11.5.02

O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO

CAPÍTULO I


­-- Você tem o olhar do conde Fosca -- disse ela.
Daniela não era nem o Destino, nem o Livre-Arbítrio. Isso era certo. Daniela era o Desejo. Súbito, ele lembrou-se de sua avó, que gostava de falar das mulheres de tez leitosa do começo do século. A pele de Daniela era exatamente da cor do leite; bem, quase; digamos da cor do leite com um sub-reptício jorro de café fervente dentro. Oh, sim, fervente, porque nada poderia haver naquele corpo que lembrasse, nem da maneira mais remota, neve. Os cabelos eram negro-avermelhados, os olhos, dois poços de ébano com um brilho hipnótico. Ela era o Desejo, mas, curiosamente, ele não poderia descrever suas curvas naquele instante, pois que a explosão-mater estava dentro daquelas órbitas. Um big-bang ocultava-se ali, por trás das sobrancelhas capazes dos mais intrincados teleportes -- e de repente ele se viu sugado por aqueles cílios e jogado num poço escuro e úmido, cujo calor era insuportável: o fundo nunca chegava...
­-- Você está suando. Está passando mal?
­-- Hein?
­-- Eu me enganei. Você nada tem do conde. É apenas mais um homem assustado. ­-- Ela lhe entregou o livro e passou por ele.
­-- Espere. Desculpe. Foi... não sei, foi uma vertigem. Quem é o conde Fosca?
Ela apontou o livro.
­-- Leia.
Ele olhou a capa. "Todos os Homens São Mortais". Simone de Beauvoir.

[veja o prólogo no post abaixo]

Nenhum comentário: