28.12.01

Bom, amigos, agora só vou blogar no ano que vem. Andei meio down nos últimos dias, tanto que Wal (minha cara metade, mãe de minhas filhotas Jessica e Rebeca) estranhou... Sorry, mas é a angústia eterna dos que escrevem e escarafuncham a própria alma. Durante muito tempo fiquei sem escrever e achei que poderia driblá-la, mas ela sempre volta. Ainda mais este ano, em que as Musas vieram a mim na forma de alguém muito especial e acabei fazendo um retorno inesperado à poesia...
Mas hoje estou melhor (até porque arranquei um punhado de poemas do peito esta madrugada), vou me acabar na night e quero deixar uns versos mais alegres para fechar o ano. Ele é inspirado na viagem que fiz de navio no começo do mês, sem dúvida uma das experiências mais marcantes de minha vida. Feliz 2002 para todos!!!

Sete dias no mar

Sete dias no mar
E meus axônios se pintam de azul
para as festas de Dioniso e Afrodite;
feéricos rituais
se sucedem todas as noites
num balouçante altar
forrado de púrpura.

Atiro-me, sôfrego,
aos mistérios do prazer
e neles encontro estranha redenção.
Estará o Eterno na vastidão das ondas
Ou em algum ponto dos conveses
de seu templo flutuante?

Sim, porque de repente percebo
-- naqueles momentos mais extravagantes --
Que Ele desceu das alturas
E está em algum ponto
bailando conosco,
às gargalhadas,
às quatro da manhã.
Para M., com toda a minha adoração

Na outra noite eu te fiz chorar, sem querer,
e, pior, não foi por amor,
mas porque tinhas a mesma e terrível sensação que eu tivera um dia
a de que a juventude fora apedrejada para fora de seu parlatório.

Perdão, amiga,
por te conduzir a tal masmorra.
Acendi depois um cigarro e menti galantemente:
afirmei que já superara tal crise
e que também a banirias com um gesto impetuoso, como é de teu feitio.

Mas, cá no porão de meu ventrículo, eu bem sei
que minha vitória foi apenas uma arte de prestidigitação.
Pois mede-o em fahrenheit, celsius ou kelvin,
e verás que a cada ano diminui meu amor pelo amar.

27.12.01



Finalmente descobri o que é estar só
Quando olhei em seus olhos e reconheci a Mentira
Usurpadora de córneas antes tão amadas.
Nenhuma prisão
Me deixaria mais sufocado e claustrofóbico
Do que aquele olhar.
Oh, deus, por que usamos palavras para mentir
Se o corpo mente antes por nós?

* * * * *

Trigais

Escuridão.
As teclas me levam à escuridão profunda,
Ao caos ardentemente desejado,
Ao sótão.
Desperto de um sono sem sonhos,
Um sono de olhos acordados e inertes,
E confronto de novo o nada.
Para que tentar? para que morrer de angústia
Se nem mesmo a chave possuo mais
Se nem mesmo o destino prega mais peças em nós
Se nem mesmo seus cabelos sussurram mais como sussurravam
Doces, dourados, qual campos de trigo, em meus ouvidos?
Onde está meu desejo, meus arrogantes trovões, meus dedos ágeis?
Em lugar nenhum; eis que se cumpriu a profecia.
Restou, enfim, o escuro, amado, não mais temido,
Caverna silenciosa, gostosa, lar dos nossos duendes coloridos,
Pelo bem do Outro esquecidos.

20.12.01

Quem me conhece sabe que, embora eu acredite que há algo Eterno no éter (senão, não escreveria versos), preferiria cear com Zeus, Hera, Hermes, Afrodite & cia no Olimpo a contemplar a barriga de Papai Noel (já me basto como gordinho ;-)). Mas nada tenho contra o Natal, nem Jesus, que no fundo era um libertário. Natal é melhor que Ano Novo; é uma festa de aniversário, mesmo com a data errada. Já a passagem do ano me deprime, marca apenas o inexorável martelar do Tempo e faz-me pensar no que ainda não fiz na vida. Sou um inconformista por natureza, afinal.
Mas, de um modo ou de outro, o melhor é mesmo festejar. O aniversário do Homem, porque Ele merece; e o Ano Novo, para a gente esquecer o tempo e as besteiras que fez no ano que finda ;-))). Assim, desejo boas festas para todos os queridos amigos e leitores deste blog. E deixo-lhes mais um poema.

Castelos de areia

Você bem o sabe, doce neblina
Cerração de lágrimas tortuosas subindo

Meu ser afogou-se
E roubaram-me um naco de coração
Traí-me e desci por corredeiras brilhantes
Até sumir no cosmo.
Não, não vislumbro futuros
Nem desejo me redescobrir
Busco mundos sem planos
Sem planos de busca.

Jogaste fora teus mapas?
Então iremos juntos
Juntos criadores do nada
Nossas únicas
E inverossímeis datas para guardar
Serão aquelas em que os universos construídos
Nada mais serão
Que castelos de areia.

Minha amiga Rosane Serro, afiada coleguinha da seara dos bits e bytes, revela sua veia de poeta em seu intrigante blog.
É dela esta pequena pérola, de que gostei muito...

Semeadura

Gerencio um mundo de metáforas
Que, sempre me ensinaram, não existe.
Arquivo seqüelas de segundos,
rego pés de juras como se fossem brotar um dia.

Você vem, explode a estufa.
Vejo milhares de nós por toda parte.
(Rosane Serro)


19.12.01

Publiquei este post sobre o Sabato em meu blog de prosa, em http://amachado.blogspot.com. Lá também há crônicas recentes que escrevi, e estou começando a postar meu romance "Somente os amantes" (por enquanto, saiu somente o prólogo, mas em breve virá o primeiro capítulo).
Ontem realizei um sonho antigo: cumprimentei pessoalmente o grande escritor argentino Ernesto Sabato. Ele esteve no Rio para duas conferências na Universidade Cândido Mendes. A segunda, a que assisti, foi "Confissões de um escritor", e, segundo o professor Cândido Mendes, que apresentou e comentou a conferência, será publicada por aqui com certeza. Sabato está velhinho, com 90 anos, e pode ter sido uma das últimas oportunidades para ver o autor de clássicos como "O Túnel" e "Sobre Heróis e Tumbas". Fiquei comovido com sua fidelidade a seus ideais, ele que largou a Física para se dedicar à Literatura e sustenta que a razão não serve para orientar nossas vidas, não consegue conter coisas como a solidão, o absurdo, o amor e a morte. Sabato contou que largou a ciência ao descobrir que o mundo não está lá fora, mas dentro de nós; comentou que as idéias jamais existem em estado puro, como querem os filósofos e os cientificistas, mas estão sempre mescladas a alguma emoção; e sustentou que a educação não deve formar meros profissionais, mas homens, na mais ampla tradição do humanismo. Neste começo lamentável de milênio, foi um bálsamo ouvir as palavras, ainda que baixas e expressas com dificuldade, de um grande defensor da poesia e da esperança em meio ao caos. Foi com grande orgulho que subi ao palco e pedi que ele autografasse meu exemplar de "Antes do fim", seu recente livro de memórias. E não me cansei de olhar o autógrafo à noite e hoje de manhã. Larguei a biografia da Mary Stuart que estava lendo e mergulhei nas memórias de Sabato. Que homenagem maior poderia prestar-lhe?
Ao entregar-lhe o livro, disse-llhe apenas: "Para André". E ele respondeu, sorrindo: "Só isso? Não quer que escreva mais nada?" Eu respondi que não. Sabato olhou o livro, elogiou a beleza da edição brasileira e escreveu "Para André, com meu afeto, E. Sabato". Então eu apertei longamente sua mão (como suspeitava, ele tem um aperto de mão firme, que transpira confiança, como o do Verissimo) e declarei: "Foi uma grande honra estar aqui e poder conhecer o senhor. Obrigado". Não consegui falar mais nada. Mas Sabato apertou-me a mão mais fortemente e murmurou "muchas gracias". Depois, saí. Já ganhara meu presente de Natal. Para mim, foi como se cumprimentasse Wilde ou Nietzsche. Sabato é um dos Imortais de verdade, e estará sempre em meu coração. Sua Alejandra Olmos, de "Sobre Heróis e Tumbas", é a personagem feminina que mais amo em toda a literatura. Não tem para ninguém, nem Julieta, nem Madame Bovary. Ave, Sabato!

17.12.01

A doce Valeska tomou um poema deste vosso escriba como inspiração e fez uma adaptação dele, mesclada com suas próprias idéias, para o espanhol. Vejam o resultado:

El Miedo, por André Machado, mezclado
a mi sentimiento, en español.


Sé que soy novia del miedo
Y que me ha tomado de repente
en una noche temblorosa;
Al mismo tiempo que lo rechazo,
lo deseo, como un brazo protector
contra las incertidumbres del mundo;
Y él, entonces, intenta asegurarme
de que nada mejor que el alivio...
de despirme de la indecisión
romper las sábanas de la cama de la consciencia
y con ellas hacer una cuerda que va
directamente al corazón.
El me llama... me invita...
Dice conocer el camino, que no está libre del dolor,
Pero mejor el dolor que los cristales de nieve,
Mejor el dolor que la muerte del alma en vida,
Mejor el dolor que la belleza del sueño en un
Suave susurro...
De los demonios diciendo lo que habría sido
Si al fin, no dejas todo en el olvido.

Aí, dear, valeu mesmo!

Galera, confesso que cansei desses comments que vão e vêm. Agora, vou linkar meu e-mail ao fim de cada post, vai ser mais fácil.
Eis mais alguns poemas para compensar a falta de atualização do "Comentários" nestes últimos dias....

Onde está você?

Rodelas de fumaça envolvem meu quarto
E pergunto às paredes onde está você.
O poema vacila, tonto e cabisbaixo
Onde está você?

Se o vento que penetra meus olhos
Ao menos trouxesse as notas da melodia perdida,
A voz retornaria às minas
E o passado iria fundir-se com o futuro
Nas pupilas de nossas línguas escaldantes.

A entrega selvagem do vento ao fogo, ah!
Chagas de prazer no ventre congesto!
Onde está você?
Onde está você que transformou o universo numa alcatéia de becos sem saída?
Eu não conheço o antídoto!
Não, não me atrevo a desafiar o cálice inesgotável
Da planície estrelada.
Desejo, sim, construir o labirinto da demência
Tecer a teia da Sabedoria e da Loucura
E nela aprisionar para a eternidade
O amor perdido em nossas bocas secas e silentes.


Poema que parou aí

Desci ao âmago
O que nos aconteceu?

Poema que foi mais além

Descemos ao âmago
Quem sabe dessa vez acertei na mosca?
Logrei olhá-la tão fundo
Que esqueci a cor dos meus olhos.
Ah! Mas eu já disse que não quero cores primárias
Quero hibridações
Salivas soda cáustica
Aaaaah!
Quero que sua língua explore tudo
Amo essa boca que me percorre
No beijo e no discurso
Adoro a pergunta que me embebe
Venero a resposta que não sei dar
...Deixe que eles desafinem.

Hoje eu sei tudo sobre as estrelas da madrugada
Recito seu horóscopo de cor
Amanhã será névoa...
...Amanhã será névoa
Então darei corda no meu relógio embolorado
Colocarei você na gaveta
E reintegrarei o suicídio coletivo
Terei eu ido longe demais?

12.12.01

Amor dopado

Febre vai, febre vem
O maior castigo é a solidão
Se esse maldito vulcão de lábios grossos
Pudesse revelar seus segredos
Com uma só cusparada...
Mas ele se extingue aqui
Entre quatro paredes
Em papel garranchado.

Quando você me descobrir
Não lhe falarei de amar.
O amor complicou-se, tomou narcóticos,
E o que existe em mim é simples
Inconfundível feito flor

Eu sinto flor por você (muito forte)
E flor tem todas as vantagens do amor
Mais o fato de ser só flor.

11.12.01

Boa tarde. Um sobre o medo:

Medo e derivados

Sei que és noiva do medo
e que ele te tomou de repente
numa noite brumosa;
sei que ao mesmo tempo o repeles
e o desejas como uma manta protetora
contra os desígnios do mundo;
às vezes nosso maior medo
é largar de vez todos os seus derivados
que se acumulam conforme os anos
entre um e outro neurônio.
Mas, eu te asseguro,
nada há como o alívio
de despir-se da indecisão
rasgar os lençóis da cama da consciência
e com eles fazer uma corda perimetral
direto para o coração.
Vem, eu sei o caminho -- não desprovido de dor --
mas antes a dor que os cristais de neve
antes a dor que a delícia do sono sussurrado
pelos demônios do que teria sido possível
que no fim nos embalam no limbo.

10.12.01

Alô, galera, estou de volta. Espero que esteja tudo bem com vocês. Venho de sete dias no mar, uma viagem feérica que deve render novos poemas em breve. Enquanto eles não vêm, aí está mais um do arquivo...

Degelo

Que venha o verão
Injetar nas veias a mescalina do insaciável
Transmutar-se em brilhos de olhos de sede voraz
Que venha você
Destrancar meu coração mofado e caquético
Limpar seu sótão e instalar-se com regalias
Até o fim da temporada de caça.

30.11.01

Estarei desplugado nos próximos dez dias, em viagem, por isso deixarei dois poemas de uma vez neste post.
Estarei de volta no dia 10 de dezembro, pronto para outra. Até lá...

Eis o primeiro:

Alívio

Alívio!
Eis o óleo sagrado
Que teu sorriso derramou sobre mim.
Pensava-te perdida para sempre
Levada em pétrea expressão
Pelo cometa cujo núcleo é a indiferença.
Mas não:
Sorriste,
E despertei da morte.
Agora, somente agora,
Posso pensar em ser feliz
E achatar o fantasma do medo
Com um simples olhar
Um mero sopro
-- Que farão renascer
Dele a carne
Só para torturá-la
Com mais vagar e prazer.
Sim, é o que quero ser
Quando crescer
(Quando será?):
Algoz de todos os temores.

Eis o segundo:

Sóis derramados

Tu te enganaste.
O que derramo pelas faces enegrecidas
Não são lágrimas
Mas reflexos do sol nascente

Tu não o sabes
Mas a marca de um destes brilhantes
Faz rebentar a taquicardia da espera
Pelo abraço do todo

Derramas sóis também?
Então vem e abraça-me
Se o universo não nos envolve, taciturno,
Talvez possamos criar um outro
No contratempo das batidas em nossos peitos.

28.11.01

Descoberta

E de repente enxergo através de ti
E te descubro a mais paradoxal das damas
Imaginava-te forte, devastadora, impiedosa
E no entanto és tão frágil quanto eu
Folha de outono, que pode cair e renascer
Carregar e recarregar o ciclo
Fiquemos assim, unidos silentes
O mundo gira, passa
E nos vira de cabeça para baixo
Mas estamos ali.

27.11.01

Este negócio de blog é mesmo muito legal. Já conheci duas pessoas interessantíssimas por e-mail, a Alessandra e a Valeska. Vou aproveitar para homenagear a Alessandra, que escreve a sensacional série "Encontros e desencontros" em seu blog com o Gustones, citando um primoroso texto dela aqui:

"Encontros & Desencontros -- episódio 3 (Alessandra Archer)
Ele quis chupar-lhe o dedo do pé. E ela o amou. Ele elogiava seus cabelos, seus seios, sua boca, seu sorriso, e repetia-lhe sempre que gostava de estar com ela. Viam filmes e ouviam música juntos, como crianças, abraçadinhos, comendo pipoca no frio e tomando vinho, muito vinho. Trancavam-se finais de semana inteiros em casa e só saíam segunda-feira, pela manhã, rumo ao trabalho. Era paixão, mas ela jurava que era amor. Ela comprou-lhe presentes. Um CD, uma camisa, um livro. Ele sequer lembrou do aniversário dela. Ela já sabia que ele era mais um desencontro em sua vida, mas insistiu.
Um dia ele enjoou do rosto dela. Fez cara de nojo e anunciou a separação.
Encontrou-o numa esquina, tempos depois. Enquanto conversaram, ela lembrou 'ele quis chupar meu dedo do pé'; e riu sem querer. Ele não entendeu a gargalhada."

Para a Valeska, que foi tão solidária e gentil comigo neste fim de semana de cão, dedico meu poema de hoje:

Inquieto

Inquieto.
Estou transbordante de inquietação.
A vida inunda as artérias,
O ano começa a se esvair pelos dedos
Minh'alma por fazer incomoda.

Um pedaço de dor, um caco de dúvida, tanto faz,
É preciso vestir os olhos com roupas
Secas e quentes,
Beijar a borda do copo do amor
Ao menos uma vez.
Verões e crepúsculos abafados,
Por que trazem o sangue do mundo ao céu?
Não queremos sangue,
Queremos é a linfa transparente
Do mergulho no sim.

Porque homens e mulheres
Estão repletos de poeira
E desejam sair das masmorras de ar refrigerado
Para a luz das nuvens bem torneadas.
O sol e a cor definitiva
Não mais nos servem --
Melhor calar a certeza nos lábios
E beber a natureza nos bares sob as estrelas.

26.11.01

Boa tarde. Hoje, um poema sobre aquela coisa angustiante: o ato (?) de esperar...

Aguardo você

Aguardo você.
Tenso, giro pelas paredes adentro
O relógio, tenho vontade de jogar pela janela
Preciso encontrar o que fazer
(Pare de tamborilar no parapeito, homem!)

Aguardo você,
E é como se fosse a morte
A vida passa em fotogramas
Vinte-e-quatro-quadros-por-segundo
A música não surte efeito
A leitura fica dispersa
A dor é efêmera mas aguda.

Ah! esperar é um jogo de azar
Você aposta as fichas todas, predestinadas
À desgraça do blefe por trás de seus olhos
De nada adianta levantar poesias
De nada vale gritar por flores azuis.

Na espera descubro meu amor,
No espanto recobro minha luz
E favos de esperança redobram o vento

Mas
Somente a vida na imensidão dos copos vazios
Salvar-me-á dessas noites de suspiros
Na menopausa precoce da existência.

25.11.01

Um para a saideira de hoje:

Oblivion

Esqueci-me de tua crueldade
estrangulando-a no verde oceano;
banhando-me nas ondas gélidas
renasci, vênus envelhecida e enrugada,
sonhando com o abraço da Musa.

Mesmo cercado de beleza, quedo-me inerte
Sentindo o próprio rosto um retrato esmaecido
procurando nas frestas o pathos
desejando um riff salvador.

Nessas horas não incomoda a decadência do corpo,
mas o fenecer do espírito.
É como se a alma fosse racionada;
como se soubéssemos que o cosmo nos dá as costas,
e que cada estrela ri tanto de nossas pretensões
que algumas delas se soltam do céu e caem, sem fôlego,
semeando os campos da desilusão.
Aliás, falando em Wilde, aqui você encontra um monte de links sobre ele na web. Meu site favorito é esta minibiografia virtual do escritor através de sua correspondência. Tudo em inglês.
Pelo menos, nesse fim de semana perdido, terminei de reler a biografia de Oscar Wilde do Richard Ellman. É sempre assim quando empresto a algum amigo um livro de Oscar (ou sobre ele): na hora da devolução, acabo relendo o volume. Já li várias outras biografias do genial irlandês, escritor que me acompanha todas as horas. Entre elas, as publicadas por Frank Harris, H. Montgomery Hyde, Hesketh Pearson, Philippe Julian e as memórias do filho mais novo de Wilde, Vyvyan Holland (1886-1967).
Mas o livro de Ellman é de longe o melhor, porque o necessário distanciamento do biógrafo torna Wilde quase um contemporâneo nosso. Ele discorre brilhantemente (e, em vários momentos, com uma ironia quase wildeana) sobre a vida do esteta-poeta-contista-romancista-dramaturgo-ensaísta-crítico-dândi-etc e demonstra de modo certeiro como a psique dual do homem se insere em todas as suas obras, mesmo nos momentos mais superficiais de suas comédias. No entanto, estou convencido de que a melhor peça que Wilde escreveu foi mesmo sua própria vida, com momentos divertidíssimos, lances sensacionais e uma tragédia absoluta no fim.
Um dos monentos cruciais do destino de Oscar (e destino era algo quase gravado em sua alma, ele que amava os gregos, em especial a Oréstia de Ésquilo) foi sua decisão de não fugir da Inglaterra quando soube que estava prestes a ser preso por "crimes contra a natureza"... Os biógrafos se debatem até hoje sobre esta questão. Uns dizem que ele fraquejou, outros que foi corajoso ao enfrentar a ira hipócrita da sociedade vitoriana; mas, a meu ver, Ellman está correto ao afirmar que, para alguém que fazia tanta questão de se mostrar um gentleman em sua vida pública (foi inclusive esta a "profissão" que designou para si em sua certidão de casamento, em 1884), ficar e agüentar o julgamento humilhante que o condenaria a dois anos de prisão com trabalhos forçados foi uma questão de dignidade pessoal (estava então comprometido com pessoas que se responsabilizaram por seus atos ao lhe obterem fiança), além de um inconsciente desejo de ser punido. Talvez, como sugere Ellman, ele visse a imortalidade chegando com o full circle de seu fado.
Ao mesmo tempo, estou lendo uma biografia de Mary Stuart, rainha da Escócia. Outra vida trágica. Mas isto é assunto para outro dia, quando for a hora de falar de reis e afins.
Estava passeando ainda agora pelo blog das listas descoberto pelo Gustones e, para dar uma animada, pensei numa lista legal: as dez melhores músicas do Kiss para fazer a raiva sair pelos poros (ouvidas bem alto!!!)

1- Rip It Out (do disco solo do Ace Frehley; também é ótima ao vivo no EP Live + 1, do Frehley's Comet)
2- Makin' Love (ao vivo, no Alive II)
3- King of the Night Time World (também no Alive II)
4- Love Gun (do álbum homônimo)
5- Deuce (ao vivo, no Alive!)
6- Exciter (de Lick It Up)
7- Not for the Innocent (também no Lick It Up)
8- Take It Off (ao vivo, no Alive III)
9- Rise to It (do Hot in the Shade)
10- Tonight You Belong to Me (do disco solo do Paul Stanley)

Hum... gostei. Não resisto. Vou dar agora as dez melhores só do guitarrista solo Ace Frehley para sair feliz de casa, sem desejos de esganar ninguém:

1- Juvenile Delinquent (do Second Sighting)
2- Shot Full of Rock (do Trouble Walkin')
3- Into the Void (do Psycho Circus)
4- Five Card Stud (do Trouble Walkin')
5- Lost In Limbo (também do Trouble Walkin')
6- Bad Boys Are Coming (idem)
7- Rocket Ride (no Alive II)
8- Somethin' Moved (do álbum Frehley's Comet)
9- Shock Me (no Alive II)
10- Words Are Not Enought (do Live + 1)
Não adianta fingir: hoje estou muito triste. Passei uma madrugada abandonado depois do costumeiro show dos sábados. Cara, e uma madrugada solitária entre dois plantões. Uma beleza, se adicionarmos ao quadro o sol que fez. Por isso, peço perdão, mas os poemas selecionados para hoje refletirão meu estado de espírito. Aliás, o ideal seria botar aqui "O Corvo", de Egar Allan Poe, na íntegra. Embora o autor tenha defendido a precisão métrica e filosófica com que o compôs, ele ainda é o poema mais triste que conheço. O final, então, é arrasador:

And the Raven, never flitting,
still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas
just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming
of a demon's that is dreaming,
And the lamp-light o'er him streaming
throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow
that lies floating on the floor
Shall be lifted--nevermore!


A vida miserável de Poe, aliás, sempre me deixa com vontade de chorar. Todos os que nasceram com a sina de lidar com as letras compreendem perfeitamente o caminhar inexorável do genial escritor e jornalista americano para a autodestruição, assim como aconteceu com figuras como Verlaine, Rimbaud, Wilde e outros. Na literatura isso é mais grave, mas também acontece nas outras artes. Talvez o fato de o artista chegar mais perto do Espírito o torne, de alguma forma, inapto para viver neste mundo. Vejam as biografias dos grandes compositores clássicos: Mozart, sempre endividado e na corda bamba; o eterno pária Beethoven, que teve, ao que parece, 36 endereços diferentes na sua Viena porque jamais conseguia se entender com seus senhorios; Tchaikovsky, que viveu angustiado e atormentado por sua sexualidade ambígua... Exemplos não faltam. Inclusive, lembro-me de uma história do próprio Beethoven que ilustra esse limbo espiritual em que o artista fica. Ao ouvir queixas de músicos sobre uma obra sua cujas notas ultrapassavam as capacidades físicas de um violino, o mestre explodiu: "Como posso pensar num reles violino quando estou a conversar com o Espírito?"
Bom, eu não sei se os mensageiros dos céus dialogam comigo quando escrevo. Mas os do inferno certamente o fazem. ;-)

Lobos

Bigornas de algodão
Invadem meu tórax em chamas.

Meu amor escondeu-se na floresta
E a alcatéia devora-o sem piedade.
Por que uivam esses lobos?
Por que choramingam para a lua
Já que estão saciados do meu amor?

Como estou só.
Os anéis reverberam na água até sumir.
Perdi meu amor,
Perdi-me no mato selvagem,
Afundei no lodo.

Mais uma vez borro o papel
Mais uma vez sinto sua falta
Mais uma vez o vento sopra meu réquiem.
Por que o sangue é tão inconstante?
Por que não pára nas veias e congela?
Deveria assim eternizar a paixão
E mantê-la ao sabor de um registro que pudéssemos abrir ou fechar
Junto com o sol e a chuva.
Esta inconstância debela-me aos poucos,
Entorta meu coração,
Libera ácidos... corrói.
Você não quer vir? Siga a caneta
Desça pelo despenhadeiro e encontre a floresta.
Seu amor está perdido por lá, também,
E os lobos são vorazes.
Animais carentes! Desgraçados!
Continuam a gemer de fome.
Mas, como o amor é uma droga sem volta,
Eles provavelmente assim permanecerão
Alimentando uma úlcera eterna
Até os sóis se apagarem.

23.11.01

Cora Rónai não existe. Quer dizer, ela existe, mas é uma pessoa tão Sensacional (assim, com S maiúsculo mesmo) que às vezes a gente acha que não existe. Trabalhar com ela só é comparável a... a... a...
Desisto. Não dá para comparar nada. É incomparável. E digo isso de coração. Tia Cora, quero agradecer pela citação deste humilde blog no Olimpo dos blogs, o seu InternETC. Aí vai mais uma, em sua homenagem...

Pequeno réquiem para Oscar Wilde

Com que então vislumbro a ti, estrela cadente
Que risca o céu de minha boca
Em rosas de epítetos, sangue de fulgor longínquo
Meus retratos, todos eles envelhecem
E busco Narciso para guiar-me ao brilho do instante
E enquanto a chuva desce nas faces de nossos infernos,
Tão diversos e tão iguais,
Eu bebo da tua voz irrequieta
Em sussurros de séculos
Procuro, ânsia doentia, a chave do paradoxo maior:
Do amor no som da balbúrdia,
Do vinho que perdemos por não termos paladar,
Dos olhos de contas de vidro dos homens do século vinte.
Um pouco de erotismo hoje, que meu desejo está inflamado.

Uma proposta indecorosa

Hoje, agora, eu desejo o poema sensual
Aquele que conta, desnuda, revela mistérios
Segredos loucamente trancadosamilchaves
De como seus seios arrebitados
Embebem-se no âmbar que escorre de meus lábios grossos
E de como pêlos louros e morenos misturam-se
E criam tons miméticos, tantos milhões de cheiros
Que não mais se distinguem as pupilas
Que se dilatam e turvam e molham o rosto.
Sede de mordiscadas nas cordilheiras dos lóbulos
Oh, como as línguas fazem tudo brilhar
No reflexo do leito exalando rum
Descendo as coxas prostradas em qualquer lugar,
qualquer lugar...
Ânsia, ânsia, mais rápido, mais, mais, mais --
Medo da fuga zombeteira do prazer
Ou da noite rubra e fresca
Quando nossas peles derretem-se e fundem-se
Naquela chamada a rosa azul
Cujos espinhos só aparecem na manhã que ofusca
E que faz lembrar
Que talvez precisemos
De outra salvação além desta...

22.11.01

Sórdido II

Ser poeta
É ser uma boa puta de esquina
E abordar as palavras
Como ela aborda os homens
É deixar-se violentar
Mas cometer atrocidades
E imprensá-las no papel
Porque no papel nada se expressa
Só o ar poluído
Fica sabendo
De nossos zurros intelectuais
Ser poeta é o outro lado, também,
É pagar caro por uma trepada
Que nunca acontece.

19.11.01

Boa companhia, hoje em dia, é algo raro e inspirador. Na sexta, tomei um chope tão gostoso que ele me acompanhou o fim de semana inteirinho. No menu da conversa, poesia, prosa, conflitos interiores e maneiras de lidar com a emoção. Já sábado foi dia de rock, como comentei aqui. Uma bagunça total. Como não tocávamos há alguns meses, o começo foi frio, mas, à medida que o som esquentava, a catarse se instalou e saímos alguns quilos mais leves do estúdio, de tanta pauleira. Como bem disse Gustones, "agora posso passar mais dez anos sem fazer análise" ;-)).
Mais um:

Gosta antes de mim

De repente, em meio à noite, eu te desconcertei
E muda ficaste, confrangendo meu coração derramado diante de ti.
"Faze de teu amor poema", disseste por fim,
"que eu estou a aprender a gostar de mim
e preciso ficar só".
Foi minha vez de ficar silente.
Mas pensei:
Se precisas aprender a te amar
Eu bem que poderia ser teu professor
pois tu já estás gravada em minh'alma:
os contornos de tua boca são minha geografia
a brancura de tua pele é o papel sem mácula de meus alfarrábios
e teus olhos abissais são minha excursão a parques desconhecidos.
Se precisas gostar de ti
Gosta antes de mim,
pois a verdade
é que só nos conhecemos -- livres de subterfúgios --
no espelho do Outro.

16.11.01

Breve canto da saudade

Vejo tudo tão embaçado
Quando retornas?
Olha, eu tenho tentado florir
Tenho mesmo tentado arrumar as pétalas
Mas o orvalho me persegue.

Sinto falta do teu pólen
E quando essa chuva esconde o silêncio
Eu choro tanto
Que dá até pra apostar com ela

Rasgo os peitos-água
E deixo a chuva entrar
Ela faz bem
E eu só temo sua enxurrada forte.
Mas não soçobro
Porque sei que vens
E vais me encontrar.
E, quando me colheres,
Dá-me a mim mesmo
Pois eu sou a peça que falta
No quebra-cabeças.

PS -- Amanhã tem ensaio com o power trio Aerosilva. Muito rock and roll devidamente etilizado ;-)
Costumo chamar tais eventos de Aerosilva's Live Concert: Out Of Liquor (ALCOOL).

14.11.01

Este é o poema que inspirou o título do blog:

Poema do cadafalso

O que restou da última gota de desespero
Secou.
Deveríamos talvez esperar as rosas
Mas por que não semeá-las no vento?
Encontro-me em seu vácuo
Ejaculo minha autopiedade
Choro, emudeço, porcelana derretendo...
Olhos-espadas singrando mares violentos
Ecoando amores sem resposta
Angústias da tempestade rósea do cadafalso.

Meus icebergs são feitos de algodão
Quem bate neles não se arrebenta, é tragado
E serve de ídolo aos pagãos de meu corpo em agonia.
Liberdade, liberdade
Nas garrafas de vinho desgraçadas da noite!
Vem, vício macilento, enterra-me o ser,
Mata esse ardor da pele viva,
Destrói tudo!

Quando passar a tormenta,
Vou me encarcerar uma vez mais
Até vislumbrar, na podridão das paredes úmidas,
Um novo devir
Chave dos sentidos em ebulição,
Beijo louco do desejo no desejo
Brilhante gota do primeiro desespero.

13.11.01

Para falar um pouco de rock and roll: não sei se alguém parou para ver, mas semana passada o Multishow exibiu no Carlsberg Music Live um show do Peter Frampton em Detroit em 1999. Fui olhar. Não sou um grande fã de Frampton, mas gosto do som dos anos 70. Dos anos 60 e 70. E o cara envelheceu mal, rapaz, tanto que quando ele entrou no palco, não reconheci. Só pelo "Please welcome Peter Frampton!!". Quase careca, enrugado e meio encarquilhado, de óculos, ele, no entanto, não perdeu o pique e fez um belo show. Cantou seus maiores sucessos e bons petardos da época do Humble Pie, como "I don't need no doctor". E solou horrores (coisa que musiquinhas como "Baby I love your way" não nos deixavam ver nos seventies). Em suma, foi um show de rock honesto. E a banda era sensacional. Só mais três caras além de Pete: Chad Cromwell na batera, John Regan no baixo e Bob Mayo nos teclados. Este último deu vários shows no piano elétrico, mandando ver e combinando bem com a guitarra de Frampton. E foi bom ver John Regan no baixo -- um dos fundadores do Frehley's Comet, a banda do guitarrista solo do Kiss, Ace Frehley, no fim dos anos 80. Por falar nisso, rolou também no fim de outubro no mesmo programa "The Last Kiss", show da Farewell Tour dos cavaleiros mascarados Frehley, Paul Stanley, Gene Simmons e Peter Criss. Aí eu não pude deixar de ver, de vez que sou kissmaníaco de carteirinha desde os 15. O Ace, aliás, é uma de minhas principais influências na guitarra. Tem um jeito de solar melodioso, apesar de pesado, e não é um "piloto de guitarra", como dizia um professor de violão meu -- aqueles caras que solam tão rápido que você tem a impressão de que a rotação do disco está aumentando no meio da música ;-). Ex-alcoólatra e com o currículo de um mau-elemento do Bronx na juventude, Frehley foi motorista de táxi em Nova York antes de tirar a sorte grande e juntar-se ao Kiss. Reza a lenda que ele estava meio doidão quando atendeu a um teste para guitarristas anunciado nos classificados do "Village Voice" em 1972 e usava um tênis de cada cor na ocasião (um vermelho e outro laranja), quando inclusive teria furado a fila, ligado a guitarra e mandado ver. A audácia funcionou. Também são dele alguns dos grandes climas roqueiros nas letras da banda, como este:

It's time to leave and get another quart
Around the corner at the liquor store
The cheapest stuff is all I need
To get me back on my feet again
Ooh, it's cold gin time again
You know you always will
Yeah, it's cold gin time again
You know it's the only thing
That keeps us together

("Cold Gin", de 1973)

Por que amo uma das bandas mais criticadas do rock? Por um pouco de tudo: o show cheio de efeitos, o clima de super-heróis que os caras inventaram para si mesmos, mas principalmente porque todos eram pobres (o batera chegou a ser entregador de carne para açougues) e jamais esconderam que o que queriam mesmo eram ficar famosos, transar horrores na estrada e ganhar muito, muito, muito dinheiro. "Se não ficarmos ricos com esse negócio, vão ter que me internar numa cela acolchoada", disse uma vez Peter Criss. E eu aprecio essa sinceridade terra-terra. (Talvez por ser jornalista e, como todo jornalista, um duro.) Nada contra os grandes filósofos da contracultura, mas para mim roquenrou é sangue, suor e muita diversão. "Por que perguntar algo sobre política a um roqueiro?", disparou certa vez Simmons. "É o mesmo que perguntar a Al Gore se ele sabe tocar contrabaixo". O mesmo Simmons sintetizou essa besteira de elitizar ou legitimar alguma filosofia ou tendência via rock numa entrevista em 1978: "Não venham nos dizer que somos os reis do mau gosto. O rock sempre esteve mergulhado nele, desde Elvis". Eu concordo. E nem por isso deixo de curtir "Jailhouse rock" e outros clássicos. A própria letra da seminal "Rock around the clock", cantada por Bill Haley e seus cometas, dizia: "vista seus trapos mais folgados e junte-se a mim, meu bem/ Vamos nos divertir quando o relógio bater a uma". É tudo.

12.11.01

Tu

Tu foste feita para mim
és o verso supremo
que só os poetas detectam.
Mas de mim nada queres
E eu, de meu lado, meio que temo
Este jorro de vida que representas.
Tanto tempo a morte me acompanha
que já mais não sei beijar lábios aquecidos.

Ah! mas que belo casal daríamos!
Se ao menos te dispusesses a olhar sob a tampa de meu
ataúde
Verias uma beleza desperdiçada sob a mortalha
E talvez derramasses a lágrima de que necessito
para retornar.

9.11.01

Está todo mundo falando do centenário da Cecília Meireles. Mas este também ano também faz 110 anos que "O retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde, foi publicado em formato de livro, em 1891. É meu romance favorito. A história do jovem que, de um momento para outro, pára de envelhecer e vê um magnífico quadro pintado por seu amigo degenerescer em seu lugar é fascinante. Ela foi publicada originalmente na "Lippincott's Magazine" em 1890, mas no ano seguinte ganhou seis capítulos extras e foi lançada como volume. Histórias curiosas o cercam. Por exemplo, para acertar a publicação, Wilde almoçou com o editor da revista junto com Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, que publicou na mesma revista o conto "O signo dos quatro", por sinal também minha história predileta do amigo do dr. Watson. Sabe-se ainda que Wilde modificou a data e a idade de Dorian no livro quando ele está prestes a cometer um crime, para evitar que associassem o personagem a seu criador. Também retirou um trecho em que ironizava o hábito de sua mãe, Lady Wilde, de fazer minibiografias dos convidados em seu salon antes de apresentá-los a alguém. O livro foi duramente criticado pela puritana imprensa britânica da época, que viu na história de Wilde uma apologia disfarçada à homossexualidade. Mas ele comporta muitas facetas e seu teor sombrio, seus diálogos inesquecíveis (alguns dos quais Wilde repetiu em suas comédias, mais tarde) e o próprio fascínio da trama o tornaram leitura obrigatória de lá para cá. Aqui vão alguns trechos deliciosos (no original mesmo, que pude tirar da Rede, pois estou sem tempo de copiar a tradução):

"People are afraid of themselves, nowadays. They have forgotten the highest of all duties, the duty that one owes to one's self. Of course, they are charitable. They feed the hungry and clothe the beggar. But their own souls starve, and are naked. Courage has gone out of our race. Perhaps we never really had it. The terror of society, which is the basis of morals, the terror of God, which is the secret of religion--these are the two things that govern us. And yet I believe that if one man were to live out his life fully and completely, were to give form to every feeling, expression to every thought, reality to every dream -- I believe that the world would gain such a fresh impulse of joy that we would forget all the maladies of mediaevalism, and return to the Hellenic ideal-- to something finer, richer than the Hellenic ideal, it may be."

"Beauty, real beauty, ends where an intellectual expression begins. Intellect is in itself a mode of exaggeration, and destroys the harmony of any face. The moment one sits down to think, one becomes all nose, or all forehead, or something horrid. Look at the successful men in any of the learned professions. How perfectly hideous they are! Except, of course, in the Church. But then in the Church they don't think. A bishop keeps on saying at the age of eighty what he was told to say when he was a boy of eighteen, and as a natural consequence he always looks absolutely delightful."

"There are few of us who have not sometimes wakened before dawn, either after one of those dreamless nights that make us almost enamoured of death, or one of those nights of horror and misshapen joy, when through the chambers of the brain sweep phantoms more terrible than reality itself, and instinct with that vivid life that lurks in all grotesques, and that lends to Gothic art its enduring vitality, this art being, one might fancy, especially the art of those whose minds have been troubled with the malady of reverie. Gradually white fingers creep through the curtains, and they appear to tremble. In black fantastic shapes, dumb shadows crawl into the corners of the room and crouch there. Outside, there is the stirring of birds among the leaves, or the sound of men going forth to their work, or the sigh and sob of the wind coming down from the hills and wandering round the silent house, as though it feared to wake the sleepers and yet must needs call forth sleep from her purple cave. Veil after veil of thin dusky gauze is lifted, and by degrees the forms and colours of things are restored to them, and we watch the dawn remaking the world in its antique pattern. The wan mirrors get back their mimic life. The flameless tapers stand where we had left them, and beside them lies the half-cut book that we had been studying, or the wired flower that we had worn at the ball, or the letter that we had been afraid to read, or that we had read too often. Nothing seems to us changed. Out of the unreal shadows of the night comes back the real life that we had known. We have to resume it where we had left off, and there steals over us a terrible sense of the necessity for the continuance of energy in the same wearisome round of stereotyped habits, or a wild longing, it may be, that our eyelids might open some morning upon a world that had been refashioned anew in the darkness for our pleasure, a world in which things would have fresh shapes and colours, and be changed, or have other secrets, a world in which the past would have little or no place, or survive, at any rate, in no conscious form of obligation or regret, the remembrance even of joy having its bitterness and the memories of pleasure their pain."

Se quiserem acessar o livro todo, ele está na web. Em inglês, bem aqui.

8.11.01

Fala, moçada. Antes de poetar de novo, queria agradecer o carinho com que o guitarman Gustones e o nobre colunista Sergio Maggi receberam minha estréia em seus blogs. Valeu, galera. E o da Glorinha também, musa eterna. Leopa e Ita, temos mesmo que tomar umas geladas qualquer dia desses.
Hoje vou falar um pouco do Diplomacy, meu jogo favorito, sobre o qual andei escrevinhando umas linhas no InfoEtc há algumas semanas. É um jogo de estratégia, extremamente cerebral, e uma verdadeira Torre de Babel quando jogado na web. Se bem que se prepara uma partida ao vivo e a cores este fim de semana... O jogo se passa num mapa estilizado da Europa no começo do século e exige que os países costurem alianças e façam muita política (de alto e baixo nível, se é que vocês me entendem) para conquistar a supremacia territorial no tabuleiro. No momento, estou jogando numa partida do Torneio 500anos2 com a Áustria, que vive sempre na corda bamba, cercada por Itália, Rússia, Alemanha e Turquia. Tem que ter muita saliva para sobreviver em Viena ;-) Se quiserem acompanhar a evolução da contenda, vejam aqui.
O poema de hoje parece que é sobre sinuca. Mas vocês decidem o que ele esconde.

Bola sete

Tacos.
Formas redondas
Toques, teques, truques...
A fumaça dos cigarros
E um chope gelado.
Talvez seja tudo um jogo.
Posiciono-me e encaçapo a bola.
Sorte grande.
O vazio das caçapas
Tem de ser preenchido
Mas estamos todos em sinuca
E os tacos sem giz espirram demais, demais.
As descaídas ajudam, desajudam
E o feltro está um tanto depredado.
Silêncio-barulho...
Incomoda os ouvidos
A fumaça é engolida
E o chope esquenta.
Mas o que acaba valendo,
O que acaba valendo mesmo,
É que ainda assim
Fazemos duplas para jogar.


7.11.01

Eu disse ontem que meu instrumento era a guitarra, mas esqueci de mencionar que estou experimentando a bateria num trio louco completado por Maloca e Gustones. Quando o primeiro me convidou para a banda, eu respondi que para tocar o que eles planejavam (Who, Stones, Rory Gallagher, Neil Young, etc) eu iria até para as castanholas. Só não rolou um début ainda porque os três são jornalistas e o que não falta é plantão para acabar com a alegria da gente. Mas reconheço que furei feio o último ensaio para viajar no feriado. Os dois devem ter me amaldiçoado até a décima terceira geração, porque choveu a cântaros os três dias...
Com a guitarra, toco todo sábado num barzinho com um parceiro de décadas, o Hélcio. Mas aí o trabalho é mais para MPB e o que pintar...
Mais um para fechar o dia:

Todos

Todos os poetas têm morte lenta.
Os versos os consomem, até o fim,
Sem piedade.
Em vão barram a pena bruxuleante;
As mãos trêmulas e pálidas escrevem inexoravelmente
sua ode à Ceifadora.
A poesia é o mais doce veneno já inventado pela humanidade

Tema do dia: casal de amigos se vê depois de duas décadas. Rendeu versos que cheiram a passado. Vejam:

Reencontro

Vinte anos entre nós
E você ainda me faz estremecer
Minha aura, se é que ela existe, torna-se palpável à minha volta
e acaricia seus cabelos, enternecida,
enquanto seus dedos perfeitos emolduram, distraídos, a xícara.
Entre a fumaça preguiçosa do café
Seu sorriso de menina espreita
e eu tenho vontade de chorar
pelo nosso amor perdido
que jamais aconteceu.

Se o tempo nos pregou peças? Certamente,
Mas os cacos de sua vida estão maravilhosamente alinhados e refeitos
Enquanto os meus espetam como minha barba por fazer, minhas paixões por aparar
e minhas unhas (garras?) que corto antes que as enterre
nos próprios olhos, nas manhãs
em que a realidade teima por lançar seus raios-tratores
sobre meu catre.

Felizmente, você expulsa minha névoa mental
com seu riso inquebrantável
e, olhos para o céu, ergo minha xícara
e me pergunto, intrigado e acompanhando sua alegria,
quando é que minha alma vai aprender
que não é pecado estar feliz.

Perdoe, assim, meu amor insistente:
ele não pode morrer
enquanto estiver a tomar café com a Vida e o Sonho combinados
naquela manhã de retorno perene.

6.11.01

Em tempo: falando de música, meu negócio é rock and roll.
Por isso, como não podia deixar de ser, meu instrumento é a guitarra.
O homem é um ser trágico, que ama e morre, vivendo entre esses dois quadrantes, escreveu Nelson Rodrigues. Sob essa perspectiva -- e lembrando que a morte é nossa única certeza -- podemos pensar na vida como uma longa e lenta caminhada para o cadafalso, seja ele qual for. Não necessariamente uma caminhada triste, porque na verdade não sabemos onde está o patíbulo nem que processo foi escolhido para nós. Daí o nome um tanto lúgubre deste blog (que, entretanto, não pretende ser para baixo. Longe disso). Cadafalso também é o título de um velho poema que postarei em breve. Mas permitam que me apresente. Sou André Machado, 38, jornalista (atualmente repórter do caderno Informática Etc de O Globo), poeta e, de vez em quando, músico. Depois de ver tantos amigos se blogarem, não resisti à tentação e fiz um para mim. Vamos ver o que acontece ;-) Minha primeira idéia é usá-lo como veículo para publicar meus poemas (que escrevo há muitos anos) e debatê-los. Por falar nisso, aí vai um, para começar...

Bordado

E tudo fica imperceptivelmente quieto
E eu fico só
Bordando uma poesia quieta.
Não percebo quando chegas
Mas sei que não pretendes falar-me
Bem sei que não pretendes falar-me
E assim prossigo no vaivém da agulha.
Então, quando a cera da última vela se derrete,
E, missão cumprida, faço que vou me levantar,
Deténs-me e beijas-me as pálpebras pesadas
E, antes que eu possa retribuir,
Voltas a ser apenas chuva.
O que me resta então
Senão voltar a bordar poesias?

Amanhã tem mais...