18.4.03

Tia Cora me passou e eu deixo aqui este brilhante artigo de Carlos Chagas, publicado na Tribuna da Imprensa. Ele diz tudo o que está engasgado depois de quatro meses:

Para Lula ler na cama (4)

BRASÍLIA - "Caro presidente: os votos do País inteiro, começando por nós, seus eleitores, são para que vença imediatamente a bursite, com ou sem operação imediata. Não há nada pior do que enfrentar problemas nacionais, imensuráveis, tendo que suportar problemas pessoais. A gente não sabe o que teria acontecido com a França se Napoleão tivesse sido atacado do câncer no estômago antes de voltar do Egito.

Ou se De Gaulle, só para ficarmos na França, houvesse sucumbido à hipertensão logo depois de sair de Colombey-les-deux-Eglises para reassumir a chefia da nação posta em frangalhos. O senhor deve cuidar-se, tanto faz se no Albert Einstein ou se deitado na mesa da acupuntura, aí no Palácio da Alvorada.

Aliás, seria bom que não se deixasse levar apenas pela ilusão paulistana. Já chega ter composto um ministério que mais parece um paulistério. Nosso irmãos da paulicéia desvairada bem que poderiam ser atacados por um choque de nacionalidade e reconhecer que em Brasília, por exemplo, situa-se o maior hospital de recuperação do aparelho locomotor do planeta, o Sarah. É bem verdade que seu diretor, o dr. Campos da Paz, é carne de pescoço. Não dá luz ao poder nem aos poderosos. Se o senhor quisesse buscar auxílio na instituição, precisaria cadastrar-se e entrar na fila, como qualquer cidadão dos milhares que buscam, gratuitamente, seus serviços.

Mas vamos ao que interessa. O senhor, presidente Lula, foi eleito pela imensa maioria de assalariados, enjeitados, desempregados e famintos que hoje constituem a maior parte da população brasileira. Sensibilizamo-nos pela sua pregação que vem de doze anos. Um operário no poder seria um bom começo, principalmente depois de três rejeições engendradas pelas elites. Fernando Color, uma vez, e Fernando Henrique, duas vezes, demonstraram que com os donos do poder econômico não se brinca.

Agora, depois de tanta ignomínia, outra conclusão não poderia sobrevir: prevaleceu a natureza das coisas na quarta eleição que o senhor disputou. Sua vitória foi a vitória das massas sobre as elites. O grito de revolta sobre os vagidos de prazer de quantos, há tempo, impõem seus interesses sobre os anseios da população.

Foi por prometer mudar o modelo que o senhor chegou ao poder, ou melhor, ao governo, porque ao poder ainda não chegou. Este continua em mãos dos mesmos de sempre, que, pelo jeito, estão conseguindo enganá-lo, cooptá-lo ou convencê-lo de que o melhor é deixar as coisas como estavam. Não dá para entender, caro presidente, como o senhor permite que a equipe econômica mantenha os privilégios dos banqueiros sem pensar em taxar os obscenos lucros dos bancos.

Como nada se fez diante dos privilégios dos especuladores, que nem CPMF pagam. Como os seus ministros puderam levá-lo a fixar um salário mínimo de US$ 72 por mês, inferior ao de Paraguai, Equador, Bonga-Bonga e Songa-Monga. Como entender um funcionalismo durante sete anos sem aumento, receber 1% em nome da estabilidade financeira?

Mas tem mais. Sua equipe econômica aumentou os juros para 26,5% e permitiu que a gasolina aumentasse quatro vezes. As tarifas dos serviços públicos criminosamente privatizados elevam-se com o aumento do dólar, mas, se este cair, nada acontece. Impostos são reajustados muito mais do que a inflação, mas os salários, não.

Fala-se em reformar a previdência social pública pelo estabelecimento da contribuição obrigatória dos inativos, certamente para se aposentarem outra vez no céu ou no inferno. A moda parece ser de desonerar a produção para taxar o consumo, sem lembrar que a produção restringe-se a uns poucos e o consumo, a todos.

Argumenta sua equipe que tudo se faz para que o capital especulativo fique, aumentando nossas agruras. Basta ver os elogios recebidos. Para o FMI, é o maior presidente que o Brasil já teve. Para o Banco Mundial, um chefe de governo confiável.

Pense bem, presidente, o senhor aderiu. Pode ser que apenas por tática, para ganhar tempo, mas é bom não esquecer de que cada dia sem mudanças tornará mais difícil qualquer alteração. Estão todos, do lado de lá, festejando. Terá sido essa sua proposta de campanha? Os votos que recebeu vieram desse balaio? O Brasil terá saída no modelo neoliberal que nos levou ao fundo do poço?

A bursite dói, caro presidente. Mas dói muito mais verificar que o Brasil continua o mesmo. Ou um pouquinho pior, pela frustração verificada nos que votaram no senhor? Com todo o respeito, de um admirador que ainda não trocou a esperança pelo medo. No caso, medo de uma explosão dos diabos..."

Nenhum comentário: