25.11.01

Não adianta fingir: hoje estou muito triste. Passei uma madrugada abandonado depois do costumeiro show dos sábados. Cara, e uma madrugada solitária entre dois plantões. Uma beleza, se adicionarmos ao quadro o sol que fez. Por isso, peço perdão, mas os poemas selecionados para hoje refletirão meu estado de espírito. Aliás, o ideal seria botar aqui "O Corvo", de Egar Allan Poe, na íntegra. Embora o autor tenha defendido a precisão métrica e filosófica com que o compôs, ele ainda é o poema mais triste que conheço. O final, então, é arrasador:

And the Raven, never flitting,
still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas
just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming
of a demon's that is dreaming,
And the lamp-light o'er him streaming
throws his shadow on the floor;
And my soul from out that shadow
that lies floating on the floor
Shall be lifted--nevermore!


A vida miserável de Poe, aliás, sempre me deixa com vontade de chorar. Todos os que nasceram com a sina de lidar com as letras compreendem perfeitamente o caminhar inexorável do genial escritor e jornalista americano para a autodestruição, assim como aconteceu com figuras como Verlaine, Rimbaud, Wilde e outros. Na literatura isso é mais grave, mas também acontece nas outras artes. Talvez o fato de o artista chegar mais perto do Espírito o torne, de alguma forma, inapto para viver neste mundo. Vejam as biografias dos grandes compositores clássicos: Mozart, sempre endividado e na corda bamba; o eterno pária Beethoven, que teve, ao que parece, 36 endereços diferentes na sua Viena porque jamais conseguia se entender com seus senhorios; Tchaikovsky, que viveu angustiado e atormentado por sua sexualidade ambígua... Exemplos não faltam. Inclusive, lembro-me de uma história do próprio Beethoven que ilustra esse limbo espiritual em que o artista fica. Ao ouvir queixas de músicos sobre uma obra sua cujas notas ultrapassavam as capacidades físicas de um violino, o mestre explodiu: "Como posso pensar num reles violino quando estou a conversar com o Espírito?"
Bom, eu não sei se os mensageiros dos céus dialogam comigo quando escrevo. Mas os do inferno certamente o fazem. ;-)

Lobos

Bigornas de algodão
Invadem meu tórax em chamas.

Meu amor escondeu-se na floresta
E a alcatéia devora-o sem piedade.
Por que uivam esses lobos?
Por que choramingam para a lua
Já que estão saciados do meu amor?

Como estou só.
Os anéis reverberam na água até sumir.
Perdi meu amor,
Perdi-me no mato selvagem,
Afundei no lodo.

Mais uma vez borro o papel
Mais uma vez sinto sua falta
Mais uma vez o vento sopra meu réquiem.
Por que o sangue é tão inconstante?
Por que não pára nas veias e congela?
Deveria assim eternizar a paixão
E mantê-la ao sabor de um registro que pudéssemos abrir ou fechar
Junto com o sol e a chuva.
Esta inconstância debela-me aos poucos,
Entorta meu coração,
Libera ácidos... corrói.
Você não quer vir? Siga a caneta
Desça pelo despenhadeiro e encontre a floresta.
Seu amor está perdido por lá, também,
E os lobos são vorazes.
Animais carentes! Desgraçados!
Continuam a gemer de fome.
Mas, como o amor é uma droga sem volta,
Eles provavelmente assim permanecerão
Alimentando uma úlcera eterna
Até os sóis se apagarem.

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