20.6.02

O DESTINO, O LIVRE-ARBÍTRIO E O DESEJO

CAPÍTULO XXXI


Daniela veio caminhando devagar da sacada, como se tivesse se materializado ali naquele instante. Estava vestida como ele, à moda renascentista, e isso realçava sua pele imaculada, emoldurada pelos cabelos negro-avermelhados expostos à brisa. Era uma visão ímpar. Jon quase chorou só por ser abençado com tal visão.
Ela sentou-se em seu colo. Seu cheiro inebriou-o de tesão.
-- Está na hora? -- perguntou ele.
-- De quê, meu querido? -- volveu ela.
-- De nos encontrarmos com o Desejo...
Ela sorriu, e nenhuma mulher terá tal sorriso em toda a história da humanidade.
-- Com o Desejo? -- repetiu ela, divertida.
-- É. Você não percebe? -- Jon estava compenetrado. -- Encontramos primeiro o Livre-Arbítrio. Depois, o Destino. Eu não posso ter certeza, mas desde que conheci você, essas coisas têm atravessado minha mente, para lá e para cá, o tempo todo. Eu oscilava entre o Livre-Arbítrio, o Destino... e o Desejo. Como um joguete nas mãos de um escritor. Então, quando você me contou sua história e viemos para esta dimensão (aliás, ainda estamos nela?), encontramos os dois primeiros, ou as entidades que os representam, sei lá. E, pelas minhas contas, só falta pedir por você ao Desejo.
Fez-se uma pausa.
-- Você não precisa, meu amor. Já acabou.
-- Mas não eram três os mestres que você mencionou?
Ela aquiesceu.
-- Eles continuam três. Você tem razão.
-- Então, onde está o terceiro?
Ela não respondeu. Convocou os músicos novamente, tomou-o pela mão e dançaram, dançaram, dançaram. A noite prosseguiu e o baile particular adentrou por ela. Não havia cansaço.
Por fim, quando a última estrela se despediu e deu licença ao primeiro raio de sol, Daniela bateu palmas e um criado lhe trouxe uma caixinha de veludo verde-musgo.
Jon estava na sacada, respirando o ar da manhã recém-chegada, quando se virou e viu sua amada ajoelhada diante dele, com uma caixinha na mão.
-- Jon... você quer se casar comigo? -- sussurrou Daniela.
Ela abriu a caixa e ele viu um anel com um brilhante solitário. Dentro do brilhante, cuja luminescência era diferente da de qualquer outra gema, percebeu mundos, sistemas e galáxias em contínua revolução. Nebulosas e quasares por vezes turvavam a visão daquele reino de maravilhas, mas logo ele voltava a assombrar os olhos daquele pobre mortal. Seu queixo quase caiu. Mas ele se recompôs a tempo de se ajoelhar também e dizer, com os olhos cheios d'água, a palavra mágica:
-- Sim.
E aquele "sim" ecoou por todas as línguas e mundos e se refletiu em decisões de estrátegos interplanetários; e mergulhou a iníqua e mesquinha Terra numa era melhor, ainda que desavisadamente. Jon sentiu alguma coisa mudar dentro de si e a paisagem toda à sua volta tremular de emoção. Mas por quê?
-- Porque eu sou o Desejo, Jon -- disse Daniela.
Então ele compreendeu.
E imediatamente a ajudou a levantar-se.
E prostrou-se a seus pés, soluçando de felicidade e incredulidade.

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