31.1.02

Nada como um pouco de merda jogado no ventilador de vez quando. Concordem ou não, todos os que gostam de poesia têm de ler a Carta Aberta aos Poetas Brasileiros do Alexei Bueno, publicada hoje no Caderno B do JB. A entrevista de Bueno, no mesmo lugar, também é excelente. Veja alguns trechos sensacionais da carta-manifesto:

O Brasil continua, até hoje, atolado na Escola do Recife e no Positivismo. É o fetichismo da objetividade, que serve de base para as maiores sandices críticas entre nós. (...) Há subjetividades muito mais exatas e diretas que mil objetividades.

Toda a grande literatura é continuidade e sobretudo ruptura.

A ''verdadeira'' poesia brasileira será a de quem a escrever grande, e João Cabral de Melo Neto não merece ser avô dos pigmeus que por aí invocam o seu nome.

Após uma luta feroz para se estabelecer uma liberdade criadora no Brasil empreendida pelos modernistas na vigência do lamentável Neoparnasianismo, acabaram por criar outra camisa-de-força, pior, na nossa literatura, que nega aos que não se filiam a ela todos os territórios expressivos conquistados após o Modernismo.

O Parnasianismo foi o Concretismo da República Velha positivista. O Concretismo foi o Parnasianismo da ditadura militar. Todos grandes defensores do ''rigor formal'', da ''clareza'' e da ''razão''! Todos muito ''modernos'', essa palavra que não quer dizer absolutamente mais nada!

A Modernidade morreu, viva a arte e a literatura! Que os seus fósseis ladrem a sua ladainha decrépita à vontade. Basta de múmias marqueteiras.

Cabe a todos os poetas desse país, especialmente aqueles esquecidos fora das metrópoles, mas sobretudo aqueles que têm algo a dizer, aqueles que sentem a imperiosa necessidade de dizer algo, pois daí nasceu sempre toda a literatura, e não de ludismos formais, mandar todo esse lixo ao espaço, e iniciar com o novo milênio uma nova poesia, que não será nem ''moderna'', nem ''verdadeira'', nem ''legítima'', nem coisa nenhuma, será grande quando o for, e moderna e verdadeira e legítima porque o foi. O espírito sopra quando e onde quer, e para nós há três milênios de riqueza poética às nossas costas, um fabuloso desprezo ao nosso lado e o ilimitado da História à nossa frente!


Ave, Alexei.

29.1.02

Por vezes a crueza de nossas palavras fere as pessoas de quem gostamos. Este poema é um contrito pedido de absolvição do cadafalso:

Último pedido

Perdoa
o músculo inconstante que reverbera em meu peito
que te fere justamente por amar demais.
Sou apenas um pobre poeta dominado pela angústia
Um companheiro deveras imperfeito
Para uma alma de porcelana como a tua.

Não desejo turvar teus olhos,
nem apagar esta alegria que ilumina minha noite eterna;
Sê feliz, como bem mereces,
E separa apenas uma pitada de compaixão por este tolo
que afaga e dá de comer às próprias quimeras.
De Virginia Woolf, outro grande talento que acabou em suicídio, como Maiakovski, um trecho para quem ama os alfarrábios. Foi-me enviado por meu grande amigo Carlos Brito, responsável também pela tradução:

Eu sonho às vezes que quando chegar o Dia do Juízo e os grandes conquistadores e legisladores e estadistas vierem receber suas recompensas -- suas coroas, seus lauréis, seus nomes gravados de forma indelével sobre o mármore imperecível -- o Todo-Poderoso se voltará para Pedro e dirá, não sem uma certa inveja quando nos vir chegando com nossos livros sob os braços, "Vede, aqueles não precisam de recompensa. Não há mais nada aqui que possamos dar-lhes. Eles amam a leitura."
Aos amigos deste blog: estou dando uma nova chance aos comentários, desta vez usando os do YACCS, indicados por Deus. Terei o maior prazer em vê-los comentando de novo na área!! Não se acanhem, pois...

28.1.02

O Falaê está de volta, com a criatividade que lhe é característica. Boa notícia. Tive a honra de entrevistar alguns de seus membros para contar a odisséia que foi trasladar o site de NY para SP. Leia aqui.
Publiquei hoje no Infoetc uma reportagem sobre a Tecnovila Estrela, nascente comunidade web-ecológica no interior do RJ. É possível acessá-la aqui.
Profanação

Não passo a limpo meus poemas;
Tampouco submeto-os à tortura
Do corretor ortográfico.
Riscos, rabiscos e curvas têm sentido
E os erros à luz morna da indecisão
São lâminas e fronteiras do nosso universo em desespero.

25.1.02

"In a dream a long time ago
We fell in love, but what did we know
Years seemed to pass as time took its toll
You're here at last, so why must you go
But tonight you belong to me, yeah
Yes, tonight you belong to me"
(Paul Stanley, 1978)
Gostaria de dedicar este poema a minha amiga Alessandra Archer, que conheci recentemente:

Supercondutividade

Às vezes a vida é supercondutora
E nos leva flutuando
Para o desastre;
Às vezes, somos nós que nos isolamos
Na vã tentativa de ludibriar
Voltagens e voragens sebentas.

Temperaturas em montanha-russa
Cobrem teus neurônios na madrugada
-- São eles a suprema instância
Sobre o destino que tememos
E ainda assim nos infligimos,
Eufóricos e desesperançados.

De que adianta esperar pela calmaria
Se sabemos já fabricadas de antemão
As gotas de ácido prateado?
Gritemos com a tempestade, pois
E com ela nos vistamos
E das nuvens-juízes façamos procissão
Para que, no fim,
Reste apenas vida -- vida, ainda que inchada
E combalida
Mas -- tecida em sal e despojos -- vida.

23.1.02

Este é um post direto da Tecnovila Estrela, no vale homônimo, em Glicério (RJ). Um ecossistema perfeito -- e high tech. Depois conto mais...

22.1.02

Sobre teus olhos (a verdade)
(para a querida C.)

Quando as luzes se acenderam,
mirei teus olhos, enfim, em meio à neblina e ao caos:
duas pérolas negras e rutilantes, imperscrutáveis,
projetando-se da ostra selvagem de tua alma.
Ah! Deus! Olhos como estes
trespassaram meu peito nu e indefeso
há muito, na aurora de meu desejo
E me abandonaram para morrer
Num campo de batalha fumegante, tomado de cólera.

Mas...
Oh, como eu te desejo, amazona,
Vestida do mais puro ébano, dançando em transe no ritual
-- como se cavalgasses o Futuro --
E deixando tuas madeixas negras valsarem também
sobre teus belos ombros
Cheias de alegre despudor, indomáveis e magnéticas.

Sim, olhos como estes já rasgaram meu combalido coração
E me pergunto -- irreversivelmente atraído --
se não vais parti-lo também.
Mas o guerreiro está vencendo o poeta
E quer acorrer a teu castelo para jurar-te vassalagem
Ou simplesmente conquistar-te no campo, numa justa arrebatante.
Beijarás o cavaleiro? Tomarás o poeta em teu regaço?
Ou usarás teus olhos, ao mesmo tempo inexoráveis e compassivos,
para enxergar o amor do homem por trás deles?
Chega: eis-me aqui. Faze de mim o que quiseres.
De "Antes do fim", as memórias de Ernesto Sábato:

"Um romance profundo surge em situações-limite da existência, dolorosas encruzilhadas em que intuímos a inescapável presença da morte. Em meio a um tremor existencial, a obra é nosso intento, nunca totalmente bem-sucedido, de reconquistar a unidade inefável da vida."

"A verdadeira pátria do homem não é o orbe puro que subjugou Platão. Sua verdadeira pátria, à qual sempre regressa ao fim de seus périplos ideais, é esta região intermediária e terrena da alma, este dilacerado território em que vivemos, amamos e sofremos. E, em um tempo de crise total, somente a arte pode expressar a angústia e o desespero do homem, pois, diferentemente de todas as demais atividades do pensamento, é a única que capta a totalidade de seu espírito, especialmente nas grandes ficções que conseguem adentrar o âmbito sagrado da poesia. A criação é essa parte do sentido que conquistamos em tensão com a imensidão do caos".

18.1.02

Este link é um presente do Cadafalso especialmente para nosso grande amigo e guitarman Gustavo de Almeida, antecipando a comemoração de seu aniversário neste sábado. Rock and roll will never die.
Ah, e não se esqueçam de passar o mouse em cima da imagem.
Este eu escrevi em inglês mesmo. E na maior felicidade.

Love for a crib

When he was reborn he first awoke on a crib
and learned to love it from the start.
Years passed by and he took the crib with him;
he used to put it by the bed
and tell all the strange dreams he had in wintertime.

Then he grew older (but not wiser)
And one day a great snowstorm froze his heart
And turned his eyes as red as the dying sun.
But it took only a quick look at the crib
To remember how suave was the music in the forelife
And recall the surprisingly warm kiss of the Grim Reaper.

So he was afraid no more
(though in the next life he woke up in a cold alley)
and the thought of the crib eased his soul forever.
And believe me, it was a very old and tired soul.

17.1.02

Meu prefácio favorito:

"The artist is the creator of beautiful things. To reveal art and conceal the artist is art's aim. The critic is he who can translate into another manner or a new material his impression of beautiful things.

The highest as the lowest form of criticism is a mode of autobiography. Those who find ugly meanings in beautiful things are corrupt without being charming. This is a fault.

Those who find beautiful meanings in beautiful things are the cultivated. For these there is hope. They are the elect to whom beautiful things mean only beauty.

There is no such thing as a moral or an immoral book. Books are well written, or badly written. That is all.

The nineteenth century dislike of realism is the rage of Caliban seeing his own face in a glass.

The nineteenth century dislike of romanticism is the rage of Caliban not seeing his own face in a glass. The moral life of man forms part of the subject-matter of the artist, but the morality of art consists in the perfect use of an imperfect medium.

No artist desires to prove anything. Even things that are true can be proved. No artist has ethical sympathies. An ethical sympathy in an artist is an unpardonable mannerism of style. No artist is ever morbid. The artist can express everything.

Thought and language are to the artist instruments of an art. Vice and virtue are to the artist materials for an art. From the point of view of form, the type of all the arts is the art of the musician. From the point of view of feeling, the actor's craft is the type. All art is at once surface and symbol. Those who go beneath the surface do so at their peril.

Those who read the symbol do so at their peril. It is the spectator, and not life, that art really mirrors. Diversity of opinion about a work of art shows that the work is new, complex, and vital. When critics disagree, the artist is in accord with himself. We can forgive a man for making a useful thing as long as he does not admire it. The only excuse for making a useless thing is that one admires it intensely.

All art is quite useless.

OSCAR WILDE"

16.1.02

Este é um poema que o Maloca achou no seu velho suplemento de faculdade "Poeta que o pariu", para o qual colaborei no longínquo ano de 1992. Dei uma mexida nele, troquei o título e aí está a versão upgrade:

All you need isn't love

Amar é despir nossas musas
de sua maquilagem berrante e mitológica
É fazer os ídolos de nossas quimeras sangrarem e tremerem
ante o sopro ácido de palavras metálicas
é embrulhar o caos em papel-veludo
e entregá-lo a uma desconhecida
com um cartão em chamas
e uma dúzia de cravos nucleares.

Amar é ver a luz no fim do túnel
e mesmo asim dobrar à esquerda para o coração das trevas
é saber a resposta
mas preferir os lábios carnudos da dúvida
é perceber que apesar de nós
a terra cruel ainda gira, fiel noiva do tempo.

15.1.02

Publiquei, em meu blog de prosa, um conto em dupla que fiz com a Crib Tanaka. Espero que seja a primeira de muitas parcerias. Fiquei feliz com o resultado.
Para hoje, um pequeno poema que escrevi em algum delírio noturno. Confesso que nem eu mesmo sei o que ele significa. Talvez vocês possam me dar uma dica ;-)))))

Plasmodium

A chuva risca
A janela-espelho
Marca-a para sempre
Eu grito para as corujas
E elas param de devorar os ratos
Esmaga-a, esmaga-a, noite
Arrebenta com essa maldita flor de cacto!

14.1.02

Escrevi um bocado este fim de semana, tanto prosa quanto poesia; ia até publicar algumas coisas novas hoje. Mas tive uns probleminhas para trazer para cá o material. Fica para breve, então. Hoje, mais um poema dos arquivos do cadafalso:

A Tempestade

As palavras e as poesias vêm e vão
Como teu olhar perdido em meio à turba selvagem
Eu as guardo e cuspo sem o saber
Nas cordas de minha guitarra ensangüentada.

Se desistires do vento,
Não me terás também -- eu sou a Tempestade
E meus cabelos engolem teu amor em vagas
Arrastando-te para a loucura
Em teias de lábios rubros,
Em febres de noites sem luz.

11.1.02

Paraísos efêmeros

Estranha turbulência toma de assalto
O enorme bolo queimando
Que despenca das cinzas de nós.
Quebra-se tudo, trincam-se discos velhos,
Seca a saliva e desce o gás sufocante.

Eu me mato a pauladas,
Enfio o punhal no desejo
Transmuto-me de flor em planta carnívora
Bebendo insetos em grandes goles amargos.

Rabisco-me com a raiva dos olhos parados,
Da pedra teimosa de não entender
Eu viro tijolo que sobra, que se parte em dois
Que volta ao farelo mas tem que correr.
Tem que correr, mais, mais e mais,
Até desaparecer em bolhas
Paraísos efêmeros.
O universo é verde;
o universo é o catarro de Deus.

10.1.02

Hoje vou fazer uma bagunça musical lá no bar onde toco em Nikity City, parece que é aniversário do lugar. Também recebi mais cedo uma ligação do Hélcio, cantor, tecladista e meu parceiro de mais de vinte anos de estrada. Está gravando seu segundo CD independente e deve incluir nele umas canções minhas, "Lágrimas de sal", "Sonho de uma noite de verão" e "Volte, menina". Todas velhíssimas, dos tempos em que minha ex-banda (o Estrada Fróes) estava engatinhando nos ensaios. Taí uma história interessante que qualquer dia vou contar para vocês. Tem muitas passagens hilárias, como uma vez em que tivemos de dormir em cima de umas mesas toscas na sacristia de uma igreja onde íamos tocar. Fazíamos de tudo, íamos aos lugares mais ermos, para tocar. Muitas vezes em carros velhos e praticamente imprensados ao lado (ou mesmo dentro) da aparelhagem. Na época eu era bem magrinho e ainda cabia dentro de uma caixa de som grande ;-)). Quanto sacrifício por um sonho...

9.1.02

A anfitriã

R.S.V.P.
Dizia o convite que a morte
Gentilmente me enviou
Oh, ela era uma dama
De beleza algo tétrica
(Mas antes assim; odeio
A insuportável beleza dos inocentes e imaculados)
E creio que irei acompanhá-la
E cear no Hades.

Não é preciso muito
Basta vestir um smoking
Cujo tecido seja a mais negra noite
Pôr na lapela os pecados
E envergar um sorriso hipócrita.

Será uma noite alegre
Junto a centenas de cadáveres ilustres
O único senão será, ao fim da festa,
Descobrir que não poderei
Compartilhar do leito da anfitriã
Afinal, não estou -- não estávamos -- mortos de verdade
O sonhado Hades nada mais é que um clube elegante
Os esperados zumbis são ainda arremedos de seres vivos
E o doce veneno que eu pensava sorver
Não passava de champanha.

8.1.02

Slow motion

Hoje não ando mais tão rápido
Como antigamente.
Presto mais atenção nas coisas,
Paro para esculpi-las
Na mente.

Delineio a vida
Como quem busca
Conhecer todas as curvas
Da amada -- antes tomada
Com tal sofreguidão
Que mal se podia percebê-la
Entre nossos jorros e gemidos
De paixão e egoísmo.
Hoje caminho em slow motion
Acreditando às vezes
Que embriagar-me de vida
Vai me iluminar.
Mas não é verdade:
As coisas me deixam triste
E circunspecto.
Será isso amadurecer?
Fui ver ontem "O Senhor dos Anéis". Recomendo a quem não conhece a história ler o livro, e não ver o filme. Não é que seja ruim, é que, por melhores que tenham sido as intenções e os esforços do diretor Peter Jackson, não há como captar o encanto das palavras de Tolkien no cinema. Os deliciosos detalhes da narrativa se perdem por completo. Trata-se de uma história para ser lida ou ouvida à noite, em volta de uma fogueira, com sutileza e mistério.
Fiquei irritado com os comentários que ouvi ao fim do filme, que, como retrata o primeiro livro da trilogia, obviamente não tem fim. As pessoas saíam sizendo "puxa, sacanagem, três horas e não tem final? É brincadeira..." Brincadeira é ir assistir à propalada (aos quatro ventos) primeira parte de uma trilogia sem saber ao menos do que se trata. E ainda havia alguns que diziam não ter entendido nada, quando a explicação para a origem do Um Anel abre a fita e é clara como a água mais cristalina. Ai, meu Deus, estou ficando velho mesmo. E impaciente.
Pelo menos valeu ver o Christopher Lee como Saruman. Lee é um dos meus ícones de infância, quando assistia aterrorizado àqueles filmes de Drácula da Hammer, que hoje fazem rir.

7.1.02

Trechos de rocks libertadores sobre o fim de uma relação. Mais eficazes do que qualquer canção tipo dor-de-cotovelo ;-)

Getting off this carousel
You can do as you please,
You can go to hell
Put my back against the wall
Well I'm not gonna fall
On my knees, no not at all
("Saint and Sinner", Gene Simmons)

Rip it out
Take my heart
You wanted it
From the start
You got it now
So goodbye
So rip it out
Watch me cry ;-)
I hope you suffer!"
("Rip it out", Ace Frehley)

Sometimes love is like a slap in the face, you been burned and still
It's the same old mistake
If you want my opinion, I'll give it to you straight
Love is like a slap in the face
("Love's a slap in the face", Gene Simmons)

I ain't gonna be no whipping boy for you no more
I'm tired of swallowing my pride
I wanna tell you just the way I feel
I got a heart made of steel
("Move on over", Peter Criss)

I don't want a romance, I don't wanna dance, I just wanna forget you
Time to take my chances, find somebody new
I just wanna for, I just wanna for, I just wanna forget you
("I just wanna", Paul Stanley)

6.1.02

Na mesma ocasião tive oportunidade de rever Suzaninha Liskauskas, minha partner original no InfoEtc, que meu deu valiosa ajuda em meus primeiros meses no caderninho. Sou-lhe eternamente grato. Havíamos nos encontrado na festa de fim de ano, na home da Almighty Bloggoddess of the Cyberspace, Cora Rónai, mas não tivemos tempo de bater papo. Desta vez, no entanto, pusemos os assuntos em dia e até combinamos um encontro musical (descobri que o namorado dela também leva um som).
Fiquei sabendo pelo mestre Aroaldo Veneu que minha grande amiga Ariadne está em NY. Poderosa como ela só. Mas volte logo, baby, que eu estou morrendo de saudades suas!
Preciso dizer isso: não há nada para tirar a gente do baixo-astral como uma pessoa cheia de vida, de sorriso franco e braços abertos como a Valeska. Dear, você é contagiante e lamentei muito na sexta não poder ter ficado mais no chope para a gente conversar. Mas era véspera de plantão, e aí já viu, né? Fica para a próxima!
Minha querida Rosane Serro foi extremamente generosa com este vosso escriba em seu blog. Este post é para agradecer, emocionado. Estou acompanhando o upload que ela está fazendo de seu livro de poemas, publicado pela Sette Letras, e estou curtindo horrores. Alguns versos chegam a dar tesão.

Então vale hoje um sexpoem do cadafalso!

Seu beijo

O seu beijo é
Igualzinho a um banho quente.
Me deixa todo aliviado,
Abre todos os poros
Arrepia o pescoço, machuca
O tecido que de repente endurece.
Nossas línguas se digladiam
Feito espadas bem afiadas
E as mãos clamam
Por mais dedos que o costume.
Os cabelos se enchem de estática
E os olhos parecem
Tropeçar de propósito.

5.1.02

Deixem-me falar de Wal, minha companheira de 14 longos anos. Ela é o pilar que me sustenta, o porto aonde sempre vou ter, mesmo após as noites mais labirínticas de minha alma. Conhecemo-nos em 1986, no ambiente que mais gostamos de freqüentar até hoje: o bar. Eu vinha de um profundo abismo amoroso; ela não estava satisfeita com os namorados que tivera até então. Juntamo-nos e, acho que para surpresa de ambos, vivemos uma paixão tão repleta de erotismo e entrosamento que foi natural começarmos, do nada, a falar em selar uma união. Em um ano e meio, estávamos casados, e dois anos depois nasceu Jessica. Os sete primeiros anos foram de muita boêmia e diversão, noites e noites a fio jantando fora e jogando conversa no éter. Os sete seguintes foram mais difíceis, especialmente por questões financeiras que se estendem até hoje. Mas nós dois somos bons no essencial; os detalhes é que são um inferno, às vezes ;-). Assim, permanecemos firmes e fortes na tempestade. Pelo menos nesse meio tempo nasceu Rebeca, uma das crianças mais alto astral que conheço, e que, junto com a misteriosa Jessica, nos dá alento.
Wal não é uma pessoa easygoing. Sempre recusou o consolo fácil de palavras suaves mesmo quando estava em seus piores momentos. É absolutamente impossível obrigá-la a fazer qualquer coisa que não queira, por menor que seja. Mas a obstinação é compensada pelo carinho e pela imensa generosidade que traz consigo. E não sei se isso é um privilégio das aquarianas, mas para mim ela não mudou nadinha desde os idos de 86. Está linda como sempre foi. Isso me deixa desconcertado todos os dias...
Tem vezes que a gente fica se perguntando por que continua junto de uma pessoa por tanto tempo. Quer dizer, amor existe, mas qualquer um sabe que é preciso mais do que isso para uma boa dupla dar certo. Cada metade possui uma característica especial que lhe confere um fascínio duradouro. Confesso que não sei o que Wal vê em mim (na verdade, sou um sujeito bem mais difícil que ela), mas descobri seu segredo: ela é uma pessoa feliz por natureza. Um negócio raro, raríssimo (eu não sou assim, vocês que lêem este blog já devem ter percebido ;-)). Todo mundo fica procurando a felicidade em alguma coisa, quando ela é na verdade a perspectiva da qual você vê a vida. E o ângulo de Wal é o da simplicidade. Ave, amor!
A gente sempre se engana com as pessoas, em qualquer idade. Por isso é preciso ser humilde e reconhecer que nossa capacidade de observação falha com mais freqüência do que desejaríamos. Mas não tem nada, não. Cometi muitos erros ao longo destas 39 primaveras e sei que é só com eles que você aprende de verdade. Só não aprendi a fechar meu coração, porque costumo acertar muito mais com ele do que com a cabeça.

4.1.02

Duas visões do adeus, este momento que chega quer queiramos ou não...

I

Adeus

Beijas-me incólume
E nada temes.
Mas nada sabes da dor que causaste!
Eu quero ir embora
Sumir no cristal dos olhares enfurecidos
Cuspir na garganta dos que amam
Morrer nos espinhos da roseira à beira do abismo.
Terás meu sangue, minha deusa.
Não o meu coração, seco e murcho.
Meu cadáver pertence ao vento;
Minha vida errante, aos cães do mato;
Meu amor, aos espelhos dos lagos perdidos.

II

Cuidados e Caronte

Tomas todos os cuidados comigo
Porque não queres me magoar, dizes;
De nada adianta.
Já percebi que não me desejas
E isso basta
para chamar o velho Caronte.
Adeus, querida
Melhor privar da companhia das sombras no Hades
Do que ser teu joguete ao sol, entre os chorosos ciprestes.

Vislumbrei uma nova vida ao te conhecer
Mas jamais supus que estava tão certo
em meus vaticínios.
Adeus: vou ao encontro de Eurídice
para consolá-la da perda de Orfeu.
E os beijos gélidos que então receberei
serão com certeza mais doces
que qualquer um dos teus.

2.1.02

Entradas
(com minha alma numa bandeja para minha amada W.)


Dançar a noite inteira
E fazer amor com o dia amanhecendo, preguiçoso,
Empurrando sua milícia de nuvens douradas para o subúrbio...
Que melhor augúrio para a nova jornada
Do que teus beijos tépidos em minha boca e em meu peito
E tuas mãos explorando indóceis a selva de meus pêlos
enquanto o tecido branco desfalece por teus ombros abaixo,
gentilmente empurrado por meus dedos,
revelando uma alvorada desconhecida de Zaratustra
e muito mais bela do que a manhã que nos deixam ver nossos postigos?

Teus olhos pequeninos e negros, tua face angulosa
Perdida em meio à eterna revolução de tuas melenas
Tudo em ti sorri enquanto o vagaroso expresso do prazer
Movimenta suas engrenagens, delicada e depois firmemente,
seguindo em direção às rubras pradarias do interior.
Quando, passado o momento supremo da Carne,
É alcançada a subestação do Espírito,
Derramas lágrimas de mel
e derretes por fim meu último gelo,
envolvendo-me em teus braços lisos e frementes.

Beijas-me então com o afinco que sempre te toma após o amor
E bebes, vibrante, toda a minha alma
virando-a de uma vez só, como um uísque "cowboy".

Mais tarde, quando a observo dormitar
enquanto fumo um cigarro torto antes de me recolher,
Enterneço-me de repente e me pergunto
como pude, em outro tempo, existir e caminhar sobre a terra sem ti.