse modelo não se sustenta. O pânico com a possibilidade de um calote não vem do medo da “esquerda”, que no poder não seria nem burra nem suicida, mas do tamanho da dívida, e o que tornou a dívida terrível foi a política de dependência total adotada pelo atual governo . Muito mais assustador — a longo prazo, até para os especuladores — do que a perspectiva de uma mudança deveria ser a perspectiva da continuação deste caminho sem alternativa para o desastre.
Mas tal é o domínio do pensamento econômico hegemônico sobre a nossa mente colonizada, que ele consegue até definir conceitos que a realidade em volta desmente, como os de “normalidade” e “caos”. Essa guerra civil permanente no meio da qual a gente vive não é o caos. Ou é um caos perfeitamente normal. A seriedade e a sensatez que uma aventura esquerdista supostamente destruiria são representadas pelos índices de desenvolvimento social que elas alcançaram.
Escolha qualquer um: saneamento básico, habitação, energia... Depois de oito anos de dependência total, ficamos dependentes até do vocabulário e dos valores do capital financeiro, como caddies miseráveis que adotam os hábitos dos ricos para os quais carregam o saco de golfe. A conveniência do mercado especulativo se tornou o nosso parâmetro de normalidade, e qualquer alternativa ao seu domínio, o nosso parâmetro de terror."
8.7.02
Fragmentos de um original roído pelas traças -- I
HENRIQUE
Mas então você não acha que ele escreve bem?
OTÁVIO
Ele escreve bem, mas não é um bom escritor.
MARCEL
Não vejo diferença...
OTÁVIO
Para escrever bem, você precisa saber todas as regras da gramática e todas as preciosidades do vocabulário. Para ser um bom escritor, você precisa de muito mais -- e sequer necessita da gramática. Um bom escritor mexe com idéias e não com palavras.
HENRIQUE
Idéias originais?
OTÁVIO
Às vezes. Sabem, no fundo, a originalidade não existe de fato. A alma humana é insondável demais para que alguém reivindique a invenção de qualquer coisa. Quem pode afirmar que a criação não esteve outrora nos subterrâneos das almas de outros homens?
MARCEL
Você quer dizer o inconsciente... Mas talvez a originalidade possa ser justamente a capacidade de extrair certa idéia do inconsciente e trazê-la à luz.
OTÁVIO, sorrindo.
Isso não é ser original. Isso é ser capaz de se comunicar e de teorizar, ou até de experimentar -- embora eu não leve em consideração esse tipo de experiência, já que faz sentido. A originalidade deixa de existir no momento em que passa a pertencer ao mundo das palavras. É por isso que digo que o bom escritor mexe com idéias. A "originalidade" desse bom escritor está justamente no que não foi escrito, entendeu? Ela pertence aos esgotos e às vísceras, que de certo modo são os esgotos do homem. Todos gostam de falar do cérebro humano; alguns defendem o coração; mas já descobri que as vísceras do homem guardam todo o seu potencial criativo. E só os escritores que remexem em suas vísceras conseguem alcançar a imortalidade. Há escritores cerebrais e escritores sentimentais -- e, hoje em dia, até escritores "capitais" --; mas estes nada valem se comparados aos mestres viscerais. É por isso que muitos artistas "originais" deixam obras que nos parecem "horríveis". Nem todas as tripas são revolvidas sem choques e angústias, e é por isso que o original traz sempre consigo alguma coisa de horripilante.
HENRIQUE
Mas então você não acha que ele escreve bem?
OTÁVIO
Ele escreve bem, mas não é um bom escritor.
MARCEL
Não vejo diferença...
OTÁVIO
Para escrever bem, você precisa saber todas as regras da gramática e todas as preciosidades do vocabulário. Para ser um bom escritor, você precisa de muito mais -- e sequer necessita da gramática. Um bom escritor mexe com idéias e não com palavras.
HENRIQUE
Idéias originais?
OTÁVIO
Às vezes. Sabem, no fundo, a originalidade não existe de fato. A alma humana é insondável demais para que alguém reivindique a invenção de qualquer coisa. Quem pode afirmar que a criação não esteve outrora nos subterrâneos das almas de outros homens?
MARCEL
Você quer dizer o inconsciente... Mas talvez a originalidade possa ser justamente a capacidade de extrair certa idéia do inconsciente e trazê-la à luz.
OTÁVIO, sorrindo.
Isso não é ser original. Isso é ser capaz de se comunicar e de teorizar, ou até de experimentar -- embora eu não leve em consideração esse tipo de experiência, já que faz sentido. A originalidade deixa de existir no momento em que passa a pertencer ao mundo das palavras. É por isso que digo que o bom escritor mexe com idéias. A "originalidade" desse bom escritor está justamente no que não foi escrito, entendeu? Ela pertence aos esgotos e às vísceras, que de certo modo são os esgotos do homem. Todos gostam de falar do cérebro humano; alguns defendem o coração; mas já descobri que as vísceras do homem guardam todo o seu potencial criativo. E só os escritores que remexem em suas vísceras conseguem alcançar a imortalidade. Há escritores cerebrais e escritores sentimentais -- e, hoje em dia, até escritores "capitais" --; mas estes nada valem se comparados aos mestres viscerais. É por isso que muitos artistas "originais" deixam obras que nos parecem "horríveis". Nem todas as tripas são revolvidas sem choques e angústias, e é por isso que o original traz sempre consigo alguma coisa de horripilante.
7.7.02
O encontro dos blogueiros ontem em Copa só teve quatro convivas (sábado é mais difícil mesmo juntar a galera), mas nem por isso foi menos divertido. O papo rolou solto entre este que vos escreve, a Suely (que estava muito bonita), o João M e o boa-praça Stanley, que descobri ser baixista e já convidei para um som qualquer dia desses. Falamos de tudo um pouco: eleições, copa, trabalho, curiosidades e, é claro, blogs ;-). Eu estava curiosíssimo para conhecer a MissDaisy, com quem vivo trocando comments, mas já sabia que ela não poderia ir. Vamos ver se na próxima dá. E também faltaram o Maggi, a Bani, a Tina, a Alessandra, a Elis (mas esta aqui está de férias, eu já desconfiava. E acabei de ver no blog dela que ficou doente, coitada!) e muitos outros. Da próxima vez, marcamos durante a semana.
Por outro lado, como disse a Su, a gente conversou mais e se conheceu um pouco melhor, o que nem sempre dá para fazer em encontros maiores, onde a dispersão aumenta.
Por outro lado, como disse a Su, a gente conversou mais e se conheceu um pouco melhor, o que nem sempre dá para fazer em encontros maiores, onde a dispersão aumenta.
6.7.02
Três excelentes artigos no Prosa e Verso de hoje. A capa, sobre Florbela Espanca, e as resenhas sobre Nietzsche e Einstein (esta escrita pelo gente finíssima Ronaldo Mourão, que encontrei boas vezes em meus tempos de Geográfica Universal).
5.7.02
Desvario
Jogos de palavras
Fluem ocos, sugando as pálpebras
Encharcadas de som, de sono,
Quero brilhar nas têmporas da savana negra
Mitos lúgubres, língua doida
De gravata fina sem nós mais
Terra em cortinas nubladas
Alumínio rangendo, lábios secos...
Oquei, vamos ao acaso, esquece tá?
E aí?
E aí?
Lágrimas descem mas viram vapor
Nocautes, ha ha.
Blague, desastre, que mais?
Responda, não ferre na mudez,
Vem algo d'água no cabelo,
Fim, eco e fim.
Jogos de palavras
Fluem ocos, sugando as pálpebras
Encharcadas de som, de sono,
Quero brilhar nas têmporas da savana negra
Mitos lúgubres, língua doida
De gravata fina sem nós mais
Terra em cortinas nubladas
Alumínio rangendo, lábios secos...
Oquei, vamos ao acaso, esquece tá?
E aí?
E aí?
Lágrimas descem mas viram vapor
Nocautes, ha ha.
Blague, desastre, que mais?
Responda, não ferre na mudez,
Vem algo d'água no cabelo,
Fim, eco e fim.
4.7.02
3.7.02
Retorno
Retorno a ti, poesia,
Para lamber minhas loucuras ao vento morno
Dos olhares da floresta e da penumbra
A sombra do passado atemoriza
E perderam-se as chaves da porta do futuro
Momentaneamente.
Fraqueza?
Talvez sono, quem sabe até fastio
Volto aos infernos do ópio
Absinto a dor e o zumbido nas pupilas!
Quebro-te, espelho,
Defronto-me melhor com o infinito
Tocando-me como um instrumento
e vomitando injúrias.
Caco de vidro inútil, estilhaças
Minha angústia podre de crostas nevoentas
E elevas meu horror ao expoente
Do perder-se de vista.
Retorno a ti, poesia,
Para lamber minhas loucuras ao vento morno
Dos olhares da floresta e da penumbra
A sombra do passado atemoriza
E perderam-se as chaves da porta do futuro
Momentaneamente.
Fraqueza?
Talvez sono, quem sabe até fastio
Volto aos infernos do ópio
Absinto a dor e o zumbido nas pupilas!
Quebro-te, espelho,
Defronto-me melhor com o infinito
Tocando-me como um instrumento
e vomitando injúrias.
Caco de vidro inútil, estilhaças
Minha angústia podre de crostas nevoentas
E elevas meu horror ao expoente
Do perder-se de vista.
1.7.02
Os Pentatemplários
(extraído de um manuscrito encontrado em 3002 pelo arqueólogo alemão Otto Kahn, descendente de Oliver Kahn, o Grande, nas ruínas de um antigo coliseu na Baviera)
"... A decadência do império teutão de Kahn, o Grande, deu-se a partir de 2002 d.C., quando o exército por ele liderado iniciou a jornada, após duras batalhas, para Korepan, a fabulosa Terra do Alvorecer, no distante Oriente. Os soldados de Kahn, disciplinados ao extremo, eram duros na queda e já haviam vencido três guerras sangrentas: uma na Suíça, outra na Alemanha e a terceira na Itália. Entretanto, haviam perdido valorosos soldados nos embates, e só os duros métodos de Kahn mantinham os resultados nos campos de batalha. Em sua jornada, os corajosos cavaleiros teutônicos começaram a ouvir falar de uma estranha lenda à medida que passavam de cidade em cidade. Primeiro, Kahn foi abordado pelo califa turco Hassan Sas, que segredou-lhe, em sua tenda, que o maior perigo que encontrariam em Korepan seriam os Pentatemplários, cavaleiros pertencentes a uma ordem de guerreiros ascetas capitaneados por Kafoo, o Terrível. Eles eram originários das Terras do Oeste, em cuja região sul haviam sido treinados pelo monge escoláristico Pheli Ponn. Diziam que os cavaleiros lutavam como nunca se havia visto antes, passando as armas entre si e confundindo os adversários com uma elasticidade incrível alcançada através de técnicas de concentração desconhecidas.
Kahn, porém, não se abalou. Dias depois, deparou-se com o exército chinês em debandada, com os uniformes rasgados, gritando que os Pentatemplários haviam matado quatro de seus mais competentes generais. A expressão apalermada dos chineses levou os teutões ao riso, bem como os guerreiros ciganos da Costa Opulenta do Atlântico, que encontraram bêbedos e cabisbaixos num desfiladeiro. A eles juntavam-se os arqueiros de Belgium, a que Kahn não deu atenção. Foi só quando viram, já perto da fortaleza de Yokohama, as hostes bretãs chacinadas sem piedade, com o símbolo pentatemplário escrito com sangue sobre seus uniformes, que os soldados teutônicos vacilaram. Na subida para a colina onde jazia a fortaleza, Kahn teve um encontro inesperado com mais um califa turco, Al Basturk. Este implorou para que não desse combate aos cavaleiros do Oeste.
Mas Kahn tinha uma reputação a preservar -- e foi essa a sua desgraça. A primeira parte da batalha de Yokohama foi dura, com os teutões e os pentatemplários praticamente se equivalendo em bravura. Mas na segunda o brilho foi da divisão comandada pelo coronel Roh Naldym, que fez uma carga diretamente sobre a tenda de Kahn. Ele resistiu na primeira investida, mas deixou o flanco descoberto e foi ferido. O coronel, percebendo sua hesitação, não o deixou respirar e, com a ajuda de uma manobra diversiva do coronel Ryv Aldow, levou Kahn a acreditar num ataque deste. Roh Naldym então deu o sinal para o golpe de misericórdia, deixando um perplexo Kahn a seus pés. A batalha não durou muito depois disso."
(extraído de um manuscrito encontrado em 3002 pelo arqueólogo alemão Otto Kahn, descendente de Oliver Kahn, o Grande, nas ruínas de um antigo coliseu na Baviera)
"... A decadência do império teutão de Kahn, o Grande, deu-se a partir de 2002 d.C., quando o exército por ele liderado iniciou a jornada, após duras batalhas, para Korepan, a fabulosa Terra do Alvorecer, no distante Oriente. Os soldados de Kahn, disciplinados ao extremo, eram duros na queda e já haviam vencido três guerras sangrentas: uma na Suíça, outra na Alemanha e a terceira na Itália. Entretanto, haviam perdido valorosos soldados nos embates, e só os duros métodos de Kahn mantinham os resultados nos campos de batalha. Em sua jornada, os corajosos cavaleiros teutônicos começaram a ouvir falar de uma estranha lenda à medida que passavam de cidade em cidade. Primeiro, Kahn foi abordado pelo califa turco Hassan Sas, que segredou-lhe, em sua tenda, que o maior perigo que encontrariam em Korepan seriam os Pentatemplários, cavaleiros pertencentes a uma ordem de guerreiros ascetas capitaneados por Kafoo, o Terrível. Eles eram originários das Terras do Oeste, em cuja região sul haviam sido treinados pelo monge escoláristico Pheli Ponn. Diziam que os cavaleiros lutavam como nunca se havia visto antes, passando as armas entre si e confundindo os adversários com uma elasticidade incrível alcançada através de técnicas de concentração desconhecidas.
Kahn, porém, não se abalou. Dias depois, deparou-se com o exército chinês em debandada, com os uniformes rasgados, gritando que os Pentatemplários haviam matado quatro de seus mais competentes generais. A expressão apalermada dos chineses levou os teutões ao riso, bem como os guerreiros ciganos da Costa Opulenta do Atlântico, que encontraram bêbedos e cabisbaixos num desfiladeiro. A eles juntavam-se os arqueiros de Belgium, a que Kahn não deu atenção. Foi só quando viram, já perto da fortaleza de Yokohama, as hostes bretãs chacinadas sem piedade, com o símbolo pentatemplário escrito com sangue sobre seus uniformes, que os soldados teutônicos vacilaram. Na subida para a colina onde jazia a fortaleza, Kahn teve um encontro inesperado com mais um califa turco, Al Basturk. Este implorou para que não desse combate aos cavaleiros do Oeste.
Mas Kahn tinha uma reputação a preservar -- e foi essa a sua desgraça. A primeira parte da batalha de Yokohama foi dura, com os teutões e os pentatemplários praticamente se equivalendo em bravura. Mas na segunda o brilho foi da divisão comandada pelo coronel Roh Naldym, que fez uma carga diretamente sobre a tenda de Kahn. Ele resistiu na primeira investida, mas deixou o flanco descoberto e foi ferido. O coronel, percebendo sua hesitação, não o deixou respirar e, com a ajuda de uma manobra diversiva do coronel Ryv Aldow, levou Kahn a acreditar num ataque deste. Roh Naldym então deu o sinal para o golpe de misericórdia, deixando um perplexo Kahn a seus pés. A batalha não durou muito depois disso."
28.6.02
Metamorfose
Oh, esse maldito pêndulo que jamais cessa
A dor do canto e da alegria da natureza
E o brilho da luz impiedosa sobre meus ombros raquíticos
Estoure, íris, arrebente!
Os tímpanos são gongos de platina
Que vibram a cada estalo do moedor de cérebros podres
O verão aterrissa em minha saliva
E incandesce garganta abaixo
Até tomar todo o meu corpo
E com ele formar um só crepúsculo
Uma só infâmia.
Oh, esse maldito pêndulo que jamais cessa
A dor do canto e da alegria da natureza
E o brilho da luz impiedosa sobre meus ombros raquíticos
Estoure, íris, arrebente!
Os tímpanos são gongos de platina
Que vibram a cada estalo do moedor de cérebros podres
O verão aterrissa em minha saliva
E incandesce garganta abaixo
Até tomar todo o meu corpo
E com ele formar um só crepúsculo
Uma só infâmia.
27.6.02
Hoje, alguns comentários do cadafalso.
Estava eu assistindo à série sobre as drogas que a GNT exibe -- na qual, entre outras coisas, a gente fica sabendo porque a Colômbia chegou aonde está -- e fiquei meditando sobre o depoimento de um agente da Drug Enforcement Agency (DEA), dos EUA. Ele disse mais ou menos o seguinte: "o negócio das drogas não vai desaparecer tão cedo. Depois de vários estudos, chegamos à conclusão de que é uma indústria que pode perder 90% de seu produto e ainda assim auferir lucros. É como se a General Motors fabricasse 1 milhão de carros, perdesse 900 mil e ainda assim lucrasse com a venda dos 100 mil restantes. Trata-se de um negócio de proporções inimagináveis".
É de dar calafrios.
Estava eu assistindo à série sobre as drogas que a GNT exibe -- na qual, entre outras coisas, a gente fica sabendo porque a Colômbia chegou aonde está -- e fiquei meditando sobre o depoimento de um agente da Drug Enforcement Agency (DEA), dos EUA. Ele disse mais ou menos o seguinte: "o negócio das drogas não vai desaparecer tão cedo. Depois de vários estudos, chegamos à conclusão de que é uma indústria que pode perder 90% de seu produto e ainda assim auferir lucros. É como se a General Motors fabricasse 1 milhão de carros, perdesse 900 mil e ainda assim lucrasse com a venda dos 100 mil restantes. Trata-se de um negócio de proporções inimagináveis".
É de dar calafrios.
26.6.02
I don't go looking for trouble,
It's always coming my way,
But, I've been looking for you,
And like the summer sun, you welcome my day.
So come on, come on,
And give your man some rock 'n' roll,
And get yourself some sweet rock 'n' roll.
I'm just a soldier of fortune,
Must be the gypsy in me.
I ain't alone when I say
I never needed love so badly before.
Hear me singing "Come on, come on"!
Give your man some rock 'n' roll,
And get yourself some sweet rock 'n' roll.
("Come on", Whitesnake, 1978)
It's always coming my way,
But, I've been looking for you,
And like the summer sun, you welcome my day.
So come on, come on,
And give your man some rock 'n' roll,
And get yourself some sweet rock 'n' roll.
I'm just a soldier of fortune,
Must be the gypsy in me.
I ain't alone when I say
I never needed love so badly before.
Hear me singing "Come on, come on"!
Give your man some rock 'n' roll,
And get yourself some sweet rock 'n' roll.
("Come on", Whitesnake, 1978)
25.6.02
Último desejo
Um beijo é só o que peço:
o toque de teus lábios molhados e trêmulos
em minha boca esperançosa e ressequida.
Dá-mo e morrerei em paz
contemplando tuas órbitas de doce-de-leite.
Ah! obrigado! já me posso ir.
Agora afasta-te um pouco
pois que é a vez de a Dama de Negro me beijar.
Não, não chores -- tu me ungiste com tua doçura,
e este é o único rito que necessito.
Disseste que não mais podes amar
Mas me amaste assim mesmo, sem perceberes.
Eis meu legado, o possível nesta terra sem ar para as almas:
ressuscitar-te para a paixão.
Um beijo é só o que peço:
o toque de teus lábios molhados e trêmulos
em minha boca esperançosa e ressequida.
Dá-mo e morrerei em paz
contemplando tuas órbitas de doce-de-leite.
Ah! obrigado! já me posso ir.
Agora afasta-te um pouco
pois que é a vez de a Dama de Negro me beijar.
Não, não chores -- tu me ungiste com tua doçura,
e este é o único rito que necessito.
Disseste que não mais podes amar
Mas me amaste assim mesmo, sem perceberes.
Eis meu legado, o possível nesta terra sem ar para as almas:
ressuscitar-te para a paixão.
24.6.02
There's a party going on right here
Quando te foste,
Eu me regozijei
E dei uma festa
E queimei tuas cartas perfumadas
E chupei hibiscos sanguinolentos
E bebi sucos de dores delicadas
E tive um enfarte do fígado
Porque ri e babei.
Um brinde à solidão!
Um brinde ao confronto com a alma em telequetes primais!
Um brinde à morte de um amor
Condição si ne qua non do nascimento do próximo.
Quando te foste,
Eu me regozijei
E dei uma festa
E queimei tuas cartas perfumadas
E chupei hibiscos sanguinolentos
E bebi sucos de dores delicadas
E tive um enfarte do fígado
Porque ri e babei.
Um brinde à solidão!
Um brinde ao confronto com a alma em telequetes primais!
Um brinde à morte de um amor
Condição si ne qua non do nascimento do próximo.
21.6.02
Invencível
a carne verde se desmancha no chão envelhecido
as frutas obedecem à gravidade sem que ninguém venha acarinhá-las
e morrem solitárias entre as folhas agonizantes
os legumes no lixo ganham tons camaleônicos e fétidos.
é aí que a vida mostra sua verdadeira face
refluindo em vermes que surgem do nada
e escarnecem da morte com seu apetite coleante.
No fundo, é impossível vencer a vida
e a morte não tem aquela foice, nem as presas afiadas que imaginamos.
Ela é apenas um mendigo de olhar abobalhado
que pede de quando em vez trocados ao cosmo.
Este, por sua vez, aquiesce,
só para nos iludir com a sensação de tempo
e nos apequenar a alma.
Mas não consegue.
a carne verde se desmancha no chão envelhecido
as frutas obedecem à gravidade sem que ninguém venha acarinhá-las
e morrem solitárias entre as folhas agonizantes
os legumes no lixo ganham tons camaleônicos e fétidos.
é aí que a vida mostra sua verdadeira face
refluindo em vermes que surgem do nada
e escarnecem da morte com seu apetite coleante.
No fundo, é impossível vencer a vida
e a morte não tem aquela foice, nem as presas afiadas que imaginamos.
Ela é apenas um mendigo de olhar abobalhado
que pede de quando em vez trocados ao cosmo.
Este, por sua vez, aquiesce,
só para nos iludir com a sensação de tempo
e nos apequenar a alma.
Mas não consegue.
20.6.02
Bom, este é o fim de minha primeira blognovela. Espero os comentários de vocês. E logo estarei retornando aos poemas habituais deste Cadafalso. Mas estou pensando em escrever outras blognovelas, ou adaptar novelas que escrevi na década passada para a web. Vamos ver no que dá. O certo é que não quero parar, não é do meu feitio ;-)
Aos que acompanharam "O Destino, o Livre-Arbítrio e o Desejo", meus mais sinceros agradecimentos (e desculpas pelas pausas involuntárias no desfiar da história, devido aos compromissos de trabalho). Jon e Daniela brindam a vocês, com toda a certeza. E eu também, é claro.
Aos que acompanharam "O Destino, o Livre-Arbítrio e o Desejo", meus mais sinceros agradecimentos (e desculpas pelas pausas involuntárias no desfiar da história, devido aos compromissos de trabalho). Jon e Daniela brindam a vocês, com toda a certeza. E eu também, é claro.
O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO
EPÍLOGO
Sim, Daniela era o Desejo. Não o Livre-Arbítrio; não o Destino; mas o Desejo. E, mesmo senhora dos mundos e dos grupos de mundos e das confederações de tais grupos, precisava casar-se, como explicou a seu noivo, com um mortal de tempos em tempos para conhecer sua Verdadeira Essência. E desta vez o Eleito fora Jon, e ela se deleitara de modo especial ao caçá-lo. Pois era preciso que ele viajasse ao limbo de livre vontade, habilmente persuadido, jamais à força, para pedir por ela a seus irmãos milenares. Que, não é preciso dizer, se divertiam muito com a coisa toda.
Jon nunca mais voltou a uma redação, nem foi lembrado por seus pares. Viveu o resto de seus anos (e foram muitos) explorando seu novo hábitat e travando conhecimento com todas as criaturas míticas e artistas que tanto amara em sua adolescência.
Quando ele morreu, cercado de glórias, chegou ao nosso mundo, através de um guru que acidentalmente sintonizara o canal certo, o boato de que Daniela (seu nome verdadeiro é outro, impronunciável) não quis se casar por muitos e muitos milhares de anos. Bom, pelo menos o Jon foi feliz para sempre. E nossa história acaba aqui.
Leitor -- "Mas espera aí! E aquela história do Destino? E a nova Peste Negra?"
Ah, é. De fato, aquele era o destino de ambos. O próprio Jon perguntou a Daniela o que aconteceria.
A resposta dela foi: "Não se preocupe, meu amor. Com uma ajudinha do Livre-Arbítrio, o Desejo sempre vence o Destino."
Xeque-mate.
T H E E N D
EPÍLOGO
Sim, Daniela era o Desejo. Não o Livre-Arbítrio; não o Destino; mas o Desejo. E, mesmo senhora dos mundos e dos grupos de mundos e das confederações de tais grupos, precisava casar-se, como explicou a seu noivo, com um mortal de tempos em tempos para conhecer sua Verdadeira Essência. E desta vez o Eleito fora Jon, e ela se deleitara de modo especial ao caçá-lo. Pois era preciso que ele viajasse ao limbo de livre vontade, habilmente persuadido, jamais à força, para pedir por ela a seus irmãos milenares. Que, não é preciso dizer, se divertiam muito com a coisa toda.
Jon nunca mais voltou a uma redação, nem foi lembrado por seus pares. Viveu o resto de seus anos (e foram muitos) explorando seu novo hábitat e travando conhecimento com todas as criaturas míticas e artistas que tanto amara em sua adolescência.
Quando ele morreu, cercado de glórias, chegou ao nosso mundo, através de um guru que acidentalmente sintonizara o canal certo, o boato de que Daniela (seu nome verdadeiro é outro, impronunciável) não quis se casar por muitos e muitos milhares de anos. Bom, pelo menos o Jon foi feliz para sempre. E nossa história acaba aqui.
Leitor -- "Mas espera aí! E aquela história do Destino? E a nova Peste Negra?"
Ah, é. De fato, aquele era o destino de ambos. O próprio Jon perguntou a Daniela o que aconteceria.
A resposta dela foi: "Não se preocupe, meu amor. Com uma ajudinha do Livre-Arbítrio, o Desejo sempre vence o Destino."
Xeque-mate.
T H E E N D
O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO
CAPÍTULO XXXI
Daniela veio caminhando devagar da sacada, como se tivesse se materializado ali naquele instante. Estava vestida como ele, à moda renascentista, e isso realçava sua pele imaculada, emoldurada pelos cabelos negro-avermelhados expostos à brisa. Era uma visão ímpar. Jon quase chorou só por ser abençado com tal visão.
Ela sentou-se em seu colo. Seu cheiro inebriou-o de tesão.
-- Está na hora? -- perguntou ele.
-- De quê, meu querido? -- volveu ela.
-- De nos encontrarmos com o Desejo...
Ela sorriu, e nenhuma mulher terá tal sorriso em toda a história da humanidade.
-- Com o Desejo? -- repetiu ela, divertida.
-- É. Você não percebe? -- Jon estava compenetrado. -- Encontramos primeiro o Livre-Arbítrio. Depois, o Destino. Eu não posso ter certeza, mas desde que conheci você, essas coisas têm atravessado minha mente, para lá e para cá, o tempo todo. Eu oscilava entre o Livre-Arbítrio, o Destino... e o Desejo. Como um joguete nas mãos de um escritor. Então, quando você me contou sua história e viemos para esta dimensão (aliás, ainda estamos nela?), encontramos os dois primeiros, ou as entidades que os representam, sei lá. E, pelas minhas contas, só falta pedir por você ao Desejo.
Fez-se uma pausa.
-- Você não precisa, meu amor. Já acabou.
-- Mas não eram três os mestres que você mencionou?
Ela aquiesceu.
-- Eles continuam três. Você tem razão.
-- Então, onde está o terceiro?
Ela não respondeu. Convocou os músicos novamente, tomou-o pela mão e dançaram, dançaram, dançaram. A noite prosseguiu e o baile particular adentrou por ela. Não havia cansaço.
Por fim, quando a última estrela se despediu e deu licença ao primeiro raio de sol, Daniela bateu palmas e um criado lhe trouxe uma caixinha de veludo verde-musgo.
Jon estava na sacada, respirando o ar da manhã recém-chegada, quando se virou e viu sua amada ajoelhada diante dele, com uma caixinha na mão.
-- Jon... você quer se casar comigo? -- sussurrou Daniela.
Ela abriu a caixa e ele viu um anel com um brilhante solitário. Dentro do brilhante, cuja luminescência era diferente da de qualquer outra gema, percebeu mundos, sistemas e galáxias em contínua revolução. Nebulosas e quasares por vezes turvavam a visão daquele reino de maravilhas, mas logo ele voltava a assombrar os olhos daquele pobre mortal. Seu queixo quase caiu. Mas ele se recompôs a tempo de se ajoelhar também e dizer, com os olhos cheios d'água, a palavra mágica:
-- Sim.
E aquele "sim" ecoou por todas as línguas e mundos e se refletiu em decisões de estrátegos interplanetários; e mergulhou a iníqua e mesquinha Terra numa era melhor, ainda que desavisadamente. Jon sentiu alguma coisa mudar dentro de si e a paisagem toda à sua volta tremular de emoção. Mas por quê?
-- Porque eu sou o Desejo, Jon -- disse Daniela.
Então ele compreendeu.
E imediatamente a ajudou a levantar-se.
E prostrou-se a seus pés, soluçando de felicidade e incredulidade.
CAPÍTULO XXXI
Daniela veio caminhando devagar da sacada, como se tivesse se materializado ali naquele instante. Estava vestida como ele, à moda renascentista, e isso realçava sua pele imaculada, emoldurada pelos cabelos negro-avermelhados expostos à brisa. Era uma visão ímpar. Jon quase chorou só por ser abençado com tal visão.
Ela sentou-se em seu colo. Seu cheiro inebriou-o de tesão.
-- Está na hora? -- perguntou ele.
-- De quê, meu querido? -- volveu ela.
-- De nos encontrarmos com o Desejo...
Ela sorriu, e nenhuma mulher terá tal sorriso em toda a história da humanidade.
-- Com o Desejo? -- repetiu ela, divertida.
-- É. Você não percebe? -- Jon estava compenetrado. -- Encontramos primeiro o Livre-Arbítrio. Depois, o Destino. Eu não posso ter certeza, mas desde que conheci você, essas coisas têm atravessado minha mente, para lá e para cá, o tempo todo. Eu oscilava entre o Livre-Arbítrio, o Destino... e o Desejo. Como um joguete nas mãos de um escritor. Então, quando você me contou sua história e viemos para esta dimensão (aliás, ainda estamos nela?), encontramos os dois primeiros, ou as entidades que os representam, sei lá. E, pelas minhas contas, só falta pedir por você ao Desejo.
Fez-se uma pausa.
-- Você não precisa, meu amor. Já acabou.
-- Mas não eram três os mestres que você mencionou?
Ela aquiesceu.
-- Eles continuam três. Você tem razão.
-- Então, onde está o terceiro?
Ela não respondeu. Convocou os músicos novamente, tomou-o pela mão e dançaram, dançaram, dançaram. A noite prosseguiu e o baile particular adentrou por ela. Não havia cansaço.
Por fim, quando a última estrela se despediu e deu licença ao primeiro raio de sol, Daniela bateu palmas e um criado lhe trouxe uma caixinha de veludo verde-musgo.
Jon estava na sacada, respirando o ar da manhã recém-chegada, quando se virou e viu sua amada ajoelhada diante dele, com uma caixinha na mão.
-- Jon... você quer se casar comigo? -- sussurrou Daniela.
Ela abriu a caixa e ele viu um anel com um brilhante solitário. Dentro do brilhante, cuja luminescência era diferente da de qualquer outra gema, percebeu mundos, sistemas e galáxias em contínua revolução. Nebulosas e quasares por vezes turvavam a visão daquele reino de maravilhas, mas logo ele voltava a assombrar os olhos daquele pobre mortal. Seu queixo quase caiu. Mas ele se recompôs a tempo de se ajoelhar também e dizer, com os olhos cheios d'água, a palavra mágica:
-- Sim.
E aquele "sim" ecoou por todas as línguas e mundos e se refletiu em decisões de estrátegos interplanetários; e mergulhou a iníqua e mesquinha Terra numa era melhor, ainda que desavisadamente. Jon sentiu alguma coisa mudar dentro de si e a paisagem toda à sua volta tremular de emoção. Mas por quê?
-- Porque eu sou o Desejo, Jon -- disse Daniela.
Então ele compreendeu.
E imediatamente a ajudou a levantar-se.
E prostrou-se a seus pés, soluçando de felicidade e incredulidade.
19.6.02
O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO
CAPÍTULO XXX
Jon sentava-se agora a uma das extremidades de uma mesa ornada de castiçais. Todas as velas estavam acesas, bem como as dos candelabros que se sucediam no salão espelhado onde se encontrava. Vestia uma roupa renascentista, apropriada para o clima de outono perfumado que entrava pela janela escancarada. Levantou-se e foi até lá. Descobriu uma sacada que dava para o bosque mais perfeito que já vira. Era como uma pintura impressionista, e dele vinham os murmúrios suaves de um riacho que se não podia descortinar. Na verdade, não era possível vislumbrar o fim do próprio bosque, que se perdia na distância.
A calma do lugar era revigorante. Inspiradora. "Só falta música", pensou.
E acordes de flauta e alaúde ecoaram de uma das portas do salão. Logo entrou uma trupe de músicos que instou-o a sentar-se e fruir suas canções. Tocaram durante um bom tempo e Jon não sabia se tinham se passado horas ou dias. Ao cabo de uma ária que o comovera de modo especial, pensou: "Puxa. Eles não podem fazer melhor que isso. Que delícia. Só me falta boa comida e vinho."
Foi a deixa para os músicos saírem após uma vênia. Em seu lugar vieram copeiras, que lhe serviram o melhor bordeaux que já experimentara. Outros criados trouxeram faisão, foie-gras e frutas.
Novamente perdeu a noção do tempo enquanto restaurava suas forças. Tudo aquilo lhe parecia irreal. Mas era certamente um alívio depois do encontro com o Destino.
Por fim, pareceu despertar do torpor que o acometera desde que se deparara com o salão.
Onde estava Daniela?
CAPÍTULO XXX
Jon sentava-se agora a uma das extremidades de uma mesa ornada de castiçais. Todas as velas estavam acesas, bem como as dos candelabros que se sucediam no salão espelhado onde se encontrava. Vestia uma roupa renascentista, apropriada para o clima de outono perfumado que entrava pela janela escancarada. Levantou-se e foi até lá. Descobriu uma sacada que dava para o bosque mais perfeito que já vira. Era como uma pintura impressionista, e dele vinham os murmúrios suaves de um riacho que se não podia descortinar. Na verdade, não era possível vislumbrar o fim do próprio bosque, que se perdia na distância.
A calma do lugar era revigorante. Inspiradora. "Só falta música", pensou.
E acordes de flauta e alaúde ecoaram de uma das portas do salão. Logo entrou uma trupe de músicos que instou-o a sentar-se e fruir suas canções. Tocaram durante um bom tempo e Jon não sabia se tinham se passado horas ou dias. Ao cabo de uma ária que o comovera de modo especial, pensou: "Puxa. Eles não podem fazer melhor que isso. Que delícia. Só me falta boa comida e vinho."
Foi a deixa para os músicos saírem após uma vênia. Em seu lugar vieram copeiras, que lhe serviram o melhor bordeaux que já experimentara. Outros criados trouxeram faisão, foie-gras e frutas.
Novamente perdeu a noção do tempo enquanto restaurava suas forças. Tudo aquilo lhe parecia irreal. Mas era certamente um alívio depois do encontro com o Destino.
Por fim, pareceu despertar do torpor que o acometera desde que se deparara com o salão.
Onde estava Daniela?
O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO
CAPÍTULO XXIX
Nos olhos de Daniela estava a chave. Nada em suas órbitas mudara. Nada. Ali estava a essência de tudo o que Jon amava nela.
Então, fazendo um esforço hercúleo, deu um passo em sua direção. Depois outro. E mais outro. Levou uma era para chegar aonde ela jazia. Aí hesitou. Ela não mais parecia uma mulher, mas um sátiro fétido, com dentes podres, chifres amarelados...
Mas os olhos eram os olhos de Daniela. A única.
Jon ajoelhou-se a custo e, inclinando-se, beijou suavemente a boca do monstro. Quis gritar de desespero, mas as únicas palavras que saíram de sua boca ao se voltar para o Senhor da Sina foram:
-- Eu graciosamente aceito meu fado. Ei-lo -- e ajudou o sátiro a se erguer.
-- Assim seja -- retrucou o Destino. Ato contínuo, apagou-se o fogo diante da mesa e tudo ficou às escuras. Logo Jon se deu conta que a caverna sumira.
CAPÍTULO XXIX
Nos olhos de Daniela estava a chave. Nada em suas órbitas mudara. Nada. Ali estava a essência de tudo o que Jon amava nela.
Então, fazendo um esforço hercúleo, deu um passo em sua direção. Depois outro. E mais outro. Levou uma era para chegar aonde ela jazia. Aí hesitou. Ela não mais parecia uma mulher, mas um sátiro fétido, com dentes podres, chifres amarelados...
Mas os olhos eram os olhos de Daniela. A única.
Jon ajoelhou-se a custo e, inclinando-se, beijou suavemente a boca do monstro. Quis gritar de desespero, mas as únicas palavras que saíram de sua boca ao se voltar para o Senhor da Sina foram:
-- Eu graciosamente aceito meu fado. Ei-lo -- e ajudou o sátiro a se erguer.
-- Assim seja -- retrucou o Destino. Ato contínuo, apagou-se o fogo diante da mesa e tudo ficou às escuras. Logo Jon se deu conta que a caverna sumira.
17.6.02
O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO
CAPÍTULO XXVIII
Jon e Daniela ficaram em silêncio. Não podiam acreditar no que estavam ouvindo.
-- É o seu destino, seu fado -- disse a besta. -- Está escrito. Não há como fugir.
Jon tremia feito vara verde, mas ainda conseguia pensar. "Ora, se não tenho como fugir, que diabos! Por que desistir dela?" Mas tinha medo. Apoderava-se dele a sensação de fazer parte de uma ordem cósmica e colossal. Via-se, já, como o personagem de alguma tragédia neo-pós-grega, torturado pelas coisas que faz justamente porque TEM de fazê-las.
Olhou de novo para Daniela e de repente ela assomava associada às brumas cruéis do Destino. Pareceu-lhe feia e deformada. Pela primeira vez quis voltar no tempo e jamais tê-la conhecido.
Ela percebeu que ele titubeava. Agarrou seu braço, mas o Destino estalou os dedos e ela foi jogada para a parede oposta da câmara por uma corrente enregelante de ar.
-- Ele tem de fazer isso sozinho -- disse a voz na mente de Daniela. E ela sabia que assim era. Ficou ali, imóvel, ofegante, contemplando Jon.
Este precisou de toda a sua força de vontade para voltar seus olhos para ela. Da antiga beleza, restara apenas uma coisa meio amorfa que o medo criara. Mas seria medo? Ou era assim mesmo que Daniela ficava, sob a ótica da Sina? Ele não mais sabia.
Então seus olhos encontraram os dela.
CAPÍTULO XXVIII
Jon e Daniela ficaram em silêncio. Não podiam acreditar no que estavam ouvindo.
-- É o seu destino, seu fado -- disse a besta. -- Está escrito. Não há como fugir.
Jon tremia feito vara verde, mas ainda conseguia pensar. "Ora, se não tenho como fugir, que diabos! Por que desistir dela?" Mas tinha medo. Apoderava-se dele a sensação de fazer parte de uma ordem cósmica e colossal. Via-se, já, como o personagem de alguma tragédia neo-pós-grega, torturado pelas coisas que faz justamente porque TEM de fazê-las.
Olhou de novo para Daniela e de repente ela assomava associada às brumas cruéis do Destino. Pareceu-lhe feia e deformada. Pela primeira vez quis voltar no tempo e jamais tê-la conhecido.
Ela percebeu que ele titubeava. Agarrou seu braço, mas o Destino estalou os dedos e ela foi jogada para a parede oposta da câmara por uma corrente enregelante de ar.
-- Ele tem de fazer isso sozinho -- disse a voz na mente de Daniela. E ela sabia que assim era. Ficou ali, imóvel, ofegante, contemplando Jon.
Este precisou de toda a sua força de vontade para voltar seus olhos para ela. Da antiga beleza, restara apenas uma coisa meio amorfa que o medo criara. Mas seria medo? Ou era assim mesmo que Daniela ficava, sob a ótica da Sina? Ele não mais sabia.
Então seus olhos encontraram os dela.
14.6.02
O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO
CAPÍTULO XXVII
O Destino tirou de algum lugar que não puderam precisar um livro enorme. Parecia a versão gigantesca de uma história infantil: quando se viravam as páginas, apareciam cenas em três dimensões que contavam sua própria história.
-- Aproximem-se -- disse, enquanto procurava a página certa. O cheiro de couro de pergaminho impregnou o ambiente. -- Deixem-me ver... Jon... Jon Lord... Oliveira.
Surgiu uma cena difusa na página virada pela criatura. Não dava para ver o que acontecia. Mas a um gesto tudo apareceu projetado numa das paredes da câmara.
E Jon sentiu engulhos de repente. A cena mostrava populações de cidades de todo o Brasil morrendo aos milhares de uma doença infecciosa. As pessoas tombavam nas ruas de um momento para o outro; era como na época da Peste Negra, no século XIV. Entretanto, aquilo era o futuro, constatou Jon.
-- Sim, eis o futuro. É exatamente o que você pensou: a volta da Peste Negra. Com grandes chances de virar pandemia.
Jon olhou uma das manchetes de jornal que apareciam na "película".
-- Mas... isso é daqui a sessenta anos! Com certeza já estaremos mortos até lá -- balbuciou, com muita dificuldade, pois seus dentes se entrechocavam.
O Destino olhou-o no fundo dos olhos, e seu olhar era implacável.
-- É claro. O responsável por isso será o filho de vocês. Ian Paice Oliveira. Um cientista brilhante, mas descuidado. Suas experiências com mutações e clonagem múltipla em microorganismos trarão a Peste Negra de volta em todo o seu esplendor.
CAPÍTULO XXVII
O Destino tirou de algum lugar que não puderam precisar um livro enorme. Parecia a versão gigantesca de uma história infantil: quando se viravam as páginas, apareciam cenas em três dimensões que contavam sua própria história.
-- Aproximem-se -- disse, enquanto procurava a página certa. O cheiro de couro de pergaminho impregnou o ambiente. -- Deixem-me ver... Jon... Jon Lord... Oliveira.
Surgiu uma cena difusa na página virada pela criatura. Não dava para ver o que acontecia. Mas a um gesto tudo apareceu projetado numa das paredes da câmara.
E Jon sentiu engulhos de repente. A cena mostrava populações de cidades de todo o Brasil morrendo aos milhares de uma doença infecciosa. As pessoas tombavam nas ruas de um momento para o outro; era como na época da Peste Negra, no século XIV. Entretanto, aquilo era o futuro, constatou Jon.
-- Sim, eis o futuro. É exatamente o que você pensou: a volta da Peste Negra. Com grandes chances de virar pandemia.
Jon olhou uma das manchetes de jornal que apareciam na "película".
-- Mas... isso é daqui a sessenta anos! Com certeza já estaremos mortos até lá -- balbuciou, com muita dificuldade, pois seus dentes se entrechocavam.
O Destino olhou-o no fundo dos olhos, e seu olhar era implacável.
-- É claro. O responsável por isso será o filho de vocês. Ian Paice Oliveira. Um cientista brilhante, mas descuidado. Suas experiências com mutações e clonagem múltipla em microorganismos trarão a Peste Negra de volta em todo o seu esplendor.
13.6.02
O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO
CAPÍTULO XXVI
Um fogo queimava no fundo da caverna. Esta era estranhamente uniforme: não havia reentrâncias, saliências ou cavernas menores que os desviassem do caminho único, o qual levava a uma câmara enorme que era, efetivamente, o fim daquela formação rochosa.
Sentada a uma tosca mesa de madeira sem qualquer adorno, estava a criatura mais horrenda que Jon jamais vira. Pensou em todos os grandes monstros míticos -- a Hidra de Lerna, a Quimera, a Mantícora, o Basilisco, Cérbero... -- e constatou que o que contemplava aterrorizaria até mesmo alguém que só contasse com a visão periférica. Não demorou muito, começou a tremer convulsivamente. Nem mesmo um beijo de Daniela conseguiu acalmá-lo. Ficaram os dois parados diante daquela besta. Mas o que era aquilo? Um ser humanóide? Um animal? Um elemental?
-- Sou o Destino, Jon -- falou uma voz roufenha na mente do jornalista aterrorizado. -- E aviso desde já: você não pode ter Daniela. O Livre-Arbítrio de nada adianta; ele está morto há muito tempo e por isso está vagando nestas paragens.
E riu. A risada do Destino era pior que um milhão de facas penetrando seu corpo ao mesmo tempo.
CAPÍTULO XXVI
Um fogo queimava no fundo da caverna. Esta era estranhamente uniforme: não havia reentrâncias, saliências ou cavernas menores que os desviassem do caminho único, o qual levava a uma câmara enorme que era, efetivamente, o fim daquela formação rochosa.
Sentada a uma tosca mesa de madeira sem qualquer adorno, estava a criatura mais horrenda que Jon jamais vira. Pensou em todos os grandes monstros míticos -- a Hidra de Lerna, a Quimera, a Mantícora, o Basilisco, Cérbero... -- e constatou que o que contemplava aterrorizaria até mesmo alguém que só contasse com a visão periférica. Não demorou muito, começou a tremer convulsivamente. Nem mesmo um beijo de Daniela conseguiu acalmá-lo. Ficaram os dois parados diante daquela besta. Mas o que era aquilo? Um ser humanóide? Um animal? Um elemental?
-- Sou o Destino, Jon -- falou uma voz roufenha na mente do jornalista aterrorizado. -- E aviso desde já: você não pode ter Daniela. O Livre-Arbítrio de nada adianta; ele está morto há muito tempo e por isso está vagando nestas paragens.
E riu. A risada do Destino era pior que um milhão de facas penetrando seu corpo ao mesmo tempo.
12.6.02
O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO
CAPÍTULO XXV
O dilema era apenas escolher a vida com ou sem Daniela. Na verdade, não era difícil. Jon olhou para ela, um portento de luz em meio ao jardim esmaecido, e sorriu. Tocou-lhe os cabelos.
-- Eu escolho você -- disse docemente. -- Embora você tenha me escolhido...
-- Assim seja -- declarou o Livre-Arbítrio, jogando um pozinho no ar que se iluminou com as sete cores do arco-íris e logo formou uma trilha alegre entre as cercas-vivas. -- É o caminho para sair do labirinto. Boa sorte.
Os dois seguiram pela trilha, que desembocava num portão. Em frente a este, estava a boca de uma caverna. Sentiram-se imediatamente atraídos para lá por uma compulsão irresistivel, como se estivesse escrito que deveriam entrar.
CAPÍTULO XXV
O dilema era apenas escolher a vida com ou sem Daniela. Na verdade, não era difícil. Jon olhou para ela, um portento de luz em meio ao jardim esmaecido, e sorriu. Tocou-lhe os cabelos.
-- Eu escolho você -- disse docemente. -- Embora você tenha me escolhido...
-- Assim seja -- declarou o Livre-Arbítrio, jogando um pozinho no ar que se iluminou com as sete cores do arco-íris e logo formou uma trilha alegre entre as cercas-vivas. -- É o caminho para sair do labirinto. Boa sorte.
Os dois seguiram pela trilha, que desembocava num portão. Em frente a este, estava a boca de uma caverna. Sentiram-se imediatamente atraídos para lá por uma compulsão irresistivel, como se estivesse escrito que deveriam entrar.
11.6.02
O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO
CAPÍTULO XXIV
Depois de uma pausa, Jon começou:
-- Daniela me diz que tenho de pedir por ela, mas não deu detalhes...
-- Ah, não basta simplesmente pedir, jovem Jon -- respondeu o Livre-Arbítrio. -- Terá de resolver um dilema. Ou vários...
E, estendendo a mão sobre uma grande travessa reluzente, mostrou a Jon vários futuros possíveis. Num deles, estava casado com Daniela, com cinco filhos e morando num subúrbio feio, numa casa eternamente em obras, úmida, lúgubre. Noutro, os dois se entregavam a traições e agressões mútuas, o que resultava num divórcio para lá de litigioso. Noutro ainda, Daniela matava Jon por ciúmes de uma amiga escritora. Em todas as imagens dos dois juntos, havia uma espécie de urucubaca onipresente -- embora em alguns casos eles conseguissem vencer os problemas e viver juntos em relativa harmonia até ficarem bem velhinhos.
O futuro de Jon sem Daniela, que foi mostrado a seguir sobre uma tábua de carne polida, era melhor, mas nem sempre. Em alguns prognósticos ele se destacava no jornalismo, abiscoitando alguns prêmios Esso e chefiando um grande jornal; noutros se tornava um celebrado escritor. Mas havia imagens que o mostravam se entregando ao álcool e às drogas. A maioria das relações em que se envolvia não durava, embora houvesse ao menos um exemplo de casamento sossegado com uma jovem morena que ele acreditava não conhecer ainda.
Por fim, aquela estranha figura no jardim encerrou a sessão com um gesto.
-- Seu futuro pode estar entre estes. Ou não. Tudo depende de mim, ou de como você me manipular -- disse o Livre-Arbítrio. -- Mas saiba que nenhum caminho é sem dor.
CAPÍTULO XXIV
Depois de uma pausa, Jon começou:
-- Daniela me diz que tenho de pedir por ela, mas não deu detalhes...
-- Ah, não basta simplesmente pedir, jovem Jon -- respondeu o Livre-Arbítrio. -- Terá de resolver um dilema. Ou vários...
E, estendendo a mão sobre uma grande travessa reluzente, mostrou a Jon vários futuros possíveis. Num deles, estava casado com Daniela, com cinco filhos e morando num subúrbio feio, numa casa eternamente em obras, úmida, lúgubre. Noutro, os dois se entregavam a traições e agressões mútuas, o que resultava num divórcio para lá de litigioso. Noutro ainda, Daniela matava Jon por ciúmes de uma amiga escritora. Em todas as imagens dos dois juntos, havia uma espécie de urucubaca onipresente -- embora em alguns casos eles conseguissem vencer os problemas e viver juntos em relativa harmonia até ficarem bem velhinhos.
O futuro de Jon sem Daniela, que foi mostrado a seguir sobre uma tábua de carne polida, era melhor, mas nem sempre. Em alguns prognósticos ele se destacava no jornalismo, abiscoitando alguns prêmios Esso e chefiando um grande jornal; noutros se tornava um celebrado escritor. Mas havia imagens que o mostravam se entregando ao álcool e às drogas. A maioria das relações em que se envolvia não durava, embora houvesse ao menos um exemplo de casamento sossegado com uma jovem morena que ele acreditava não conhecer ainda.
Por fim, aquela estranha figura no jardim encerrou a sessão com um gesto.
-- Seu futuro pode estar entre estes. Ou não. Tudo depende de mim, ou de como você me manipular -- disse o Livre-Arbítrio. -- Mas saiba que nenhum caminho é sem dor.