27.5.02

O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO

CAPÍTULO XII


Sentaram-se num canto da padaria e conversaram. Ela revelou-lhe que era estudante de moda, e ele, mais apaziguado depois de uma xícara de café, riu, dizendo que era a última coisa que a imaginava fazendo. Ela replicou dizendo que desenhar a relaxava, que havia técnicas malucas para isso, como tentar fazê-lo com o lado direito do cérebro ("seja lá o que for isso", pensou ele com seus botões), além de aulas de história da arte. Ele falou um pouco de sua vida de jornalista, de suas insatisfações com os longos hiatos entre os poucos textos literários que conseguia escrever.
­-- Aquele velho cego que mora com você é mesmo seu pai? -- perguntou Jon após uma pausa.
­-- Que velho?
­-- Como é mesmo o nome? Joaquim, mas pronunciado de forma meio gutural...
­-- Ah, Joachim. Não, ele não é meu pai. Diz que é para não assustar as pessoas. É mais... um amigo.
­-- Não é perigoso ele andar sozinho por aí assim?
­-- O "por aí" onde ele anda é bastante seguro. E lá ele enxerga bem.
Jon não entendeu e ficou olhando para ela, que percebeu.
­-- Vou explicar depois, tá? Tem que ser aos poucos.
Ele ficou quieto um tempo e perguntou se, se quisesse beijá-la, também tinha de ser aos poucos. Ela riu, deu a volta na mesa, sentou-se a seu lado e beijou sua boca. Ele fechou os olhos e ficou recordando o corpo branco, perfeito, que vira no apartamento, combinando de modo tão sensacional com o gostinho de leite e chocolate na boca de Daniela que chegou a ficar tonto e esqueceu por alguns segundos de correr atrás da língua da fêmea que acariciava seu palato.
­-- Preciso ir nessa ­-- disse ela, ofegando um pouco depois do beijo.
­-- Quero fazer amor com você. Direito, não como aquela loucura no parque ­-- pediu ele.
­-- Mas daquele jeito é que é bom... ­-- Os olhos do Desejo faiscaram. ­-- Tudo bem, mas depois. Agora não dá.
­-- Tudo bem.
­-- Não fique amuado, tá bom? Quero que você faça uma viagem comigo.
­-- Sério?
­-- Sério. A gente se fala amanhã. Me liga?
Ele assentiu. Ela se foi, linda e despudorada pela manhã carioca.

Nenhum comentário: