25.2.02

Reproduzo aqui o artigo que publiquei hoje no Informática Etc, no Globo:

Blognovela, uma idéia postada no ar

André Machado


Tenho dois blogs, um de poesia, o “Comentários e versos do cadafalso”, de poesia, e o “Cadafalso II”, de prosa, em <amachado.blogspot.com>. Estou postando no segundo um romance que escrevi em 1991, “Somente os amantes”. Entretanto, venho prosseguindo muito devagar, bem mais do que desejaria. O livro é relativamente grande, tem mais de 120 laudas, e à medida que comecei a digitá-lo e postá-lo, percebi que os capítulos eram muito extensos para o formato de um blog. Estou por isso redimensionando-os para que fiquem mais curtos, e criando novos climas na história sem querer (ou não).

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Depois disso, refleti: o formato ideal para esse tipo de página pessoal seria uma novela curta, um folhetim cujas partes não fossem tão extensas e que se apresentasse mais objetivo, direto, dentro do estilo peculiar de um blog. Dias mais tarde, abri o arquivo de um livro inacabado, de 1998, que fala da paixão de um jornalista por uma mulher misteriosa que certa tarde lhe entrega um romance sobre imortalidade dentro da livraria do Palácio do Catete. E percebi que ali estava o que procurava: capítulos mais curtos, linguagem mais ágil, um ambiente de criação mais livre... No mesmo instante comecei mentalmente a chamar a história de “blognovela” e pensei no que faria para terminá-la.

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A idéia do folhetim, naturalmente, não é nova. Sterne, Dumas e Dickens, entre outros, a aproveitaram com maestria. No século passado, com o advento da televisão, o folhetim transformou-se na nossa conhecida telenovela, um formato ainda extremamente popular mas que, acredito, dá sinais de exaustão. Eu costumava assistir a novelas quando era mais jovem, em especial às de Dias Gomes, como “O bem-amado”, “Bandeira 2”, “Saramandaia”... Mas as atuais me parecem pasteurizadas demais. E hoje, com a velocidade da informação, existe uma busca incessante por uma linguagem mais rápida, precisa, encontrada, por exemplo, em determinados seriados na TV por assinatura com textos enxutos e implacáveis, seja na esfera da comédia, do drama ou da ocorrência policial. Este é um dos caminhos que poderiam, talvez, ser adaptados para a ficção na internet, que trouxe de volta o prazer do texto, mas tem suas idiossincrasias virtuais: precisa comunicar instantaneamente, do contrário vamos adiante; não deve cuspir “calhamaços” de bits, pelo mesmo motivo; e precisa conter alguma forma de interação com o internauta que seja utilizável com simplicidade a qualquer impulso. Como um comment . Já repararam que escrevemos comments quase sempre num ímpeto?

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Por isso acho que a década que adentramos vai ver o nascimento dos folhetins digitais -— nada a ver com e-books —, que vão criar uma linguagem própria a partir da concisão e certamente revolucionar, de alguma forma, a literatura. Os blogs têm papel fundamental nesse processo incontrolável e anárquico, bem ao estilo da Grande Rede, e são o meio ideal para a propagação das obras. Quem sabe não surge daqui a um tempo um grupo de intelectuais dispostos a romper com a mesmice do meio acadêmico e editorial e prontos a organizar uma “Semana de Arte Bloguerna”? Ela poderia acontecer no próprio ciberespaço. Está mais do que na hora de sacudir os conceitos de copyright, não sei se com o copyleft da Fundação Software Livre, para citar um exemplo, mas pelo menos com idéias e conceitos que sejam mais adequados a um meio tão plural quanto a web.

De modo que, mesmo postando devagarinho o romance, estou finalizando minha blognovela e pretendo postá-la em breve a fim de contribuir para o debate. Não só os capítulos serão menores, mas seu número será limitado para evitar uma quantidade interminável de posts. A linguagem também é menos formal do que a de meus escritos anteriores, sem desmerecer as idéias que quero passar. Existem ainda outras formas ideais para um blog, como minitextos — como a interessante série “Encontros e Desencontros” de Alessandra Archer <www.falae.com.br/encontrosedesencontros> e o desafio de historietas de 300 toques do Falaê, que fica no endereço <www.falae.com.br/300.html>. Para não falar nos posts de poesia.

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Junto com os criativos webdesigners soltos por aí, tenho certeza de que nós, webwriters, podemos fazer uma diferença. E, se algum dia o evento que sugeri tomar forma, estaremos com certeza em vantagem com relação ao pessoal de 1922, pois haverá um público bem mais receptivo do que os burgueses que foram ver os modernos em SP e atiraram legumes no palco.

Bem, pode ser que os hackers do mal sejam reacionários em termos de literatura... mas no lo creo . ;-)

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